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Falsas saídas para notícias falsas

Redação Direito Diário

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Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

Em 2017, o Dicionário Collins de língua inglesa elegeu “fake news” como a palavra do ano. O termo foi bastante popularizado no contexto da campanha de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e é frequentemente utilizado pelo hoje presidente para se referir a notícias críticas à sua gestão. No entanto, o termo possui um outro significado, ainda que bastante amplo e subjetivo: de acordo com o Dicionário Collins, trata-se de “false, often sensational, information disseminated under the guise of news reporting“. Muitas notícias que poderiam se encaixar nesse conceito foram compartilhadas em redes sociais durante a corrida eleitoral norte-americana – na maioria dos casos, em favor de Trump, como, por exemplo, uma notícia falsa que afirmava que o Papa Francisco havia declarado apoio ao candidato.

Ainda que o termo esteja na boca do povo – com artigos e mais artigos alertando para os cuidados que devemos tomar com elas – a definição específica do que pode ou não ser considerada uma notícia falsa ainda é algo bastante vago em determinados casos. É claro que é fácil identificar a falsidade de uma notícia que retrata um fato que conhecidamente não ocorreu – como o caso Papa/Trump – mas a identificação torna-se mais complicada quando a notícia exprime opiniões do autor, ou quando relata fatos de forma incompleta por falha na apuração. Exemplo deste último foi o anúncio de que o Presidente Michel Temer renunciaria ao cargo horas após a divulgação da delação premiada de Wesley e Joesley Batista, em maio de 2017 – o que, como se sabe, se provou uma inverdade. Não há uma definição concreta do termo, e isso torna-se problemático em sua identificação.

Este problema, inicialmente relacionado apenas à categorização de artigos, intensifica-se quando a definição passa a basilar uma regulação jurídica específica. E foi exatamente com o intuito de coibir a prática das fake news que a Comissão de Comunicação do Senado discutiu, nesta segunda feira (05/03), a elaboração de uma comissão específica para estudar e analisar projetos de lei que tratam do tema.

De acordo com a pauta oficial da reunião da Comissão Comunicação, a ideia era apresentar um anteprojeto de lei voltado ao combate às fake news. Durante a reunião, no entanto, tal texto não foi apresentado, e os membros afirmaram que não era o objetivo da Comissão a proposição de projetos de lei, apenas debater o assunto e analisar propostas já apresentadas ao Congresso. No entanto, um suposto texto do APL circulou nos dias anteriores à reunião e foi amplamente criticado pela comunidade jurídica, uma vez que poderia levar, em alguns casos, a um cerceamento da liberdade de expressão – principalmente por conta da vagueza conceitual do que ele pretendia regular e pelos direitos que parecia disposto a sacrificar em prol deste objetivo.

Frente à repercussão negativa, a assessoria da presidência do Senado divulgou a seguinte mensagem: “Ao Conselho de Comunicação Social foi pedida a realização de debates e estudos sobre o tema fake news em discurso de posse de todos os conselheiros pelo presidente da Casa, Senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). Ao Conselho de Comunicação Social jamais foi pedido que elaborasse projeto de lei que promovesse censura. É um absurdo até achar que isso possa ter ocorrido”.

Independentemente disso, caberá ao Legislativo, agora, discutir os textos dos projetos de lei já em tramitação. Dentre eles, estão o PLS 473/17, o PL 6812/17, o PL 7604/14 e o PL 9532/18.

O PLS 473/17, por exemplo, busca tipificar criminalmente a divulgação de notícias falsas. Os riscos começam na própria definição de “notícia falsa” escolhida pelo projeto, em seu Art. 1º: “notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante”. O conceito é excessivamente vago e abrangente para servir de tipificação de uma conduta criminal, ou mesmo de parâmetro para se identificar um ilícito civil, justamente porque esse exercício depende da consideração de um número de variáveis altamente subjetivas e de difícil determinação (intenção do autor, forma de veiculação e, especialmente, o “distorcer, alterar ou corromper a verdade”).

