Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar a aplicabilidade prática do procedimento de execução de alimentos diante da recente atualização da legislação processualista resultante do atual Código de Processo Civil. Algumas mudanças, ainda que poucas ocorreram, e há confusão por parte de alguns operadores do direito com determinados dispositivos do CPC vigente, como ocorre com a apresentação da contestação anterior à audiência, em virtude da celeridade que rege o procedimento. Para a elaboração deste trabalho, desenvolveu-se uma pesquisa do tipo bibliográfica, buscando argumentos em artigos científicos e obras escritas por autores renomados, de abordagem qualitativa, buscando compreender os diversos posicionamentos acerca da Lei de Alimentos e de sua manutenção na legislação processual moderna. Inicialmente, tratou-se acerca do fato do direito aos alimentos serem uma garantia constitucional e o porquê. Ademais, demonstrou-se o caráter urgente do direito a alimentos. Em seguida, explanou-se a sistemática processual aplicada a este procedimento. Por fim, tratou-se acerca da possibilidade de outras sanções efetivas que não a prisão.
Palavras-chave: Lei de Alimentos; Execução de Alimentos; Procedimento especial.
Introdução
A Lei de Alimentos permaneceu em vigor com o advento do Código de Processo Civil atual. Tal fato, criticado por alguns que consideram a Lei de 1962 ultrapassada, fez com que poucas atualizações ocorressem com relação ao procedimento especial da ação de alimentos.
Criada com o escopo de acelerar o procedimento, em razão de o mesmo visar o alcance dos alimentos, necessários à manutenção da vida digna, a Lei trouxe uma série de medidas que são intrínsecas ao procedimento alimentício. Todavia, alguns aspectos da lei são criticados pelos juristas brasileiros criticam, como a possibilidade de postulação sem advogado.
Inicialmente, tratou-se acerca do fato do direito aos alimentos serem uma garantia constitucional e o porquê. Ademais, demonstrou-se o caráter urgente do direito a alimentos. Em seguida, explanou-se a sistemática processual aplicada a este procedimento. Por fim, tratou-se acerca da possibilidade de outras sanções efetivas que não a prisão.
1 Garantia constitucional
O direito a alimentos é constitucionalmente garantido e tem passe no princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que se trata de obrigação para com parente cônjuge ou companheiro em suprir as necessidades daquele que não têm como se prover. Conforme o entendimento de Orlando Gomes (1999), alimentos:
São prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Têm por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência. Quanto ao conteúdo, os alimentos abrangem, assim, o indispensável ao sustento, vestuário, habitação, assistência médica, instrução e educação.
Em razão disso, o CPC determina, em seu art. 532, que o Ministério Público intervenha, caso seja observada a possibilidade do crime de abandono material, art. 244 do Código Penal.
Art. 532. Verificada a conduta procrastinatória do executado, o juiz deverá, se for o caso, dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material.
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.
A Lei 13.105 de 2015 não revogou a Lei de Alimentos – 5.478 de 1968. O credor poderá buscar a jurisdição para, tendo título executivo, promover execução pelo rito da prisão, sendo a única hipótese de execução mediante coação pessoal admitida pela Constituição Federal, vide art. 5º, inciso LXVII, CF, ou da expropriação.
2 Urgência
O caráter desse débito é tão urgente e importante para o Direito que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, intitulado de Pacto de San José da Costa Rica, determina que a única prisão por dívidas é a alimentar em seu art. 7º.
Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
Em fase de cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de interlocutória que fixe alimentos, o juiz mandará intimar o executado pessoalmente para realizar o pagamento do débito em até 3 (três) dias ou provar que já o fez ou que se encontra impossibilitado de fazê-lo, em conformidade com o art. 528, CPC.
Não sendo feita nenhuma das alternativas ofertadas ao devedor ou se a justificativa apresentada não for aceita, deverá o magistrado protestar o pronunciamento judicial e decretar a prisão, que será cumprida em regime fechado e separado dos presos comuns, que não eximirá o executado do pagamento das prestações já vencidas e vincendas, de acordo com o art. 528, § 1º e § 3º, CPC. O escopo da prisão é fazer com que o devedor pague o débito.
Somente poderá optar pela via da prisão na hipótese de estarem vencidas 3 (três) meses de prestação até o ajuizamento da execução. Será suspendida a ordem de prisão com o pagamento da prestação. Se houverem mais de 3 (três) meses/prestações vencidas, deverá o devedor buscar o rito da expropriação, indicando os bens a serem penhorados. Se em 3 (três) dias o executado não realizar o pagamento, o oficial de justiça irá proceder a penhora, dando preferência ao dinheiro.
Sendo o executado funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, poderá o exequente requerer o desconto em folha de pagamento da prestação devida, até que essa obrigação se encerre, conforme art. 912, CPC. A restrição de impenhorabilidade do salário, art. 833, inciso IV, CPC, não se aplica em dívida alimentar, §2º do mesmo artigo. O cumprimento de sentença deverá ser promovido nos mesmos autos da Ação de Alimentos.
3 Contestação anterior a autocomposição
Uma das inovações que o CPC de 2015 trouxe foi a inserção de audiência de conciliação ou mediação no procedimento processual. A contestação, assim, passou a iniciar a contagem de prazo após ocorrida essa audiência.
