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A coação ilegal e o Habeas Corpus
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 por Rafael Nogueira
SUMÁRIO:
- Introdução;
- O Habeas Corpus no ordenamento jurídico brasileiro;
2.1 Ausência de justa causa;
2.2 Excesso de prazo;
2.3 Incompetência do órgão que decretou a prisão;
2.4 Fim do motivo que autorizou a coação;
2.5 Não for alguém admitido a prestar fiança;
2.6 Processo nulo;
2.7 Punibilidade extinta; - Considerações finais;
- Referências.
RESUMO
O presente trabalho busca analisar o instituto do Habeas Corpus, em especial os casos de coação ilegal que são causa de impetração do remédio constitucional. Para tal, realizou-se uma breve introdução sobre o que seria o Habeas Corpus e qual a sua natureza jurídica, seguida de um estudo sob a luz da doutrina e da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre cada um dos incisos do art. 648, do Código de Processo Penal. Nesse sentido, utilizando-se de fontes bibliográficas, principalmente leis, livros e julgados sobre a temática, buscou-se entender a dinâmica de utilização do Habeas Corpus e como a Tribunal da Cidadania tem se posicionado frente aos casos de constrição ilegal.
Palavras-Chave: Habeas Corpus, STJ, Direito, Remédio Constitucional, Constrição Ilegal.
ABSTRACT
The present work seeks to analyze the Habeas Corpus institute, especially the cases of illegal coercion that are the cause of impetration of the action. To this end, a brief introduction was made on what Habeas Corpus would be and what its legal nature is, followed by a study in light of the doctrine and jurisprudence of the Superior Court of Justice on each of the clauses of art. 648 of the Code of Criminal Procedure. In this sense, using bibliographical sources, mainly Laws, books and Judgments about the subject, we sought to understand the dynamics of Habeas Corpus use and how the Citizenship Court has positioned itself against cases of illegal constriction.
Keywords: Habeas Corpus, STJ, Law, Constitutional Remedy, Illegal Constriction.
1 INTRODUÇÃO
Historicamente, o Habeas Corpus (HC) surgiu na Inglaterra, como uma imposição ao rei João Sem Terra, por meio da Magna Carta de 1215. Desde então, o instituto foi utilizado na petittion of rights, de 1628, e no Habeas Corpus Act, de 1679, até chegar ao Brasil, por meio do Código de Processo Criminal do Império, de 1832 (PACELLI; 2017; ebook).
O Habeas Corpus, portanto, tornou-se constante no ordenamento jurídico brasileiro, presente também no Código de Processo Penal Brasileiro, de 1941 (PACELLI; 2017; ebook).
Atualmente previsto no art. 5º, LXVIII da Constituição, o Habeas Corpus é o remédio constitucional cabível sempre que alguém esteja sofrendo ou esteja na iminência de sofrer constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.
Amplamente utilizado nas ações penais, é considerado uma ação autônoma de impugnação no Direito Processual Penal e visa a prevenir e remediar restrições de ilegais ou abusivas de liberdade de locomoção. Nesse sentido, o HC pode ser aplicado para impugnar qualquer ato judicial, administrativo e, até mesmo, ato de particulares (LIMA; 2017; p. 1757).
No presente trabalho, busca-se analisar (i) em que situações são cabíveis as ações de Habeas Corpus e (ii) como a jurisprudência nacional tem se posicionado em casos práticos de coações ilegais.
Veja mais:
https://direitodiario.com.br/liminar-de-habeas-corpus/
https://direitodiario.com.br/hipotese-de-cabimento-de-habeas-corpus-como-meio-substitutivo-de-recurso-ordinario-constituciona/
2 O HABEAS CORPUS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Comumente impetrado em causas penais, quando o agente se encontra preso ou na iminência de ser preso, o Habeas Corpus deve ter sempre como fundamento um dos argumentos descritos nos incisos do art. 648 do CPP, in litteris:
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa;
II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI – quando o processo for manifestamente nulo;
VII – quando extinta a punibilidade.
Ressalte-se, ademais, que por o Habeas Corpus demandar prova pré-constituída, o impetrante deve anexar aos autos todos os documentos (atualizados) que comprovem a situação alegada e seus argumentos, sob risco de a ordem não ser conhecida por ausência de informações (TÁVORA, ALENCAR; 2017; pág. 1580).
Vejamos, portanto cada uma das hipóteses.