O PL 9532/18, por sua vez, busca alterar a legislação eleitoral de forma a incluir a produção e divulgação de fake news no rol dos crimes eleitorais. Este projeto vai ainda além e simplesmente nem estabelece uma definição para o termo: “Art.323-A. Participar nas tarefas de produção e divulgação de fake news, seja no formato de texto ou vídeo, com a finalidade de disseminar no whatsapp, facebook e/ou nas redes sociais notícias falsas em relação a partidos ou candidatos capazes de exercerem influência perante o eleitorado. Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa”. A possibilidade de violação à liberdade de expressão é ainda mais severa neste caso.

Por fim, o PL 7604/17 trata da responsabilização dos provedores de aplicação quando notícias falsas são divulgadas em suas plataformas – e o texto é também problemático:

Art. 1º Os provedores de conteúdo nas redes sociais serão responsáveis quando suas plataformas divulgarem informações falsas, ilegais ou prejudicialmente incompletas em detrimento de pessoa física ou jurídica, por qualquer meio, na rede mundial de computadores.

Parágrafo único. O descumprimento  do  disposto  no caput acarretará na aplicação de multa de R$50 milhões de reais por cada  evento às empresas  responsáveis  pela  sua  divulgação  que não  apagarem  em  até  24  horas  as  publicações  de  seus  usuários veiculadoras de notícias falsas,ilegais ou prejudicialmente incompletas.

De um lado, ainda resiste o problema da genericidade da definição de notícias falsas (o que seria uma “notícia prejudicialmente incompleta”?); de outro lado, o PL contraria os direitos consolidados na lei 12.956/14, o Marco Civil da Internet. Quando da elaboração do Marco Civil, lutou-se muito para restringir a obrigatoriedade de remoção de conteúdo de terceiros pelo provedor de aplicação a uma ordem judicial específica para tal, o que resultou no Art. 19 da lei. A medida foi estabelecida justamente para coibir possível cerceamento à liberdade de expressão por parte daqueles que solicitam a remoção de determinado conteúdo e o texto do PL 7604/17 simplesmente ignora aquilo que foi conquistado no Artigo 19.

Pode-se abrir, então, a possibilidade para que “donald trumps” possam solicitar a remoção de conteúdos que lhes desagradam, e essa insegurança jurídica incentivaria plataformas a removerem qualquer notícia remotamente passível de ser considerada como “falsa”, configurando uma clara ameaça à liberdade de expressão e ao direito à informação. Ademais, isso lhes daria poderes para definir o que deve ser considerado como “notícias falsas”, abrindo espaço para arbitrariedades, como a censura.

A coibição das notícias falsas pela via jurídica é algo extremamente complexo, e que deve ser conduzido com bastante cautela. A discussão que vem sendo conduzida no Legislativo, no presente momento, aponta para soluções erradas e possivelmente perigosas para o problema.

Enquanto o debate segue no Congresso, no entanto, é importante notar que há ações e atitudes para além do direito que podem auxiliar no cerceamento das notícias falsas. Leitores devem ficar atentos com as notícias que compartilham online, verificando fontes e buscando informação em portais e periódicos de qualidade. Do outro lado, é importante que jornalistas deixem o mais transparente possível aos leitores as fontes do que está sendo noticiado (quando não se tratar de casos que envolvam sigilo, é claro).

Neste meio tempo, seguiremos acompanhando o debate na Comissão de Comunicação do Senado. Estamos de olho.

Carlos Augusto Liguori Filho, coordenador de projetos do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP.
Victor Doering Xavier da Silveira, pesquisador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP

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1 Comment

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  1. Avatar

    evtc

    19 de março de 2018 at 22:36

    Excelente partilha! Muito obrigado

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Contratos de uso temporário de imóveis

Redação Direito Diário

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Atualmente, as plataformas digitais oferecem serviços de toda a natureza, facilitando a vida cotidiana. Por meio de aplicativos, é possível escolher, em detalhes, onde você gostaria de se hospedar na sua próxima viagem. Afora os benefícios para os viajantes, o uso temporário do imóvel é outro modo de obtenção de renda para os proprietários de imóveis. Essa modalidade surgiu nos idos de 2008, nos Estados Unidos, prometendo rapidez e segurança para viajantes e proprietários de imóveis. E esse é um ponto muito positivo para os usuários desse tipo de alojamento.

