Palavras-chave: Compliance. Programa de Compliance. Compliance Officer. Advogado.
Sumário: Introdução. 1. Compliance. 2. O Programa de Compliance. 3. Modelo Integrado do Compliance. 4. O Compliance Officer. 4.1. Advogado. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O presente artigo visa delinear as nuances de um profissional que cada vez mais vem ganhando espaço no cenário corporativo atual: o denominado Compliance Officer; porém, conectado à figura do advogado.
Valendo-se do resgate histórico do tema, resta evidente que as fraudes e escândalos verificados na seara empresarial permearam o surgimento de mecanismos de controle nas organizações. E isso se deu de maneira forçosa, vide, como exemplo, a lei anticorrupção nº 12.846/2013.
Nessa toada, emergiu o programa de compliance, apresentando-se como ferramenta de combate a essas distorções, posicionando-se no cerne da discussão de assuntos ligados à governança corporativa, a programas de integridade e a boas práticas empresariais.
- Compliance
O termo compliance remete ao vocábulo “conformidade”. Conformidade essa que está atrelada ao estrito cumprimento de normas internas e externas por parte das organizações e de seus colaboradores, objetivando, assim, assegurar a lisura e eficácia das operações, mitigar riscos e coibir desvios de condutas que destoam dos padrões de conformidade.
Concomitantemente, o compliance tem o condão de fomentar e propagar a cultura de integridade.
Para que se obtenha êxito no cumprimento dessa empreitada, faz-se necessário implementar um robusto programa de compliance, o qual deve ocupar uma posição chave dentro da estrutura organizacional da empresa, alinhando-se com seus diversos departamentos e contando, principalmente, com o suporte da alta administração (tone at the top), norteada pelos princípios da governança corporativa.
- O Programa de Compliance
Um programa de compliance deve ser segregado em quatro ciclos, perfazendo-se via: implantação, desenvolvimento, monitoramento e aperfeiçoamento. Se relacionada cada uma dessas etapas com seus correspondentes escopos, pode-se afirmar que a implantação equivale à adoção das boas práticas, ao desejo da alta direção e à prevenção dos riscos. Já o desenvolvimento, refere-se à disseminação do programa, gerando a cultura do compliance dentro da organização. O monitoramento busca detectar as inconformidades. Por fim, o aperfeiçoamento cobiça a melhoria contínua do programa.
Desse modo, são esquematizadas as vigas mestras ou os pilares do programa de compliance que lastreiam cada uma dessas fases. E, a fim de concretizar o efetivo funcionamento e integração dos seus componentes, mister se faz a presença do Compliance Officer – aqui tratado como responsável pelo programa -, agente incumbido dessa missão, sendo uma espécie de “arquiteto” do programa.
- Modelo Integrado do Compliance
Indubitavelmente, os pilares do programa de compliance devem ser harmônicos entre si, pois, vez ou outra, encontram-se interligados em suas atividades. Não é diferente em relação ao compliance e os demais departamentos de uma entidade, dotada de uma interação permanente.
Como arquétipo inicial, traz-se à tona o acrônimo GRC, compostos pelos termos Governance, Risk and Compliance, que reflete a integração das áreas de governança corporativa, gestão de riscos e compliance.
De igual magnitude, é essencial dentro da estrutura organizacional da empresa o entrosamento do compliance com os seguintes setores: controles internos, auditoria, jurídico, recursos humanos, departamento pessoal, financeiro, contabilidade, departamento de compras e vendas, marketing, comercial e tecnologia da informação.
E o agente principal desse elo, pelo lado do compliance, é o Compliance Officer, tornando-se o responsável pelo gerenciamento dessa integração.
- O Compliance Officer
Compliance Officer é o profissional responsável por implementar, desenvolver, disseminar, monitorar e aprimorar o programa de compliance.
Cabe a esse profissional se debruçar sobre as balizas que suportam sua operacionalização, tais como: aval e suporte da alta administração, código de ética e conduta, classificação e gerenciamento dos riscos, controles internos, treinamentos corporativos, comunicação e disseminação do programa, canal de denúncia, investigações, auditoria, monitoria e melhoria contínua.
Para isso, é imperioso fazer valer a máxima do termo, qual seja, cumprir e estar em conformidade com as normas internas e externas. De imediato, deve-se instaurar a cultura ética dentro da empresa, formalizando esse princípio através do código de ética e conduta. Passo seguinte, torna-se necessário disseminar a política de integridade. Essa comunicação ocorre via treinamento corporativo e, também, pelas atitudes e exemplos corroborados pela alta direção, trazendo a lume o tone at the top.
Contudo, como meta e, frisa-se, tão importante quanto, é a questão da mitigação e gerenciamento dos riscos, os quais devem ser identificados, classificados e monitorados.
Ademais, seguindo o cronograma dos pilares do programa, carece ser instalado o canal de denúncia, realizando-se a investigação correspondente, visando à apuração de fraudes e irregularidades.
Por fim, o Compliance Officer necessita monitorar o programa de compliance na busca da melhoria contínua.
Como vigilante desses riscos, especialmente na parte em que toca a obediência à legislação aplicável, é que Compliance Officer encontra guarida nos atributos do advogado. Isso porque, em razão da sua formação, tem relativa afinidade com o emaranhado da legislação, sobretudo, no exercício da interpretação.
4.1 Advogado
Em primeiro lugar, registra-se que a análise comparativa entre a posição de advogado e Compliance Officer está adstrita ao cumprimento das normas legais.
Deixa-se claro que os demais profissionais com formação alheia à jurídica, de igual maneira, são plenamente competentes para militar nessa profissão.