2.1 Ausência de Justa Causa
A justa causa, a rigor, compreende todos os demais incisos descritos no código, uma vez que a “coação ilegal” é exatamente aquela que ocorre sem causa legítima. Nesse sentido, entende-se que esse argumento teria caráter subsidiário: sempre que a constrição for ilegal e não houver enquadramento das demais hipóteses, deve-se recorrer à tese de “ausência de justa causa” (NUCCI, 2014, ebook).
Feitas estas pontuações, temos que a justa causa seria a ausência dos elementos que possibilitam o início e o prosseguimento da ação penal, conforme explicam Nestor Távora e Rosmar Alencar (2017, pág. 92):
A justa causa é a necessidade do lastro mínimo de prova para o exercício da ação, é dizer, indícios de autoria e da materialidade, normalmente coligidos do inquérito policial ou dos demais procedimentos apuratórios preliminares. Neste viés, a fragilidade probatória pode ser de tal ordem gritante, que o início do processo em si mesmo representaria ilegalidade manifesta, por não existirem elementos mínimos revelando que a infração existiu ou que o denunciado concorreu para o delito.
Nesse sentido, uma vez que o processo não possua causa justa e o Juízo originário aceitar o início e prosseguimento do processo, deve-se impetrar o Habeas Corpus, objetivando o trancamento da ação.
Vejamos alguns julgados do STJ sobre o tema:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 2. ART. 7º, IX, LEI N. 8.137/1990. IMPROPRIEDADE DO ALIMENTO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. MATERIALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. 3. RECURSO PROVIDO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito. […] 3. Recurso em habeas corpus provido, para trancar a Ação Penal n. 0000393-63.2016.8.12.0030. (STJ – RHC 86.698/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 16/08/2017)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TRANCAMENTO. PREÇO PAGO ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO. 1. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que se infere na hipótese dos autos. […] 5. Recurso provido para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0001395-52.2013.8.12.0037, em curso na Vara Única da Comarca de Itaporã/MS. (STJ – RHC 73.520/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 14/08/2017)
2.2 Excesso de Prazo
O excesso de prazo ocorre exatamente quando se ultrapassa o lapso temporal assinado sem a realização de determinado ato processual, tornando a constrição da liberdade em coação ilegal e impondo a soltura do preso (LIMA, 2017, p. 1781).
No caso das prisões temporárias, ao final do prazo estabelecido, o acusado deve ser posto em liberdade. Caso isso não aconteça, o advogado precisa entrar com a petição junto ao juízo competente solicitando a expedição do alvará de soltura. Caso seja negado, deve-se impetrar o Habeas Corpus com a tese de excesso de prazo (NUCCI, 2014, ebook).
Na hipótese da prisão preventiva, por outro lado, os tribunais têm estabelecido algumas balizas, as quais flexibilizaram o prazo para o encerramento da instrução processual e, consequentemente, o tempo em que o réu pode permanecer preso preventivamente.
HABEAS CORPUS. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. […] 2. É cediço que os prazos processuais previstos na legislação pátria devem ser computados de maneira global, e o reconhecimento do excesso deve-se pautar sempre pelos critérios de razoabilidade e proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF), considerando cada caso em sua particularidade. 3. Na hipótese, o paciente está cautelarmente segregado há mais de 3 anos e 2 meses, sem que tenha sido encerrada a instrução processual, visto que o feito ainda aguarda o retorno de cartas precatórias enviadas para a realização do interrogatório dos réus, de maneira que a prisão preventiva poderá alongar-se por período ainda maior que o já verificado no caso. 4. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de responder à ação penal em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, caso ocorram fatos novos que demonstrem sua necessidade. (STJ – HC 307.652/SE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 02/02/2017)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E RESISTÊNCIA. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA EM RAZÃO DA PERICULOSIDADE DO RECORRENTE. MODUS OPERANDI (ASSALTO A SUPERMERCADO COM PERSEGUIÇÃO E TROCA DE TIROS COM POLICIAIS). EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. MERA IRREGULARIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Impõe-se o prazo de cinco dias para oferecimento da denúncia, nas hipóteses de réu preso, a fim de evitar a restrição prolongada à liberdade sem acusação formada, contudo, tal lapso configura prazo impróprio. Assim, eventual atraso de 3 dias para o oferecimento da denúncia não gera a ilegalidade da prisão cautelar do recorrente. 2. Ademais, a verificação do alegado excesso de prazo deve ser feita de forma global, ou seja, como um todo diante do prazo previsto para a conclusão da instrução criminal e não em relação a cada ato procedimental. Outrossim, oferecida a denúncia, fica superado o suposto constrangimento ilegal por excesso de prazo para o seu oferecimento. Precedentes. 3. A prisão cautelar deve ser mantida para resguardar a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do recorrente, demonstrada pelo modus operandi da conduta (roubo a supermercado com perseguição e troca de tiros com os Policiais). 4. Recurso desprovido, em conformidade com o parecer ministerial. (STJ – RHC 28.614/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 16/11/2010)
Vejamos ainda alguns enunciados sumulados sobre o excesso de prazo:
Súmula nº. 21, STJ: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.”
