Quando uma pessoa causa danos a outrem, dolosa ou culposamente, surge a responsabilidade pela reparação do dano. Todavia, pergunta-se: e se o ato for praticado por menor, o qual não possui capacidade civil plena? É possível reconhecer a responsabilidade dos pais?
Conforme os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, aquele que comete ato ilícito fica obrigado a repará-lo. A Lei nº 8.069/1990, por sua vez, no artigo 116, atribui ao adolescente a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes de seu ato infracional.
A responsabilidade dos pais
No entanto, o artigo 932, inciso I, do Código Civil atribui a responsabilidade pelos filhos menores aos pais. Desse modo, se os infantes estiverem sob a autoridade ou companhia de seus pais, os genitores devem responsabilizar-se pelos atos dos filhos.
Responsabilidade subsidiária do menor
Dessa forma, a responsabilidade do menor na reparação do dano é subsidiária. O artigo 928 do Código Civil dispõe que o incapaz só responderá pelos prejuízos causados se as pessoas por ele responsáveis não dispuserem de meios suficientes. A indenização, nesses casos, é mitigada, não podendo prejudicar o sustento do incapaz nem das pessoas que dele dependem, consoante o parágrafo único do mesmo dispositivo.
Jurisprudência – Responsabilidade dos pais é substitutiva
Ademais, importa mencionar que, em recente decisão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça reiterou que a responsabilidade dos pais de menor que comete ato ilícito é substitutiva, e não solidária.
No caso concreto, uma ação de indenização foi promovida contra o pai de um menor, o qual feriu a cabeça da autora ao disparar uma arma de fogo. Em primeira instância, o pai foi condenado, o que o levou a recorrer. Sustentou a nulidade do processo por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre ele e o filho. Além disso, alegou que o filho não estava em sua companhia no momento dos fatos.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais não deu provimento à apelação. Segundo o tribunal mineiro, não há nulidade, pois o jovem tinha quinze anos à época dos fatos, ou seja, era incapaz. Ademais, o acórdão explicitou que a presença do pai no momento dos fatos era desnecessária, pois basta que haja o exercício do poder familiar para que se estabeleça a responsabilidade do genitor.
Ao interpor Recurso Especial, o demandado também não obteve êxito. Nos termos do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, relator:
[…] o filho menor não é responsável solidário com seus genitores, mas subsidiário. […] Em sendo assim, não há obrigação – nem legal, nem por força da relação jurídica (unitária) – da vítima lesada em litigar contra o responsável e o incapaz, não sendo necessária, para a eventual condenação, a presença do outro, não havendo o que se falar em litisconsórcio passivo necessário e muito menos em nulidade do processo. […] Na verdade, ao se referir a autoridade e companhia, quis a norma, a meu juízo, explicitar o poder familiar, até porque a autoridade parental não se esgota na guarda, além de que o poder familiar compreende um plexo de deveres como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária. (STJ, REsp nº 1.463.401. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma. Julgado em: 02.02.2017, Data da Publicação: 03.02.2017).
Possibilidade de responsabilização solidária do menor
No entanto, há a possibilidade de responsabilização solidária do menor. Tal hipótese se verifica quando tiver ocorrido a emancipação do filho, a qual não isenta os genitores da responsabilidade solidária pelos atos ilícitos do emancipado.
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O poder familiar
Importa evidenciar que a responsabilidade dos pais independe de culpa. Esta é a inteligência do artigo 933 do Código Civil. O que importa é que o filho aja, pelo menos, culposamente, de forma a concretizar o dano.
Rizzardo (2015, epub) assevera que a responsabilidade dos pais decorre do poder familiar, fundamentando-se na insuficiência de seu desempenho. Ora, os genitores de um menor têm diversas obrigações. Se a conduta do filho for ilícita e causar danos, depreende-se que houve insuficiência na vigilância e na formação comportamental da prole.