Entretanto, a natureza da contratação e a intensa rotatividade de hóspedes, em curto espaço de tempo, gera discussões sobre a relação entre hóspedes e os condomínios residenciais.  O trânsito extraordinário de pessoas não residentes dentro dos condomínios tem sido objeto de reclamação dos moradores porque os hóspedes, muitas vezes, não conhecem e não se sentem obrigados a cumprir as regras condominiais quanto ao uso do imóvel e horário de silêncio, por exemplo.

Segundo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a contratação de uso temporário de imóveis, via plataformas digitais, assemelha-se aos serviços de hotelaria, não aos de locação. Nesse sentido, a decisão do STJ foi no sentido de que o condomínio poderá convencionar, por meio de assembleia, a regulação ou a vedação dessa contratação temporária.

O tema está longe de se pacificado, pois, aparentemente, opõe a exploração econômica ao direito de propriedade e ao sentido constitucional de que a propriedade é protegida pelo ordenamento jurídico tão somente enquanto possuir uma função social. Nesses casos, me filio à segunda hipótese.

Mais informações: https://youtu.be/flsKs_3mS3M

Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

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andreavizzotto.adv.br

@andreavizzotto.adv

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A polêmica Portaria Ministerial 620

Redação Direito Diário

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A recente Portaria nº 620, de 01-11-2021, do Ministério do Trabalho e Previdência, chegou cheia de polêmicas. Isso porque normatizou, a nosso juízo de forma equivocada, entre outras, a proibição do empregador de exigir a carteira de vacinação dos empregados ou, então, de demiti-los por justa causa por não terem se vacinado.

A primeira pergunta que qualquer operador do Direito faria é a de saber a razão da edição dessa norma e a quem ela se dirige. E a quem ela se dirige mesmo? Ainda não encontramos qualquer razão jurídica para a proteção do interesse público a que a saúde coletiva se refere.

A portaria contém vários “considerandos” que funcionam como justificativas à edição da norma. Com o respeito devido, o elenco das justificativas não se ajusta ao objeto da normatização.

Ultrapassado esse ponto, o que se admite apenas para argumentar, o instrumento escolhido não se presta à normatização de relações de trabalho. A portaria não integra os instrumentos do processo legislativo previsto no artigo 59 da Constituição Federal. E nem poderia, porque a natureza das Portarias Ministeriais é a de ato administrativo regulatório interno. Por isso, sem efeitos externos, tampouco com eficácia de lei.

Não fossem esses argumentos básicos e insuperáveis, haveria, aqui, um aparente conflito de interesses da sociedade: de um lado o alegado direito à liberdade e, de outro, o direito à saúde coletiva. Ambas as garantias constitucionais devem ser compreendidas e compatibilizadas no seu real sentido.

O alegado direito à não vacinação – como derivado da liberdade – que fundamentaria o que a portaria define como prática discriminatória, não é absoluto. Portanto, não pode ser traduzido como a garantia ao indivíduo de fazer o que bem entender. O princípio da legalidade é o balizador da garantia à liberdade: ao cidadão é lícito fazer tudo aquilo que não foi objeto de proibição legal. Tampouco configura liberdade o atuar que poderá gear efeitos a terceiros.

Tal alegado direito à não vacinação contra a SARS-COV2 impõe ônus aos indivíduos. No caso concreto, resta preservado o direito à liberdade, mas sujeito às proibições sociais decorrentes da sua opção.

Do outro lado, há o direito universal à saúde, que engloba, por evidência, a política sanitária. Considerada a pandemia que assola o mundo, as medidas sanitárias que visam a minimizar, senão eliminar, a circulação do vírus. Com isso, protegerá a todos, vacinados e não vacinados.

