SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da reestruturação da carreira militar e do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas. 2.1. Do Projeto de Lei nº 1.645, de 2019, à Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019. 2.2. Da manutenção e importância do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas. 2.3. Do futuro da Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019. 3. Considerações finais. 4. Referências bibliográficas.
RESUMO:
A atividade militar é de suma importância para a segurança do País, motivo pelo qual a proteção conferida aos militares diverge da ofertada aos servidores públicos civis e aos trabalhadores da iniciativa privada. Não obstante, ao longo dos anos diversas alterações foram introduzidas na legislação pátria no que tange a carreira militar e ao Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, sendo a mais recente imprimida em dezembro de 2019. Este estudo tem por objetivo contextualizar as principais mudanças imprimidas pela Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, destacando as críticas que já são tecidas à reestruturação da carreira militar. Para tanto, aborda-se os principais pontos do Projeto de Lei nº 1.645, de 2019, que culminou na aprovação da Lei Ordinária nº 13.954/2019, ressaltando os argumentos e justificativas dos autores da proposição legislativa. Apresenta-se um breve histórico do sistema de proteção dos militares, para assim compreender a importância de normas específicas a tutelar os militares das Forças Armadas. Averíguam-se as principais críticas à reestruturação da carreira militar e as possíveis discussões que serão travadas junto ao Governo Federal para sanar eventuais distorções. Resta evidente que o Estado busca, com a reestruturação da carreira militar, proporcionar não apenas a valorização da categoria, refletindo as premissas da Lei nº 13.954/2019 na legislação estadual que regulamentará, possivelmente, os militares estaduais e corpos de bombeiros militares, mas também uma reestruturação econômico-financeira, proporcionando maior sustentabilidade ao sistema.
Palavras-chave: Militares. Forças Armadas. Carreira. Reestruturação. Sistema de Proteção.
ABSTRACT:
Military activity is of paramount importance to the security of the country, which is why the protection afforded to the military differs from that offered to civil servants and private sector workers. However, over the years, several changes have been introduced in the national legislation regarding the military career and the Social Protection System of the Armed Forces Military Personnel, the most recent being printed in December 2019. This study aims to contextualize the main changes printed by Law No. 13.954, of December 16, 2019, highlighting the criticisms that are already made to the restructuring of the military career. To this end, the main points of Bill No. 1.645 of 2019 are addressed, which culminated in the approval of Ordinary Law No. 13.954 / 2019, highlighting the arguments and justifications of the authors of the legislative proposal. A brief historical foreshortening of the military’s protection system is presented, in order to understand the importance of specific rules to protect the military of the Armed Forces. The main criticisms of the restructuring of the military career and the possible discussions that will be held with the Federal Government to address possible distortions are investigated. It remains evident that the State seeks, with the restructuring of the military career, to provide not only the valorization of the category, reflecting the premises of Law nº 13.954 / 2019 in the state legislation that will possibly regulate the state military and military fire departments, but also an economic-financial restructuring, providing greater sustainability to the system.
Key words: Military. Armed forces. Career. Restructuring. Protection System.
1 INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, altera o Estatuto dos Militares e outros diplomas legais com vistas a reestruturação da carreira militar e dispor sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares, dentre outras providências. Trata-se de diploma legal em vigor há pouco tempo, sendo ainda escassos os estudos sobre seus reflexos e efetividade das alterações imprimidas.
O supracitado diploma legal tratou de diversas mudanças na carreira militar, a exemplo do tempo para que o militar alcance a inatividade, antes de 30 anos, e após a entrada em vigor da lei em comento subiu para 35 anos de atividade. Contudo, não foi estabelecida idade mínima para que o militar passe para a reserva recebendo remuneração, tendo a lei tratado, ainda, de regra de transição para aqueles que se encontram na ativa, que deverão cumprir um pedágio.
Outra questão alcançada pela Lei nº 13.954/2019 é o reajuste de alguns adicionais militares, que deverá ser anual até o ano de 2023, buscando a atualização dos valores, além de alcançar, quanto às contribuições previdenciárias, os pensionistas, até então isentos pela legislação.
Não se pretende, com este breve estudo, esgotar a análise de todas as alterações introduzidas pela Lei nº 13.954/2019. O que se busca, na verdade, é contextualizar as principais mudanças, destacando as críticas que já são tecidas à reestruturação da carreira militar.
Destarte, a pesquisa adota, como método de abordagem, o qualitativo e, como método de procedimento, o descritivo, pautando-se no levantamento bibliográfico, pois se busca na legislação, artigos e doutrina elementos para a compreensão do tema.
