O que é venda casada?

Quantas vezes você já foi ao cinema e, ao tentar entrar com alimentos que foram comprados em lojas diversas da lojinha de pipoca do cinema, você foi impedido de entrar? Ou quis colocar o carro no estacionamento de um restaurante e o atendente disse que, mesmo pagando o valor do estacionamento, você só poderia deixar seu carro lá se consumisse no restaurante? Espero que nenhuma, visto que essas práticas são proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Estes exemplos configuram a prática da “venda casada”, quando uma loja condiciona a sua prestação de serviço a outra prestação. Neste caso, o cliente deve estar claramente arcando com os custos de ambos, mas não pode adquiri-los separadamente sem nenhuma causa justa.

O Código de Defesa do Consumidor, em sua área de Práticas Abusivas caracteriza a venda casada como:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

 

Neste passo, já foram identificados vários casos deste ilícito em todo o Brasil. Vamos dar uma olhada nos casos mais comuns.

1 – Adquirir o seguro habitacional da mesma entidade que financia o imóvel ou por seguradora por ela indicada. Veja esta decisão do STJ (grifo nosso):

[…] tornou-se habitual que, na celebração do contrato de financiamento habitacional, as instituições financeiras imponham ao mutuário um seguro administrado por elas próprias ou por empresa pertencente ao seu grupo econômico […]. Ademais, tal procedimento caracteriza a denominada venda casada”, expressamente vedada pelo art. 39, I, do CDC, que condena qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições negociais desfavoráveis ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha. Recurso especial não conhecido. (STJ – REsp: 804202 MG 2005/0208075-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/08/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/09/2008)

2 – Comprar bens móveis vinculando-os a contratar títulos de seguros e cartão de crédito. Veja este caso do TJRJ:

[…] In casu, verifica-se a presença da chamada “venda casada”, na medida em que o autor não pretendia a contratação do seguro e cartão de crédito, mas apenas buscava adquirir bens móveis junto ao réu. 2. Não há dúvida que a conduta do réu se mostrou abusiva ao impor ao autor aquisição de produto indesejado, violando, portanto, o art. 39, inciso I do C.D.C.[…](TJ-RJ – APL: 00161615520118190209 RJ 0016161-55.2011.8.19.0209, Relator: JDS. DES. JOÃO BATISTA DAMASCENO, Data de Julgamento: 04/02/2015, VIGÉSIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 06/02/2015 00:00)

3 – Poder consumir em salas de cinema apenas alimentos que foram comprados nas lojas de entrada do estabelecimento. Confira este caso do STJ:

[…] A prática abusiva revela-se patente se a empresa cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos na suas dependências e interdita o adquirido alhures, engendrando por via oblíqua a cognominada ‘venda casada’, interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade comercial como, verbi gratia, os bares e restaurantes. […]. (STJ – REsp: 744602 RJ 2005/0067467-0, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 01/03/2007, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 15/03/2007 p. 264REPDJ 22/03/2007 p. 286RT vol. 862 p. 109)

Cabe aqui ainda uma observação: caso a empresa cinematográfica deseje, ela pode proibir o consumo de qualquer alimento em suas dependências não se configurando nenhum ilícito. A decisão se refere apenas aos casos em que a empresa proíbe a entrada de alimentos comprados em outros estabelecimentos.

4 – Vincular o pagamento a prazo de combustível em posto de gasolina a compra de refrigerante (ou outros produtos). O STJ já se posicionou sobre o fato:

[…]O Tribunal a quo manteve a concessão de segurança para anular auto de infração consubstanciado no art. 39, I, do CDC, ao fundamento de que a impetrante apenas vinculou o pagamento a prazo da gasolina por ela comercializada à aquisição de refrigerantes, o que não ocorreria se tivesse sido paga à vista. […] A dilação de prazo para pagamento, embora seja uma liberalidade do fornecedor assim como o é a própria colocação no comércio de determinado produto ou serviço, não o exime de observar normas legais que visam a coibir abusos que vieram a reboque da massificação dos contratos na sociedade de consumo e da vulnerabilidade do consumidor. […]. (STJ – REsp: 384284 RS 2001/0155359-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 20/08/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/12/2009)

5 – Vender conjuntamente (e sem a possibilidade de aquisição em separado) de brinde e lanche infantis. De acordo com o voto do Ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino – conflito de competência nº 112.137 – SP (2010/0089748-7):

“[…] julgado procedente o pedido formulado em face da ré Venbo, na ação que se processa na Justiça Federal, estaria esta proibida de comerciar lanches infantis com a oferta de brindes ou mesmo de vendê-los separadamente, e, julgada procedente a ação na Justiça Estadual, permitir-se-ia a ela comerciá-los, desde que separadamente.”

6 – Comprar casadamente a passagem aérea e a reserva do hotel (assim como quaisquer seguros vendidos) na mesma operadora de turismo tornar esta responsável solidária qualquer má prestação de serviço (ou não prestação) de serviço, de acordo com o STJ:

[…] O Tribunal de origem, analisando os fatos concluiu tratar-se de má prestação de um serviço, sendo a operadora de turismo, portanto,prestadora de serviço, como tal responde, independentemente de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. 2.- Acresce que o parágrafo único do art. 7º do Código consumerista adotou o princípio da solidariedade legal para a responsabilidade pela reparação dos danos causados ao consumidor, podendo, pois, ele escolher quem acionará. E, por tratar-se de solidariedade, caberá ao responsável solidário acionado, depois de reparar o dano, caso queira, voltar-se contra os demais responsáveis solidários para se ressarcir ou repartir os gastos, com base na relação de consumo existente entre eles. […] (STJ, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 17/04/2012, T3 – TERCEIRA TURMA)

7 – Cobrar valor de consumo mínimo multiplicado pelo número de unidade residentes em condomínio cujo consumo de água é medido por um único hidrômetro, de acordo com o STJ:

[…] nos casos em que o condomínio dispõe de um único hidrômetro, a concessionária não pode multiplicar o consumo mínimo pelo número de unidades autônomas, desprezando o consumo efetivo.[…] (STJ – AgRg no REsp: 1195561 RJ 2010/0096071-4, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 28/09/2010, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2011).

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