Embora a Justiça Restaurativa esteja aplicada no país há mais de 10 (dez) anos, poucos Tribunais de Justiça (cinco) regulamentaram sobre o tema por meio de atos normativos (portarias e resoluções). De modo que, com o intuito de estimular a prática da Justiça Restaurativa no Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob a presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, aprovou no dia 31/05/2016, durante a 232ª Sessão Plenária, a resolução nº 225 contendo diretrizes para a implementação e difusão da Justiça Restaurativa. Esta resolução faz parte da minuta elaborada pelo Grupo de Trabalho, órgão criado pelo CNJ através da Portaria nº 74/2015.
O Grupo de Trabalho (GT) compõe-se de juízes auxiliares da Presidência do CNJ e magistrados de diferentes regiões brasileiras que utilizam da técnica da Justiça Restaurativa para a resolução dos conflitos que lhes são apresentados.
Atualmente, os Estados da Federação que desenvolvem esta atividade são: São Paulo, utiliza em escolas públicas e privadas; Rio Grande do Sul, nas medidas socioeducativas; Distrito Federal, utiliza em crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, bem como nos casos de violência doméstica; na Bahia e no Maranhão, fazem uso na solução de crimes de pequeno potencial ofensivo, sem a necessidade de prosseguir com o processo.
Sobre a definição do que vem a ser a técnica da Justiça Restaurativa recorremos aos ensinamentos do Juiz de Direito Asiel Henrique de Sousa, pioneiro na utilização deste método no país, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, vejamos:
Costumo dizer que Justiça Restaurativa é uma prática que está buscando conceito. Em linhas gerais poderíamos dizer que se trata de um processo colaborativo voltado para a resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Surgiu no exterior, na cultura anglo-saxâ. As primeiras experiências vieram do Canadá e da Nova Zelândia e ganharam relevância em várias partes do mundo. Aqui no Brasil ainda estamos em caráter experimental, mas já está em prática há dez anos. Na prática existem algumas metodologias voltadas para esse processo. A mediação vítima – ofensor consiste basicamente em colocá-los em um mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se busque ali acordo que implique a resolução de outras dimensões do problema que não apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais.
Neste sentido, o instituto da Justiça Restaurativa apresenta-se como um conjunto de técnicas utilizadas por um terceiro (mediador) para uma aproximação entre vítima e ofensor, buscando a resolução do conflito pela reparação dos danos causados sem a necessidade de uma decisão judicial e, consequentemente, alcançar a paz social de uma relação desgastada por um ato ilícito, reestabelecendo o “status quo” anterior ao ato/fato gerador do conflito.
Em que pese isso, a Resolução nº 225 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)-, foi publicada sob a égide do Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. De modo que-, a Lei processual civil do país consagrou de maneira equiparada os princípios e as garantias constitucionais dos cidadãos com as normas processuais, conforme exemplifica o Artigo 1º do CPC.
Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
Desta forma, ao elevar os direitos fundamentais previstos na Constituição da República ao mesmo patamar das normas dispostas no CPC, o legislador brasileiro assim o fez com a intenção de aperfeiçoar o Poder Judiciário e, assim, resolver os conflitos da vida civil por meio de uma decisão judicial que atente aos fins sociais e às exigências do direito tutelado apreciado, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana.
Através da solução integral do mérito, observando os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência, em prazo razoável de tempo o que significa uma prestação jurisdicional satisfativa sem provocar aborrecimento no jurisdicionado pelo excesso de formalidades ou pela morosidade de julgamento, nos termos dos Artigos 4º e 8º do Código de Processo Civil, equivalentes aos incisos III, do Artigo 1º, LV e LXXVIII, Artigo 5º, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Neste contexto, o legislador se inspirou nas legislações processualistas mais modernas existentes no mundo jurídico e, destas pesquisas, nos contemplou com o § 3º, do Artigo 3º, do Código de Processo Civil.
Art. 3º. […]
[…]
§ 3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Para assegurar o cumprimento desta norma, o legislador, nos Artigos 165 ao 175, do Código de Processo Civil, determinou aos Tribunais (Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores) a criação de centros e contratação de pessoal especialistas na realização de audiência de conciliação e mediação e no desenvolvimento de oficinas para a difusão destes métodos de resolução consensual de conflitos, a fim de orientar e estimular a autocomposição.