Aliás, essa discussão é infértil, porque as vacinas são de prática obrigatória na maioria dos países, sem que isso viole o direito à liberdade. Esse, justamente por não ser absoluto, será sombreado sempre que o interesse público estiver presente, como é o caso. Ou seja, na ponderação dos direitos, prevalece – pela proteção a todos – a proteção à saúde.

Polêmica, a portaria parece ter vida curta, pois as Cortes Judiciárias, em outras situações, têm se posicionado em favor da vida.

Mais informações: https://www.youtube.com/watch?v=PnqlsS-xaFc

Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

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Todos os meses são cor de rosa

Redação Direito Diário

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O mês de outubro é rosa, mas todos os dias do ano devem ser também. O mês de outubro marca o período de conscientização para o diagnóstico precoce do câncer de mama.

As chances de cura de patologias malignas são grandes quando o diagnóstico é feito no estágio inicial. Os exames de rotina nos auxiliam nesse processo, já que a doença não escolhe gênero, idade, etnia, profissão, religião ou time de futebol. O câncer também não é somatização de mágoas, como alguns desinformados insistem em afirmar.

Receber o diagnóstico de câncer não é fácil. Também não precisa ser entendido como uma sentença de morte, até porque não é. Os inúmeros tratamentos existentes e em constante evolução, bem como as visitas aos médicos e realização de exames preventivos são as armas que temos para enfrentar a doença. Caso você esteja passando por este problema, procure se informar e se familiarizar com o mundo oncológico. É uma excelente forma de você tomar pé da situação e levar esse período temporário de forma mais leve e consciente.

A título ilustrativo, seguem algumas informações interessantes sobre o assunto.

É importante saber que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que institui o Estatuto da Pessoa com câncer que pretende otimizar o acesso aos tratamentos e medicamentos e demais direitos dos pacientes.

Atualmente, os pacientes com câncer, se empregados da atividade privada, possuem o direito ao saque do Fundo de Garantia e ao auxílio-doença, mediante apresentação de laudo médico. Todos os empregados possuem direito ao PIS/Pasep. Aqueles que recebem aposentadoria ou pensão possuem o direito à isenção de pagamento ao imposto de renda. Ainda com relação a impostos, em caso de deficiência ou invalidez, avaliada pelo órgão técnico e dependendo das legislações específicas, o paciente poderá requerer a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores-IPVA para a compra de veículos adaptados.

Nas situações previstas em lei, com cláusula específica em contrato habitacional, o paciente poderá buscar a quitação do financiamento do seu imóvel, financiado no Sistema Financeiro de Habitação.

Com relação ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde, importante referir a “Lei dos 60 dias”, que obriga a instituição oferecer ao paciente a primeira etapa do tratamento nesse prazo. Aliás, os tratamentos oferecidos pelo SUS são muito semelhantes àqueles fornecidos pelos planos de saúde, o que é um alento.

Caso seja derrubado o veto presidencial, logo os pacientes oncológicos, nas situações previstas em lei, poderão substituir a quimioterapia intravenosa por quimioterapia oral, segundo a indicação médica.

Mas a pergunta que resta é: como acessar esses direitos sociais? Na maioria dos hospitais há uma equipe multidisciplinar que poderá auxiliar os pacientes, não apenas no tratamento da doença, mas também na orientação sobre os direitos dos pacientes com câncer.

Outro aspecto importante é procurar junto às instituições hospitalares ou em organizações não governamentais orientação psicológica, grupos de apoio e atividades próprias para os pacientes. A autoestima dos pacientes com câncer, inseridos em grupos de apoio, faz toda a diferença. São poucas as instituições desta natureza, mas, caso esteja em Porto Alegre, não deixe de procurar a Casa Camaleão.

Faça o seu tratamento, siga as orientações de todos os seus médicos, leve sua vida normalmente de modo bem colorido, de janeiro a janeiro.

Mais informações: https://youtu.be/nZdw-RsvdHY

Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

www.andreavizzotto.adv.br/

[email protected]

@andreavizzotto.adv

 

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