Súmula n. 52, STJ: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.
Súmula 64 STJ: “Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.”
2.3 Incompetência do Órgão que Decretou a Prisão
Aplica-se apenas nos casos das prisões temporárias e preventivas decretadas no curso do inquérito policial. Caso seja incompetente aquele que ordenou a prisão no curso do processo, ele será incompetente para conduzir o processo também, recaindo na hipótese VI, sendo o processo nulo (LIMA; 2017; p. 1782).
É preciso pontuar ainda que o STJ pacificou o entendimento de que, caso o juiz que decretou a prisão seja declarado incompetente, os autos devem seguir para o Juízo competente para que este ratifique ou não o decreto prisional:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO TENTADO, HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO EM CONCURSO DE AGENTES, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO E PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTE E CORRUPÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. JUÍZO POSTERIORMENTE DECLARADO INCOMPETENTE. RATIFICAÇÃO PELO JUÍZO COMPETENTE. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE DA ANÁLISE DA PRISÃO PREVENTIVA. NOVA DECISÃO QUE NÃO AGREGA FUNDAMENTOS AO DECRETO PRISIONAL. IDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO. PERICULOSIDADE CONCRETA. FUNÇÃO DE LIDERANÇA EM FACÇÃO CRIMINOSA DO PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE – PGC. RESPONSÁVEL PELA DISSEMINAÇÃO E FORNECIMENTO DE ENTORPECENTES NA CIDADE. MANDANTE DA EXECUÇÃO DA VÍTIMA. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. INSUFICIÊNCIA DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. […] 2. A jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que, nos termos do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal – CPP, o reconhecimento da incompetência relativa do juízo, como se verificou no caso dos autos, não conduz automaticamente à nulidade dos atos praticados, devendo o feito ser remetido ao Juízo competente, que poderá ratificar esses atos, ainda que de forma implícita. […] Habeas corpus não conhecido. (STJ -HC 368.767/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 24/05/2017)
2.4 Fim do Motivo que Autorizou a Coação
Essa hipótese pressupõe que o agente já está preso por alguma razão e, posteriormente, tal razão deixou de existir, tornando ilegal a coação. Nas palavras de Renato Brasileiro Lima (2017; p. 1783):
Significa dizer que as medidas cautelares, notadamente aquelas que repercutem na liberdade pessoal do agente, tem a sua duração condicionada à existência temporal de sua fundamentação. Em outros termos: a medida cautelar submete-se à cláusula da imprevisão, devendo ser revogada quando não mais presentes os motivos que a ensejou, bem como renovada quando sobrevierem razões que justifiquem sua adoção.
Logo, considerando que a natureza cautelar de tais medidas exige que a mesma só seja mantida se presentes seus pressupostos, caso o motivo que autorizou sua decretação desapareça, deverá o próprio juiz que a decretou revogá-la, nos termos do art. 282, § 5°, c/c art. 316 do CPP. Essa modificação do status quo que motivou a decretação da prisão preventiva pode ser relativa a qualquer um de seus elementos, seja no tocante ao fumus comissi delicti, seja quanto ao periculum libertatis.
Citemos, por exemplo, que foi decretada a prisão do acusado para proteger as testemunhas, não influenciando seus depoimentos. Nesse caso, após a colheita dos depoimentos, não haverá mais motivo idôneo a justificar a segregação cautelar.
Outra hipótese seria quando, na prisão definitiva, encerra-se o cumprimento da pena, não havendo mais qualquer razão para que o acusado continue privado de sua liberdade. Nesse caso, deve ser reconhecida a extinção da pena pelo juiz da execução.
2.5 Não for Alguém Admitido a Prestar Fiança
De acordo com o art. 5º, LXVI, da CRFB/88: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Logo, caso alguém seja preso por crime afiançável e seja-lhe negado o direito de pagar a fiança para ter sua liberdade, será caso de Habeas Corpus (PACELLI; 2017; ebook).
