Considerações acerca do princípio da insignificância e da (im)possibilidade de sua aplicação nos crimes de descaminho e contrabando

 

Em virtude de serem três os núcleos presentes neste texto, mostra-se interessante que seja feita inicialmente uma breve conceituação de cada um desses temas.

No que concerne ao princípio da insignificância, ou princípio da bagatela, Rogério Greco aduz que a aplicação do princípio da insignificância não poderá ocorrer em toda e qualquer infração penal. Contudo, existem tipos penais em que a radicalização (no sentido de não se aplicar o aludido princípio) conduziria a conclusões absurdas, havendo a punição, por intermédio do ramo mais violento do ordenamento jurídico (o Direito Penal), de condutas que não deviam merecer a atenção desta vertente jurídica devido à sua inexpressividade, razão pela qual são reconhecidas como de bagatela.

Com efeito, para que o alicerce conceitual do arguido princípio seja mais profundo, faz-se necessária ainda uma concisa explanação acerca da tipicidade penal, um dos requisitos para a caracterização do fato típico, sendo este, por sua vez, necessário para a configuração do crime.

Dando continuidade a esta toada, a tipicidade penal se divide em formal e conglobante, sendo necessária a presença de ambas para que haja tipicidade penal. No caso da primeira, é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo penal) previsto no Código Penal.

Por sua vez, a tipicidade conglobante abrange dois aspectos: a antinormatividade da conduta do agente e a tipicidade material do fato. É neste segundo aspecto que pode ocorrer a incidência do princípio aqui analisado, tendo em vista que a tipicidade material está intimamente ligada a ter havido um dano relevante a um bem juridicamente resguardado pelo Direito Penal.

Logo, faz-se mister observar que, por meio da aplicação do mencionado princípio, tende-se a simplesmente ignorar condutas que tenham pouco potencial ofensivo, ainda que se enquadrem como algum tipo penal, ou seja, possuam tipicidade formal.

Ademais, no Julgamento do HC – 118359/PR, a Ministra Carmen Lúcia asseverou que para aplicação do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e também aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

Por sua vez, no julgamento do HC – 116242/RR, o Ministro Luiz Fux afirmou que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Em suma, pode-se resumir toda a relação existente entre o princípio da insignificância e a inexistência de um crime devido à sua aplicação por meio do que expõe Rogério Greco:

Elaborando um raciocínio lógico, chegaríamos á seguinte conclusão: se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico; e, como consequência lógica, se não há o fato típico, não haverá crime.

No que tange à incidência do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho, deparamo-nos com situações bem distintas entre os delitos. Com o escopo de facilitar a percepção dos motivos que acarretam neste panorama, colha-se o que assevera a letra do Código Penal a respeito de ambos os tipos:

Descaminho

Art. 334.  Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

  • 1oIncorre na mesma pena quem:

I – pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

II – pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;

III – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

IV – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

  • 2oEquipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
  • 3oA pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

 

Contrabando

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.

  • 1oIncorre na mesma pena quem:

I – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;

III – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;

IV – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.

  • 2º – Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
  • 3oA pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Primeiramente, vale salientar que ambos os delitos estão localizados no título dos crimes contra a Administração Pública, mais precisamente no capítulo dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública em geral, o que termina por denotar um grande interesse público no combate de ambas as práticas.

Retornando à baila dissertada, temos que ocorre jurisprudencialmente a impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância sobre o crime de contrabando, haja vista que tal delito envolve o transporte de mercadorias proibidas. Logo, não haveria de se tolerar uma quantidade irrelevante, pois o transporte de qualquer quantidade de mercadoria proibida merece a reprimenda proporcional, com o fito de não estimular a aludida conduta.

Por sua vez, há um impasse jurisprudencial quanto à aplicação do princípio da insignificância no que diz respeito ao crime de descaminho. O STJ firmou entendimento asseverando que, caso o valor dos tributos que incidem sobre a mercadoria não ultrapasse o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), aplica-se o princípio da insignificância.

Quanto ao entendimento proferido pelo STF, tem-se que esta corte se mostra mais maleável, assegurando o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Tal distinção se dá devido ao fato do STF ter aderido à Portaria nº. 75 do Ministério da Fazenda, enquanto o STJ adotou posicionamento contrário, optando pela não utilização desta portaria quanto ao crime de descaminho.


Referências

 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral – Vol. I. Rio de Janeiro/RJ: Impetus, 2013. Pág. 68.

 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral – Vol. I. Rio de Janeiro/RJ: Impetus, 2013. Pág. 63.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral – Vol. I. Rio de Janeiro/RJ: Impetus, 2013. Pág. 63.

Disponível em http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24611801/habeas-corpus-hc-118359-pr-stf.

 Disponível em http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24161117/habeas-corpus-hc-116242-rr-stf.

 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral – Vol. I. Rio de Janeiro/RJ: Impetus, 2013. Pág. 64.

 Disponível em http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25012545/habeas-corpus-hc-118603-pr-stf e http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153309329/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1397289-pr-2013-0289784-5.

 Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153679517/recurso-especial-resp-1400392-pr-2013-0287147-3 e http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/177885366/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1460036-pr-2014-0141562-8.

9 Disponível em http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25224364/habeas-corpus-hc-122825-mt-stf e http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178768988/habeas-corpus-hc-126658-mg-minas-gerais-8621339-1320151000000.

10   Disponível em http://www.fazenda.gov.br/institucional/legislacao/2012/portaria75.

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