“Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume.”
William Shakespeare
Este texto tem por objetivo passar um pouco da minha prática contratual. Deixo claro desde logo que não é texto científico, mas um pouco de vivência que pode ser útil aos apaixonados pelo direito civil que querem saber um pouco mais de como é escrever um contrato.
Contrato é um termo polissêmico utilizado especialmente por juristas, mas praticado por todos os cidadãos que têm vida cotidiana. Muito se fala no instrumento de contrato, entendendo o contrato como aquele papel assinado. Na realidade, isso representa mera representação escrita do negócio jurídico contrato.
Contratos na realidade são atos jurídicos bilaterais, ou seja, são emanações de vontades entre pelo menos duas pessoas que buscam fixar direitos e obrigações (GONÇALVES, 2012). Ora, os contratos como atos jurídicos tem forma livre, em regra, só sendo justificável a imposição de forma diversa quando prescrito em lei, conforme deixa bem claro o art. 107 do código civil que prescreve que os atos jurídicos serão livres, salvo quando a lei exigir forma especial.
Então, caro leitor, quando se fala em prática contratual, na realidade está se falando em prática de como escrever um instrumento de contrato escrito. De fato, o contrato escrito é importante, e diria até fundamental, na ordem jurídica do indivíduo, pois ele tem uma finalidade maior que propriamente a de contratar, tem o condão de trazer segurança jurídica no contrato.
A situação, leitor, é que contratar é algo que traz direitos e obrigações, mas quando os contratos são verbais, quando os contratos são tácitos, sejam aqueles pelo costume de realizar daquela forma, é extremamente difícil perquirir sobre os termos contratados, sobre quais direitos e obrigações estão vinculados. Dessa forma, é recomendável para a garantia de segurança nos negócios que os direitos e as obrigações estejam escritas.
A forma escrita do contrato importa no bom uso da linguagem. Wittgenstein, filósofo que esteve tratando do problema da verdade, traz a ideia que os homens não conhecem a verdade porque não são capazes de compreender aquilo que o outro diz. Ora, se é difícil compreender o que o outro diz por falta de padronização dos conceitos, quiçá quando está se tratando de conceitos que importam em ônus financeiro.
Assim, os contratos costumam ter uma estrutura definida. A estrutura não é fixa, mas sugestiva. O que importa para que o contrato tenha boa estrutura é que ele siga um caminho lógico. O contrato deve estar redigido de uma forma que as pessoas que o leiam percebam o que deve se extrair dele de maneira direta. Portanto, a escrita do contrato deve ser clara, precisa e sem rodeios. Não convém figuras de linguagem, termos dúbios ou cláusulas que gerem confusão.
É comum se utilizar modelos de Internet para realização de seus contratos. De fato, os modelos podem ser úteis, mas é comum passar defeitos neles ou faltar adequação às necessidades dos contratantes. Por isso, saber fazer o contrato é o método que mais trará segurança.
Enfim, um contrato inicia, em regra, com a sua titulação. Você deve indicar se o contrato é de compra e venda, se o contrato é de prestação de serviços, se o contrato é de empreitada.
É muito comum existir confusão entre prestações de serviços e empreitadas. A empreitada é aquele contrato o qual se entrega uma obra, que o importante é o objeto entregue; já a prestação de serviços, o foco é a atividade da pessoa, o que importa é o trabalho. A confusão de dá, porque tem gente que interpreta obra como construção civil, quando na realidade obra é todo e qualquer bem criado pelo esforço do trabalho humano a ser entregue ao contratante. Por exemplo, contrata-se um fotografo para fazer um álbum de casamento. Ora, o que importa é o álbum de casamento, e não propriamente se ele está fotografando de cima, de lado, se está fotografando conforme as ordens ou não. Assim, o contrato no qual se requer o álbum de casamento é típico contrato de empreitada e não contrato de prestação de serviços, como comumente oferecido.
Também há de se tomar cuidado, pois não é incomum existirem contratos inominados. O contrato é dito nominado quando previsto diretamente na lei, por exemplo a compra e venda, a doação, a empreitada, a prestação de serviços etc. O contrato é inominado quando não há previsão legal, o que não importa em ilegalidade deste. Ocorre que a regra do Direito Civil é a da liberdade de negociação. Você pode tudo aquilo que não é proibido, dessa forma, você pode criar todo e qualquer contrato, independentemente de estar previsto em lei ou não.
Após o título, geralmente se estabelece a qualificação das partes. Há quem coloque isso como uma cláusula contratual. É desnecessário, mas fica ao gosto do escritor. Importa deixar a qualificação da maneira mais precisa o possível. É muito comum qualificar tão somente com nome, CPF (ou CNPJ, quando pessoa jurídica), RG e endereço. Ora, a ideia do contrato é garantir segurança e a facilidade de encontrar a pessoa depois. Dessa forma, pode-se estabelecer na qualificação logo itens que todo cidadão tem, como e-mail, telefone ou qualquer outro contato ou individualização da pessoa.