De acordo com Gonçalves (2016, p. 121) ainda que o filho seja totalmente incapaz, prevalece a responsabilidade dos pais. Ainda conforme o autor, é o dever de guarda e a obrigação de vigilância que justificam tal responsabilização. Todavia, o doutrinador ressalva as hipóteses em que o ato praticado pelo menor for lícito, litteratim:
Se provado ficar que o ato do menor privado de discernimento, abstratamente considerado, não violou nenhuma obrigação preexistente, força é convir que a ação promovida pela vítima contra o pai do menor inimputável deverá ser prontamente repelida, pois não se compreenderia que os representantes do menor incapaz, culpados por presunção legal, continuas- sem “culpados” pela prática de um ato que ocasionou um prejuízo mas não vulnerou nenhuma norma jurídica. (GONÇALVES, 2016, p. 121).
Desse modo, infere-se que se o menor, ainda que inimputável, praticar um ato ilícito, seus pais devem ser responsabilizados.
A guarda
Gonçalves (2016, p. 124) aduz que “a presunção de responsabilidade dos pais resulta antes da guarda do que do poder familiar”. Assim, caso somente um dos pais detenha a guarda do filho, somente o guardião poderá ser responsabilizado. Portanto, se a guarda for compartilhada, a responsabilidade será de ambos os genitores.
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Entretanto, é mister reproduzir a lição de Rizzardo (2015, epub):
[…] se o filho não se encontra na companhia de um dos progenitores por desídia do mesmo, por falta de cumprimento de suas obrigações, por abandono material, aí se mantém a responsabilidade, nada impedindo de conjecturar que o desvio de conduta do filho não aconteceria se assumida a educação, formação e vigilância pelo progenitor faltoso.
Responsabilização independente da guarda
Além disso, é necessário mencionar que aquele que é investido no poder familiar pode ser responsabilizado pelos atos do menor. Ainda que não seja guardião do infante, se o filho estiver sob sua autoridade no momento dos fatos, o pai é solidariamente responsável. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILÍCITOS DE FILHO MENOR. PRESUNÇÃO DE CULPA. LEGITIMIDADE PASSIVA, EM SOLIDARIEDADE, DO GENITOR QUE NÃO DETÉM A GUARDA. POSSIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA IN CASU. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I – Como princípio inerente ao pátrio poder ou poder familiar e ao poder-dever, ambos os genitores, inclusive aquele que não detém a guarda, são responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores, salvo se comprovarem que não concorreram com culpa para a ocorrência do dano. […] (STJ, REsp nº 777.327/RS. Relator: Min. Massami Uyeda, Terceira Turma. Julgado em: 17.11.2009, Data da Publicação: 01.12.2009).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DOS PAIS E DA AVÓ EM FACE DE ATO ILÍCITO PRATICADO POR MENOR. SEPARAÇÃO DOS PAIS. PODER FAMILIAR EXERCIDO POR AMBOS OS PAIS. DEVER DE VIGILÂNCIA DA AVÓ. REEXAME DE FATOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO. […] 4. A mera separação dos pais não isenta o cônjuge, com o qual os filhos não residem, da responsabilidade em relação ao atos praticados pelos menores, pois permanece o dever de criação e orientação, especialmente se o poder familiar é exercido conjuntamente. Ademais, não pode ser acolhida a tese dos recorrentes quanto a exclusão da responsabilidade da mãe, ao argumento de que houve separação e, portanto, exercício unilateral do poder familiar pelo pai, pois tal implica o revolvimento do conjunto fático probatório, o que é defeso em sede de recurso especial. Incidência da súmula 7/STJ. […]. (STJ, REsp nº 1.074.937/MA. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma. Julgado em: 01.10.2009, Data da Publicação: 19.10.2009).
Responsabilização penal
Frise-se, por fim, que a responsabilização ora tratada refere-se à esfera cível. A responsabilidade penal não pode recair sobre outra pessoa que não o autor do ilícito criminal. Tal entendimento encontra-se consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XLV.
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 08 fev. 2017. ______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 08 fev. 2017. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 08 fev. 2017. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 11. Ed. V. 4. São Paulo: Saraiva, 2016, epub. RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Imagem Ilustrativa. Disponível em: <https://simplesmenteavo.wordpress.com/tag/comportamento-infantil/>. Acesso em: 08 fev. 2017.