Primeiramente, é necessário entender a aplicação da Lei Maria da Penha e compreender como se deu a criação desta lei. Para quem não conhece a história da Sra. Maria da Penha, minha conterrânea, cearense, farmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes é o marco recente mais importante da história das lutas feministas brasileiras.
É que, em 1983, enquanto dormia, Maria da Penha recebeu um tiro do então marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, que a deixou paraplégica. Depois de se recuperar, foi mantida em cárcere privado, sofreu outras agressões e nova tentativa de assassinato, também pelo marido, por eletrocução. Procurou a Justiça e conseguiu deixar a casa, com as três filhas.
Assim, após um longo processo de luta, em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.340, conhecida por Lei Maria da Penha, que coíbe a violência doméstica contra mulheres.
Nesse azo, todo o processo teve início no Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (Cejil) e no Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). Desta forma, os dois órgãos e Maria da Penha formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o então marido dela, o colombiano Heredia Viveiros.
Paralelamente, houve um grande debate após apresentação de proposta feita por um consórcio de ONGs (Advocacy, Agende, Cepia, CFEMEA, Cladem/Ipê e Themis), que ganhou grande repercussão internacional e colocou as autoridades do País em xeque. Assim, a discussão chegou ao governo federal, coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Desta feita, temos que a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, foi resultado de tratados internacionais firmados pelo Brasil, com o propósito de não apenas proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar, mas também, de preveni-la contra futuras agressões e punir os devidos agressores.
Noutro giro, em 29 de setembro de 2017, o juiz Vitor Umbelino Soares Junior, titular do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher da comarca de Rio Verde, reconheceu a competência da unidade judiciária para o processamento de ação penal envolvendo a prática de crime entre companheiras do sexo feminino, no âmbito das relações domésticas, com a presença de indícios de submissão de uma em relação à outra.
Assim, conforme os autos, a vítima relatou que conviveu em união estável com a indiciada pelo período de 3 anos, estando separadas há aproximadamente 5 meses. Ainda, segundo os autos, uma delas informou que é ameaçada constantemente e que a requerida, por não aceitar o término do relacionamento amoroso, já a agrediu fisicamente por inúmeras vezes com tapas e socos.
Desta feita, ao analisar os autos, o magistrado Vitor Umbelino argumentou que, para a aplicação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a relação existente entre o sujeito ativo e o passivo deve ser analisada em face do caso concreto, sendo que o artigo 5º da citada legislação impõe, como condição para sua aplicabilidade, o fato da violência praticada estar baseada no gênero, determinando expressamente no seu parágrafo único que as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Ressaltou, ainda, em sua decisão, que a violência contra a mulher baseada no gênero refere-se à uma espécie de sujeição psicossocial e cultural, relação de subordinação ou qualquer forma de dominação do agressor ou agressora frente à vítima, atraindo a incidência da legislação protetiva, cujo objetivo central é a proteção da mulher no âmbito de sua comunidade, entendida esta como o grupo de pessoas com as quais ela convive.
Neste sentido, discordando do posicionamento do Ministério Público que se manifestou contrário ao processamento dos autos junto ao Juizado de Violência Doméstica, Vitor Umbelino afirmou que a violência contra a mulher, ainda que perpetrada no âmbito das relações domésticas homoafetivas, deve ser coibida segundo o disposto na Lei nº 11.340/2006. Essa conclusão decorre da interpretação de basicamente dois dos dispositivos que integram o texto normativo, quais sejam, aqueles insculpidos no art. 2º e no art. 5º, parágrafo único, da Lei Maria da Penha.
Segue trecho do entendimento do magistrado: “Os referidos dispositivos legais que veiculam preceitos preliminares e gerais da lei em evidência afastam qualquer dúvida sobre quem se buscou tutelar: a mulher, ou melhor, toda mulher, independentemente de sua orientação sexual. Logo, se a Lei nº 11.340/2006 foi editada com o escopo de coibir a violência doméstica e familiar contra toda mulher, sem exceções, é claro que se aplica às relações homoafetivas entre duas mulheres”, argumentou o juiz.
Aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal
Ao final de sua decisão, após declarar que o Juizado de Violência Doméstica é competente para apreciação do caso em questão, em respeito à autonomia e à independência funcional do ilustre representante do Ministério Público que atua junto à unidade judiciária, entendeu o juiz que a melhor forma de dar cumprimento ao decisum era lançar mão da aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal, com consequente remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de Goiás para adoção das providências que entender cabíveis, como por exemplo a designação de outro promotor de Justiça para atuação no feito.
Referências:
http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/maria-da-penha-1
http://www.lex.com.br/doutrina_23343224_A_APLICACAO_DA_LEI_MARIA_DA_PENHA_AO_GENERO