O e-mail é interessantíssimo na ordem atual, em razão do Novo Código Processual Civil. Na previsão da nova lei, de acordo com o art. 319, a petição inicial deverá conter o e-mail do autor e do réu. Percebendo que o contrato é feito para os momentos bons e ruins e que eventualmente pode se tornar um litígio, é razoável deixar desde logo o e-mail para que possa instruir uma petição inicial completa em um futuro processo judicial.
Tendo as partes qualificadas, alguns contratos abrem os considerandos. O considerandos são termos anteriores que não representam cláusulas de obrigações, mas que são relevantes para o entendimento do contrato. Por exemplo, coloca-se “considerando que a empresa A situa-se no exterior, mas que realiza atividades no Brasil por meio da pessoa B qualificada acima”. Tal disposição serviria por exemplo, para vincular o contrato ao contratante estrangeiro.
Em seguida, normalmente contém o objeto contratado. Deve-se descrever com a maior precisão possível o que será contratado, por exemplo, se for contrato de compra e venda, a coisa, a individualização dessa, a situação dela. O que importa no objeto é deixar claro que não haverá confusão entre o que de fato se deseja e o que está escrito. Portanto, a qualidade do que está se colocando é fundamental.
Quando há contraprestação pecuniária, ou seja, pagamento em dinheiro, é normal que se coloque em seguida do objeto. É algo natural: o objeto do contrato será aquele, o pagamento será a contraprestação pelo objeto. Se o contrato seguir de maneira normal, a pessoa prestará o objeto, a outra pagará o valor e todo o resto do contrato pode ser desnecessário.
Depois é bom colocar os direitos e deveres do contrato. Essa parte causa muitos problemas práticos. A situação é que é comum se fazer o contrato vinculado a uma parte, você faz o contrato para o seu cliente. Assim, gera-se contratos desiguais, com cláusulas leoninas.
É extremamente não recomendado fazer contratos parciais. Como já dito acima, contratos são atos bilaterais por natureza, de forma que se eles ficarem desiguais, desproporcionais, a probabilidade de necessitarem de revisão aumenta. Assim, se fizer um contrato com obrigações só para uma parte, ou com obrigações manifestamente desproporcionais, certamente este não trará segurança jurídica, pois será passível de revisão judicial futura. Um bom contrato é equilibrado, pois é feito para ser cumprido.
Após isso, costuma-se prever o inadimplemento, o descumprimento de obrigações. Portanto, deve-se estabelecer as consequências de não cumprir as obrigações contratadas, o que deve acontecer com quem deixa de cumprir as responsabilidades assumidas.
Uma estrutura normal prevê após o inadimplemento as causas de rescisão. Na realidade, a rescisão divide-se em distrato, resilição e resolução. O distrato é o contra contrato, ou seja, é quando as partes realizam um ato bilateral para cancelar os efeitos da primeira. Na realidade não é necessário escrever previsão para isso no contrato, mas por questão de segurança jurídica pode-se deixar.
A resilição é importante se prever. Resilir e desistir unilateralmente. A regra é que nos contratos por tempo determinado não cabe resilição unilateral, salvo disposição contratual expressa, e que nos contratos por tempo indeterminado cabe resilição unilateral expressa em razão da lei, conforme o art. 473 do código civil. É bom se estabelecer se as partes poderão encerrar o contrato a qualquer tempo ou não e que custos isso terá.
Por fim, a resolução é o término do contrato por descumprimento das obrigações. Deve ser previsto de maneira mais específica possível para evitar interpretações futuras dúbias, se o descumprimento da obrigação A ou B representa mero inadimplemento ou se é causa para encerramento do contrato.
Ao fim dos contratos costuma-se estabelecer disposições gerais, como foro de eleição, assinaturas, responsabilidade pelo sigilo de informações entre outras. Não há como se fazer um rol exaustivo para isso. Ainda há muitas pessoas que colocam esses termos em cláusulas a parte. Enfim, não há fórmula pronta, mas deve-se saber que esses itens existem. Mais que isso só a prática mesmo trará, pois dependerá da adequação do seu contrato à necessidade de seus clientes.
A conclusão do texto é que os instrumentos de contrato buscam trazer segurança jurídica. Não há caminho mágico ou fórmula pronta para fazer um bom contrato, nem é possível aprender tudo com a mera leitura das experiências alheias, mas sempre é possível ver dicas, entender situações e porque não melhorar os seus modelos contratuais para o futuro.
Referências: GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012.