2 DA REESTRUTURAÇÃO DA CARREIRA MILITAR E DO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL DOS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS
2.1 Do Projeto de Lei nº 1.645, de 2019 à Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019
Anote-se que a Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, é fruto do Projeto de Lei nº 1.654, de 2019, de autoria do Ministro de Estado e Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e do Ministro de Estado da Economia, Paulo Roberto Nunes Guedes, apresentado à Câmara dos Deputados em março daquele ano.
O Projeto de Lei supracitado foi submetido ao Presidente da República em 20 de março de 2019, buscando, como expõem os seus autores, a reestruturação da carreira dos militares e o consequente aperfeiçoamento da legislação aplicável aos militares das Forças Armadas (BRASIL, 2019a).
Extrai-se, ainda, da justificativa do Projeto de Lei nº 1.654, de 2019, que a proposição legislativa levou em consideração a evolução da Política de Pessoal Militar e também a conjuntura política e econômica, já que os diplomas legais que regulamentavam a carreira militar se encontravam desatualizadas, já que editadas em um momento histórico consideravelmente distinto do atual (BRASIL, 2019a).
Da análise da justificativa observa-se, de plano, os pontos alcançados pela alteração legislativa, como o tempo para que o militar passe à inatividade remunerada que, como já apontado alhures, deixou de ser de 30 anos para se exigir 35 anos de atividade militar, proporcionando, a um só tempo, que os militares das Forças Armadas “[…] se amolde à realidade socioeconômica do País e contribua para o êxito das medidas de ajuste econômico em curso” (BRASIL, 2019a).
Considerando a elevação do prazo para que o militar alcance a inatividade remunerada, o Projeto de Lei em comento propôs também ajuste das idades para transferência à reserva remunerada, vista pelos autores da proposição legislativa como instrumento para regulamentar o fluxo de carreira imprescindível à renovação dos quadros de oficiais e praças, sem ignorar a necessidade de adequação das idades limites para permanência na reserva e consequente aplicação das reformas que foram propostas (BRASIL, 2019a).
Outra preocupação dos autores do Projeto de Lei foi o estabelecimento de um prazo mínimo de exercício na atividade militar, no âmbito das Forças Armadas. Tal medida visa assegurar o retorno do investimento do Estado na capacitação dos militares, principalmente porque a carreira exige constante aperfeiçoamento (BRASIL, 2019a). Logo, os investimentos do Estado são constantes e, por conseguinte, devem ser resguardados.
Para justificar tal mudança os autores do Projeto de Lei destacam que quando veio a lume a Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980 – Estatuto dos Militares, o efetivo de oficiais e praças temporários no âmbito das Forças Armadas era pequeno, ou seja, os impactos na Administração Pública também não eram relevantes para o Estado. Porém, na atualidade, é evidente a preocupação das Forças Armadas em reduzir o número de militares de carreira e, consequentemente, o aumento de militares temporários (BRASIL, 2019a). Tal prática, portanto, justifica alterações na disciplina destes militares, haja vista os gastos que o Estado tem para formação e capacitação.
Outro ponto importante, já apresentado pelos autores do Projeto de Lei, diz respeito à definição de um Sistema de Proteção Social dos Militares da Forças Armadas. Este Sistema nada mais é que um “conjunto de ações, direitos e serviços que visam amparar e assegurar a dignidade dos militares e seus dependentes” (BRASIL, 2019a). Por isso, já em sua justificativa o Projeto de Lei ressalta que não se pode confundir o Sistema de Proteção Social com o Regime de Previdência Social, dadas as suas peculiaridades.
Também houve a preocupação, por parte dos autores do Projeto de Lei em comento, em estabelecer instrumentos voltados ao gerenciamento de riscos e a minimização de eventuais fraudes na reforma dos militares, seja temporários, seja de carreira. Trata-se de convocações para revisão das condições que ensejaram a reforma, o que exige uma reestruturação da gestão federal, mas que, segundo os Ministros da Defesa e Economia, são ferramentas capazes de “mitigar eventuais desvios e má destinação dos recursos” (BRASIL, 2019a).
