Considerações sobre o Art. 156, I CPP e o sistema acusatório

No Processo Penal, existem dois sistemas principais quanto a forma de julgamento: o inquisitivo e o acusatório. Segundo Nestor Távora[1], o primeiro sistema:

[…] é caracterizado pela inexistência de contraditório e ampla defesa, com concentração das funções de acusar, defender e julgar em uma figura única (juiz).

Já o sistema acusatório é caracterizado, segundo Norberto Avena[2], pela separação entre a função de acusação e a de julgamento, no qual as partes são as responsáveis por gerar as provas e não o juiz. Deve-se lembrar de que neste sistema, próprio das democracias, é assegurado o princípio da ampla defesa e do contraditório, observando-se as garantias constitucionais.

Feita estas considerações acerca de ambos os sistemas, podemos então começar a analisar o artigo com a devida propriedade.

O artigo 156, I do CPP diz[3]:

 Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

A conformidade ou não do art. 156, I CPP com o sistema acusatório é causa de intensos debates entre juristas, na qual ambas correntes apresentam forte fundamentação.

Os defensores da inconformidade do artigo com o sistema acusatório alegam que, quando o juiz pede a produção de provas, os princípios da imparcialidade do juiz e da presunção de inocência estão sendo feridos. Isto se deve ao fato de que permite ao magistrado assumir a figura de um inquisidor, de um investigador[4], característica do sistema inquisitivo[5].

A tarefa do juiz no sistema acusatório é apenas de julgar a lide de acordo com aquilo que lhe é apresentado e, caso ele não acredite que há provas suficientes para condenar o réu, ele deve absolvê-lo, seguindo a presunção de inocência[6]. As funções de investigador e de inquisidor são conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil[7].

Deve-se ainda lembrar a consideração de Tourinho Filho, quando afirma que no Brasil o sistema adotado não é o acusatório puro, é um sistema acusatório com mesclas de inquisitivo, citando este artigo como exemplo[8].

Em contraposição a este pensamento, os defensores da conformidade afirmam que o juiz no processo penal deve seguir o princípio da verdade real, logo ele não precisa se contentar com as provas apresentadas pelas partes[9].

Para Norberto Avena, devem ser usados métodos interpretativos deferentes da interpretação literal para adequá-lo ao sistema acusatório. Segundo o jurista[10], é preciso analisar cinco pressupostos no ato do juiz:

[…] existência de investigação em andamento; existência de expediente ou procedimento sob análise judicial; periculum in mora; fumus boni iuris; excepcionalidade da atuação judicial.

 Caso pelo menos uma destas condições for ausente, a prova solicitada pelo juiz é ilícita e fere o sistema acusatório[11]. Deve-se ressaltar que o próprio STJ já deu respaldo ao art. 156, I do CPP, visto a necessidade de apuração célere da prova e a condição psicológica de um dos envolvidos no crime[12].

Após toda esta breve análise, entende-se que o dispositivo em questão não afronta os princípios que regem o sistema acusatório, o que ocorre é um sopesamento de princípios.

Neste passo, concorda-se com a posição de Norberto Avena, em que se devem aplicar interpretações não literais à norma e o juiz deve seguir os cinco pressupostos listados. Na hipótese contrária, suas ações serão consideradas pertencentes ao sistema inquisitivo e, logo, inconstitucionais.

Referências:
[1] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
[2] AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Método Ltda, 2014.
[3] BRASIL. Decreto-lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro.
[4] SANDES, Iara Boldrini. O art. 156, I, do CPP permite ao juiz determinar a produção de provas de ofício, inclusive durante o inquérito policial. Essa regra fere o sistema acusatório? Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12070&revista_caderno=22>. Acesso em: 02 jan. 2016.
[5] TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 1. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[6] CORRÊA, Fabricio da Mata. O ART. 156, I, DO CPP PERMITE AO JUIZ DETERMINAR A PRODUÇÃO DE PROVAS DE OFÍCIO, INCLUSIVE DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. ESSA REGRA FERE O SISTEMA ACUSATÓRIO? Disponível em: <http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2012/06/o-art-156-i-do-cpp-permite-ao-juiz.html>. Acesso em: 02 jan. 2016.
[7] STF - ADI: 1570 DF , Data de Publicação: DJ 22-10-2004 PP-00004 EMENT VOL-02169-01 PP-00046 RDDP n. 24, 2005, p. 137-146 RTJ VOL-00192-03 PP-00838.
[8] TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 1. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[9]  ANDRÉ, Carlos. A produção de provas pelo juiz na persecução penal. Disponível em: <http://carlosamju.jusbrasil.com.br/artigos/112295603/a-producao-de-provas-pelo-juiz-na-persecucao-penal>. Acesso em: 02 jan. 2016.
[10] AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Método Ltda, 2014.
[11] Idem.
[12] STJ - RHC: 47525 DF 2014/0106874-8, Data de Publicação: DJe 22/08/2014.
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