Igualmente, também caberá tal remédio constitucional na situação em que o valor arbitrado como fiança excede injustificadamente as condições financeiras do acusado. Sobre isso, colha-se um julgado do STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. ART. 334-A DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE FIANÇA DE 50 SALÁRIOS MÍNIMOS, POSTERIORMENTE REDUZIDA PARA 30 SALÁRIOS MÍNIMOS. VALOR DESARRAZOADO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS ACERCA DA CAPACIDADE ECONÔMICA DO PACIENTE. MANUTENÇÃO DA PRISÃO APENAS EM RAZÃO DO NÃO PAGAMENTO DA FIANÇA ARBITRADA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. […] 2. O valor da fiança – 30 salários mínimos – foi fixado nas instâncias ordinárias tendo como base a natureza da infração e a presunção de capacidade financeira do paciente decorrente do valor da carga apreendida (cerca de 800 caixas de cigarro). Contudo, mostra-se desproporcional a fixação do valor da fiança em patamar tão elevado sem se atentar para a real capacidade econômica do paciente. […] 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, para reduzir o valor da fiança arbitrada ao paciente para o mínimo legal, ou seja, 10 salários mínimos, mantidas as demais medidas cautelares impostas pelo Juízo de primeiro grau, e sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares que se mostrarem necessárias, a critério do Juízo processante, mormente as constantes nos arts. 327 e 328 do Código de Processo Penal. (STJ – HC 356.612/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 09/05/2017)
2.6 Processo Nulo
O processo maculado de nulidade é inapto a conduzir uma solução juridicamente amparada, portanto gera constrangimento ilegal. É imperioso destacar que a nulidade necessita afetar o ato judicial prisional ou o prosseguimento do processo após a sua sanção, caso contrário poderá não ser cabível o HC (PACELLI; 2017; ebook).
Colacione-se, dessa forma, o art. 564 do CPP, o qual apresenta as causas de nulidade do processo penal:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;
II – por ilegitimidade de parte;
III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante; b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167; c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos; d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública; e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa; f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri; g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia; h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei; i) a presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do júri; j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade; k) os quesitos e as respectivas respostas; l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento; m) a sentença; n) o recurso de oficio, nos casos em que a lei o tenha estabelecido; o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso; p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o julgamento;
IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.
Parágrafo único. Ocorrerá ainda a nulidade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas.
Nesse sentido, caso ocorra alguma dessas hipóteses, o processo será nulo e qualquer restrição ao acusado será ilegal.
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO. DESCLASSIFICAÇÃO OPERADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. BENEFÍCIOS DA LEI N. 9.099/1995. NECESSIDADE DE PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. […] 2. Segundo entendimento desta Corte Superior, havendo a procedência parcial da acusação ou a desclassificação do delito para outro que se amolde aos requisitos determinados pelos arts. 76 e 89 e da Lei n. 9.099/1995, os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público para que se manifeste sobre a possibilidade de suspensão condicional do processo ou da transação penal. Inteligência da Súmula 337/STJ. 3. Operada a desclassificação em segundo grau, é nulo o acórdão condenatório proferido sem conferir ao órgão ministerial a oportunidade de se manifestar acerca da possibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo ao paciente. Precedentes. 4. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, mantida a desclassificação, anular o acórdão condenatório, a fim de que sejam os autos remetidos ao Ministério Público para análise da possibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo. (STJ – HC 382.372/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017)
2.7 Punibilidade Extinta
Em algumas situações da persecução penal, o Estado perde o direito de punir o agente, tornando incabível a manutenção da custódia. O art. 107 do Código Penal traz algumas das hipóteses de extinção da punibilidade, entretanto, é importante frisar que não se trate de um rol taxativo, havendo outros casos descritos na legislação penal extravagante.
Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:
I – pela morte do agente;
II – pela anistia, graça ou indulto;
III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV – pela prescrição, decadência ou perempção;
V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
Destaque-se que quando a punibilidade é declarada extinta, em regra, não há possibilidade de ocorrer o constrangimento ilegal, já que existiu alguma das causas de extinção da punibilidade ou a pena foi cumprida (TÁVORA; 2017; p. 1583).
Esse é, inclusive, o entendimento do STF em seu enunciado sumulado nº 695: “Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade”. Contudo ainda é possível ocorrer o constrangimento ilegal remediável pela via do Habeas Corpus se, por exemplo, o indivíduo permanecer preso mesmo após ter-se reconhecida a extinção de sua punibilidade. Nas palavras de Guilherme Nucci (2014; ebook) ao fazer tal ressalva quanto a súmula 695 do STF:
Entretanto, é possível haver constrangimento ilegal, ainda que essa hipótese tenha ocorrido, como poderia acontecer com a anistia ou abolitio criminis, mantendo-se na folha de antecedentes o registro da condenação não excluída como seria de se esperar.