Todavia, o desejo do legislador na resolução dos conflitos consensuais por uma decisão satisfativa, célere e em tempo razoável, fez com que alterasse também os requisitos para a propositura da petição inicial pelo Autor, de modo que o Demandante precisa informar a opção pela realização ou não de audiência de conciliação ou mediação, previsão no Artigo 319, inciso VII, do CPC. Contudo, este pressuposto não é causa para o juiz determinar a emenda da inicial, conforme Artigo 321 do CPC, bem como o seu indeferimento ou a improcedência liminar do pedido, nos termos dos Artigos 330 e 332, ambos do CPC.
Entretanto, o silêncio, pela realização ou não de uma destas audiências, autoriza o magistrado a decidir de ofício na realização de uma, ambas ou nenhuma destas medidas de resolução de conflitos consensuais.
Após a sanção presidencial da Lei nº 13.105/2015, a qual instituiu o Novo Código de Processo Civil, no dia 26 de junho daquele ano uma outra Lei também entrou no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 13.140, cujo propósito é o incentivo da prática de mediação entre as pessoas de forma extrajudicial, no âmbito da Poder Judiciário e na esfera da Administração Pública.
Tendo em vista que o Novo CPC entraria em vigor após um ano da assinatura presidencial, período este conhecido por “vacatio legis” ou o período de vacância, tempo determinado por Lei (Artigo 1º Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro) para o aprimoramento e preparação da população e dos operadores do direito à nova norma que entrou no ordenamento jurídico pátrio. A fim de garantir a eficácia na aplicação das normas processuais vigentes.
Não obstante, a Lei de mediação passou a ser aplicada primeiro que o Novo CPC, exatamente para começar a nova ideia de resolução dos conflitos consensuais sem a intervenção das regras e procedimentos utilizados pelo magistrado para aplicação da norma ao caso concreto e, deste modo, evitar o prolongamento daquela relação que está desgastada, aborrecida e sem confiança, todavia, de um lado a existência de um vencedor e de outro um vencido.
A difusão de práticas e métodos de resolução de conflitos como a mediação e a Justiça Restaurativa são fundamentais para o crescimento de uma sociedade, no sentido de amadurecimento das relações interpessoais pelo entendimento e respeito ao cumprimento do ordenamento jurídico para a vida civil, resultando, enfim, na pacificação social.
Como forma de corroborar com este pensamento, o Novo CPC trouxe a possibilidade da realização de negócios jurídicos, ou seja, ajustes nos procedimentos feitos pelas partes, cuja finalidade é a redução dos desgastes que eventualmente uma ação provoca nas partes pelo excesso de formalidades, falta de pessoal para a realização de um ato, entre outros.
Tais ajustes, devem ser feitos por pessoas capazes e concordes com o que está sendo proposto e podem versar somente sobre direitos que permitem autocomposição. Contudo, as modificações realizadas são para os procedimentos atípicos, como: alteração do ônus da prova, poderes, faculdades e deveres processuais antes ou durante o processo. Dessa situação, o magistrado participará como fiscal do acordo celebrado para controlar e validar as convenções. Entretanto, recusará o proposto caso uma das partes estiver em manifesta situação de vulnerabilidade, nos termos do Artigo 190 e seu parágrafo único, do CPC.
Portanto, apesar das constantes queixas e reclamações por parte dos jurisdicionados e operadores do direito, sobre a falta de aplicação dos dispositivos legais mencionados e, deste modo, enfim começarmos a utilizarmos das técnicas e métodos da Justiça Restaurativa, bem como da mediação e outros meios para a resolução das demandas consensuais. Ainda levará algum tempo para os Tribunais adequarem e lançarem entendimento com base no Novo Código de Processo Civil. Tendo em vista ser este o primeiro ano de aplicação das normas processuais, e, por esse motivo, não é prudente o imediatismo das inovações trazidas pelo novo diploma legal.
Esse é o caso ainda para debates e reuniões entre membros do Poder Judiciário, estudiosos do direito e a sociedade para chegarem ao um bem comum que seja a satisfação de uma decisão judicial, célere, eficaz e em tempo razoável.
Referências: BRASIL. Código de Processo Civil Comparados 1973x2015. Editora Saraiva. São Paulo – SP. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça Restaurativa: o que é e como funciona. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona?htm. Acesso em 05 de julho de 2016. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Aprovada resolução para difundir a justiça restaurativa no Poder Judiciário. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82457-aprovada-resolucao-para-difundir-a-justica-restaurativa-no-poder-judiciariohtm. Acesso em 05 de julho de 2016.