Todavia, o prazo para apresentação da contestação poderá ser iniciado do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, conforme o art. 335, inciso I, CPC quando ambas as partes manifestarem o desinteresse pela composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição, de acordo com o art. 334, § 4º, CPC.
Para que a contestação seja apresentada antes da audiência, ainda que essa ocorra, será na ação de alimentos. Conforme os princípios basilares do Direito, a lei especial sobrepõe-se a lei geral – lex specialis derogat generali, quando regular procedimentos específicos. Conforme o art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, a lei nova não revoga lei anterior, a menos que o faça expressamente, sejam incompatíveis ou venha a nova regular toda a matéria da anterior.
Desta forma, em conformidade com art. 5º, § 1º, da Lei de Alimentos – 5.078 de 1968. Uma vez que a ideia dessa lei é a celeridade do procedimento, em razão da urgência da matéria, e que a audiência nesse deve ser una, a apresentação da contestação antes da audiência permitiria ao magistrado avaliar os argumentos do autor e da defesa, podendo proferir sentença na mesma audiência, ainda que não haja composição consensual.
Art. 10 A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz marcará a sua continuação para o primeiro dia desimpedido, independentemente de novas intimações.
Acerca dessa hipótese, dispõe o CPC no art. 693, parágrafo único o seguinte:
A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo.
A Lei 13.105 de 2015 revogou os arts. 16, 17 e 18 da Lei de Alimentos, pois o primeiro e o ultimo se referiam a dispositivos do CPC de 1973 sobre procedimento executório.
4 Prisão civil por descumprimento de pensão alimentícia
Do não cumprimento da sentença pelo réu, o autor irá requerer a fase de cumprimento de sentença. Não paga custas, não precisa dos requisitos de inicial, pois é fase do mesmo processo e não um novo processo. Assim o cumprimento ocorrerá do descumprimento de títulos executivos judiciais e a execução de extrajudiciais.
A prisão civil por dívida alimentícia será cabível da vencidas 3 (três) meses de prestação até o ajuizamento da execução. No entendimento de Rafael Calmon, a prisão civil por descumprimento do dever de prestar alimentos viola a ideia de que a sanção punitiva de prisão seria a ultima ratio e que existem outras sanções que, sendo de natureza civil, podem ser eficazes.
Já existem julgados nesse sentido, aplicando como sanção a retenção de Carteira Nacional de Habilitação ou de passaporte de devedor que use muito esses documentos, ou mesmo o protesto, que faz com que o devedor fique inscrito como mal pagador.
Considerações finais
É possível observar que a ação de alimentos não ganhou novo procedimento e permaneceu com a legislação específica já existente. Um erro da parte dos legisladores não se utilizarem da atualização da legislação processual para esse tipo de ação.
Os institutos dos diferentes CPC’s não se confundem jamais, sendo o primeiro uma mera expectativa de direito, enquanto o atual se trata de reconhecimento, de fato, do mesmo. Todavia, o instituto anterior deu ensejo a diversas discussões, como vimos, entre os processualistas brasileiros, que ansiavam por um julgamento antecipado do mérito de questões incontroversas.
O legislador atendeu a pretensão dos processualistas brasileiros que nada mais desejavam solucionar a injustiça do reconhecimento tardio de pedidos incontroversas, em observância aos princípios processuais da eficiência jurisdicional e da economia processual. Para isso, os estudiosos do Direito Processual reformularam a clássica ideia de que a decisão que resolve o mérito deve ser única no processo, com fundamento no sistema processual italiano.
A sentença no direito processual brasileiro não deixa de ser única, todavia, sendo reformulado seu conceito teórico. A mesma é entendida atualmente como a decisão que encerra a fase cognitiva e não como a que trata sobre questões de mérito, como antes se entendia. Este novo entendimento abarcou a antiga pretensão de se antecipar o julgamento de obrigações já reconhecidas, que dispensam instrução probatória.
Conclui-se, assim, que, neste ponto, o atual Código de Processo Civil acertou em cheio a incluir o instituto de julgamento antecipado da lide, confirmando a intensão de trazer maior celeridade ao processo judicial, na medida em que respeita a economia processual, uma vez que se torna, a partir de então, mais vantajoso cumular pedidos em uma única ação do que ajuizar uma para cada pretensão, visando evitar a espera da sentença.
Referências DIAS, Maria Berenice. A Lei de Alimentos e o que sobrou dela com o novo CPC. In: Revista Consultor Jurídico, 18 set 2016. Disponível em: <https://goo.gl/Muv1RI>. Acessado em 13 mar 2017. DIAS, Maria Berenice. A cobrança dos alimentos no novo CPC. In: Migalhas, 13 nov 2015. Disponível em: <https://goo.gl/MBMegp>. Acessado em 13 mar 2017. GOMES, Orlando. Direito de Família. 11ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. Pág. 427. RANGEL, R. C.. Inovações e provocações a respeito do cumprimento da obrigação de prestar alimentos. In: Portal Processual. Disponível em: <https://goo.gl/XcYUCB>. Acessado em 8 abr. 2017.