Assim, poderia o interessado impetrar habeas corpus para o fim de apagar o registro constante na folha de antecedentes, que não deixa de ser um constrangimento ilegal. Pode-se ainda imaginar a impetração de habeas corpus para liberar pessoa que, embora com a punibilidade extinta, não tenha sido efetivamente solta pelo Estado, continuando no cárcere. Enfim, a simples extinção da pena privativa de liberdade não afasta completamente a possibilidade de interposição de habeas corpus.
Vejamos alguns julgados sobre o tema:
PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO SIMPLES. PEDIDO DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TESE PASSÍVEL DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO WRIT. BENS AVALIADOS NO TOTAL DE R$ 70, 70. VALOR INFERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. INEXPRESSIVA REPROVABILIDADE DA CONDUTA. RÉ PRIMÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. […] 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o bem subtraído, avaliado em R$ 70,70 (setenta reais e setenta centavos), é considerado ínfimo, por não alcançar 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos. 5. Incidência do princípio da insignificância devido à inexpressividade da lesão ao bem jurídico tutelado e por não se identificar, no caso concreto, situação de especial reprovabilidade da conduta. 6. Recurso em habeas corpus provido para reconhecer a incidência do princípio da insignificância e trancar a ação penal em relação à recorrente. (STJ – RHC 82.819/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. […] 3. Tendo em conta que a pena imposta ao paciente foi de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, tem-se que o prazo prescricional, no caso, é de 4 (quatro) anos, consoante o disposto no inciso V do artigo 109 do Código Penal. 4. No caso dos autos, transcorreram mais de 4 (quatro) anos desde o trânsito em julgado da sentença condenatória para o Ministério Público e o início do cumprimento da pena cominada ao réu. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente com base na prescrição da pretensão executória, observados os seus efeitos legais. (STJ – HC 387.638/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 17/05/2017)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Originado há cerca de oitocentos anos, o Habeas Corpus é um dos mais importantes institutos de um Estado Democrático de Direito. Por garantir a liberdade de locomoção e impedir constrições autoritárias, o remédio constitucional é de suma importância no processo penal brasileiro.
Presente no ordenamento jurídico desde 1831, ainda no Império, o HC está previsto tanto na Constituição de 1988 quanto no Código de Processo Penal de 1941. Nesse sentido, o legislador entendeu que haveria sete situações de flagrante ilegalidade onde o Habeas Corpus seria o instrumento viável para sanar a problemática: i) ausência de justa causa; ii) excesso de prazo; iii) incompetência do órgão que decretou a prisão; iv) fim do motivo que autorizou a coação; v) não for alguém admitido a prestar fiança; vi) processo nulo; vii) punibilidade extinta.
Ao longo desse artigo, buscou-se analisar cada um dessas sete hipóteses, trazendo suas definições e explicações sobre suas peculiaridades. Para tal, apresentou-se tanto a abordagem doutrinária quanto jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, entendeu-se corretamente quais são os casos de coação ilegal remediáveis pelo HC, quais os argumentos possíveis de serem utilizações e como o STJ tem entendido os casos que chegam ao julgamento da Corte da Cidadania.
4 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 jan. 2018. BRASIL. Decreto-lei nº 2848 de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 28 jan. 2018. BRASIL. Decreto-lei nº 3689, de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 28 jan. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 695, DJ. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=695.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 27 jan. 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 21. DJ. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num=%2721%27>. Acesso em: 27 jan. 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 52. DJ. Brasília, 1992. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num=%2752%27>. Acesso em: 27 jan. 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 64. DJ. Brasília, 1992. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num=%2764%27>. Acesso em: 27 jan. 2018. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual De Processo Penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. ed. SÃo Paulo: Atlas, 2017. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 10. ed. Salvador: Juspodvm, 2017. Imagem disponível: <http://www.jesocarneiro.com.br/artigos/o-habeas-corpus-e-modernizacao-da-justica.html>. Acesso em 03 de mai de 2018.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2017) e Pós-Graduado em Direito Público (2022). Advogado, Editor-chefe da Revista Direito Diário e Diretor Administrativo da Arg. - Consultoria em Argumentação, Oratória e Persuasão.

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Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
Veja mais: Direito Digital e LGPD: livros para ficar por dentro em 2024
Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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Artigos
A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações

Publicado
6 meses atrásem
1 de setembro de 2024
A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016;
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf> Acesso em: 10 abril. 2016;
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;
Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024

Publicado
6 meses atrásem
27 de agosto de 2024
A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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