Como advogado, destaca-se aqui a necessidade do profissional possuir um vasto conhecimento do ordenamento jurídico, especialmente o que rege o mercado de atuação da organização. Dependendo do seu porte e ramo de atividade, requerer-se-á um conhecimento generalista do Direito. Não raras vezes, irá se deparar com assuntos jurídicos de natureza cível, trabalhista, tributária, ambiental, criminal, etc. Soma-se a isso a obrigação desse profissional em manter-se atualizado com relação as questões regulatórias.
No âmbito jurídico consultivo, o Compliance Officer tem a função de interpretar a legislação e direcionar sua aplicação à atividade empresarial, com o intuito de mitigar eventuais riscos. Essa interpretação, por vezes, é dúbia. Daí a importância do operador do Direito que, valendo-se das técnicas da hermenêutica jurídica, consegue aproximar-se da interpretação mais precisa ou, até mesmo, extrair o entendimento mais benéfico à organização.
A mesma técnica pode ser utilizada para questionar e interpretar os pareceres jurídicos e legal opinions emitidos.
Aqui, constata-se o verdadeiro sentido do legal compliance que, em outras palavras, traduz-se na conformidade da organização com o ordenamento jurídico, evitando que o seu não cumprimento resulte em um passivo contingente ou em uma provisão contábil, constituindo-se em uma despesa para a empresa.
Sob outra perspectiva, na esfera contenciosa, esse profissional é capaz de fazer uma leitura detida dos andamentos processuais em que a organização é parte, podendo, inclusive, discutir linhas de defesa ou teses com o jurídico. Adicionalmente, é apto para pesquisar e acompanhar a jurisprudência proferida pelos tribunais que podem repercutir nas demandas judicias da organização.
Em uma atuação estratégica, o Compliance Officer tem a missão de diagnosticar a natureza das contingências legais, buscar alternativas para mitigar os riscos legais e, consequentemente, reduzir as contingências. Feito esse levantamento, planos de ação e medidas de monitoramento devem ser alinhados junto às áreas de negócio, aos controles internos e à auditoria interna.
Frisa-se que, é de bom alvitre que o mesmo profissional, advogado e Compliance Officer, não acumule as duas funções dentro da organização. Isso pode gerar um possível conflito de interesses. O Compliance Officer, ainda que oriundo do ramo jurídico, na condição de responsável pelo programa, deve reportar-se exclusivamente à alta administração. Uma coisa é a facilidade que ambos gozam para interpretar as leis. Outra é a segregação de funções, mesmo porque o departamento jurídico também será alvo do programa de compliance.
Uma conduta considerada legal, às vezes, pode esbarrar nos princípios e normas internas da entidade.
Não obstante, o conhecimento exigido daquele que assume a condição de Compliance Officer vai mais adiante, pois, além do domínio amplo do Direito Corporativo, é mandatório que o operador do Direito tenha aptidões que se desdobrem para outros ramos, como: finanças, contabilidade, auditoria, controles internos, departamento pessoal, tecnologia da informação, etc. Por conseguinte, deve deter uma formação multidisciplinar com conhecimentos atrelados a essas matérias.
Arrematando, o Código de Compliance Corporativo do IBDEE (2017, p. 13), no § 2º do artigo 4º, dispõe que:
Parágrafo 2º – a qualificação de um profissional que exerça função de Compliance deverá incluir conhecimentos sobre:
- projetos, controles e processos internos;
- finanças corporativas, contabilidade e reporte;
- gerenciamento de riscos, auditoria e monitoramento;
- gestão de recursos humanos, planos de remuneração e de incentivo;
- legislação empresarial e de governança corporativa, leis de combate à corrupção e outras leis e normas aplicáveis às atividades da empresa a que estiver vinculado.
Como visto, ainda que o presente trabalho ressalte a aproximação do Compliance Officer com a função do advogado, essa profissão envolve uma série de habilidades que não se limitam a um único campo de conhecimento, restrito à esfera legal.
Em relação ao âmbito operacional, o Compliance Officer deve gozar de um profundo conhecimento sobre a operação e a estrutura da empresa, já que irá transitar por suas áreas, discutindo e traçando premissas, em um esforço conjunto na busca da mitigação dos riscos operacionais que repercutem no programa. Constantemente haverá uma interface com contadores, auditores internos e externos, administradores, analistas financeiros, etc.
Acrescentam-se a esses predicados os atributos de cunho pessoal, devendo o profissional portar as seguintes qualidades: ética, integridade, diplomacia, persuasão, paciência, resiliência, independência, autonomia, autoridade, habilidade de comunicação e relacionamento interpessoal.
Portanto, conclui-se que a profissão de Compliance Officer anseia por um profissional com múltiplos conhecimentos. Em se tratando de um profissional com formação jurídica, esse deve buscar ampliar seus conhecimentos, visando a atender a complexidade que a profissão de Compliance Officer exige e, assim, fazer com que o programa de compliance logre o mais repleto êxito.
Conclusão
Como visto, independentemente da sua formação profissional, o Compliance Officer ocupa um dos papéis mais importantes no cotidiano corporativo, sendo sua presença fundamental e indispensável para que a entidade atinja seus objetivos organizacionais, especialmente no tocante ao compliance.
Por fim, mais do que uma tendência, atualmente, o compliance é uma realidade. De maneira mais contundente, pode-se afirmar que é uma necessidade.
Em conclusão, as organizações que possuírem e aplicarem um efetivo programa de compliance, além de gerarem um benefício interno, serão vistas perante o mercado como uma empresa que preza pela utilização das melhores práticas, fortalecendo sua reputação. Como consectário lógico dentro do mercado competitivo, tendem a ganhar espaço frente aos seus concorrentes.
Referências Bibliográficas
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