Além de alterar o Estatuto dos Militares, como já apontado alhures, o Projeto de Lei também propôs a alteração da Lei nº 3.765, de 04 de maio de 1960. Tal diploma legal dispõe sobre as Pensões Militares. As alterações, neste ponto, objetivam universalizar a contribuição para o custeio da pensão. Por isso, propôs a inserção dos pensionistas no financiamento, além da adequação de alíquotas e definição de encargos de natureza assistencial – médico-hospitalar e social, que são prestadas, como sabido, aos dependentes do militar falecido (BRASIL, 2019a). Mais uma vez se percebe a preocupação com os custos, para o Estado, da manutenção não apenas dos militares da reserva, mas também dos dependentes.
Segundo o Projeto de Lei, as alíquotas de contribuição dos ativos e inativos, para o pagamento de pensões militares, passará de 7,5 % para 10,5%; e os pensionistas passarão a recolher, a partir do ano de 2021, pelo menos 10,5%, sendo que a alíquota chegará a 13% em se tratando de filhas pensionistas vitalícias não inválidas (BRASIL, 2019b). Vale lembrar que até a aprovação da Lei nº 13.954/2019 os pensionistas eram isentos de qualquer contribuição previdenciária.
Outro diploma alcançado pela proposição legislativa em comento é a Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964, que dispõe sobre o serviço militar. Neste ponto as alterações propostas são para definir requisitos para o ingresso de voluntários no âmbito do serviço militar, em qualquer época do ano, buscando tornar mais seguro o processo de substituição dos militares temporários no âmbito das Forças Armadas (BRASIL, 2019a).
Além dos diplomas legais acima citados, o Projeto de Lei também propôs alteração na Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, que dispõe sobre a promoção dos oficiais da ativa das Forças Armadas (BRASIL, 2019a). Neste contexto, a priorização de critérios pautados no mérito são apresentados pelos autores da proposição legislativa.
Ainda, ressaltam os Ministros da Defesa e da Economia que para a valorização dos militares é imperiosa a reformulação do adicional de habilitação, adequação de ajudas de custo e estabelecimento de um adicional para a disponibilidade militar, estabelecendo uma verdadeira política pública do Estado para os militares das Forças Armadas (BRASIL, 2019a).
Sobre o adicional de disponibilidade militar, o Relatório de Acompanhamento Fiscal (2019) esclarece:
O adicional de disponibilidade consiste na parcela remuneratória mensal devida ao militar, inerente à disponibilidade permanente e à dedicação exclusiva, nos termos estabelecidos em regulamento. O adicional passa a valer em 2020 e equivale a um percentual incidente sobre o soldo. Esse percentual é crescente conforme os postos ou graduações da hierarquia militar, podendo variar de 5% a 41%.
Outro ponto levado em consideração pelos autores do Projeto de Lei é a interpretação dúbia de dispositivos da Medida Provisória 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, que tratou da reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas de forma parcial, confusa, causando insegurança jurídica (BRASIL, 2019a). Logo, reformular dispositivos alterados pela citada Medida Provisória é uma forma de sanar a insegurança causada pela atividade legislativa.
O Projeto de Lei não poderia deixar de tratar das regras de transição. Assim, propôs que os militares que já possuíam 30 (trinta) anos ou mais de serviço, na data da edição da lei, mantivessem seus direitos assegurados pela legislação até então vigente, consagrando o direito adquirido. Porém, aqueles que contam com menos de 30 (trinta) anos de serviços deverão cumprir um pedágio para alcançar a inatividade remunerada, qual seja, 17% por cada ano remanescente (BRASIL, 2019a).
Assim, por exemplo, um militar que tenha dezoito anos de serviço ativo quando da aprovação da proposta terá que cumprir o tempo mínimo de 32 anos de atividade para inativação voluntária: 18 anos (tempo em atividade), mais 12 anos (tempo faltante para completar 30 anos), mais dois anos (pedágio de 17%) (RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO FISCAL, 2019).
Vale destacar que as regras de transição para os militares das Forças Armadas é mais branda que a proposta pela Emenda Constitucional nº 06/2019. Mais uma vez, como enfatiza o Relatório de Acompanhamento Fiscal (2019), a disciplina e reestruturação da carreira militar, no âmbito das Forças Armadas, foi menos invasiva que a ocorrida para os servidores públicos civis e trabalhadores da iniciativa privada:
Na PEC nº 6, de 2019, é definida uma regra de transição para os segurados do regime geral. Neste caso, porém, o benefício é concedido apenas a quem tiver pelo menos 33 anos de contribuição se homem e 28 anos se mulher, na data da promulgação da PEC. Estando nessa situação, devem cumprir o pedágio de 50% do tempo que falta para completar os 35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher. A regra de transição dos militares, como visto, alcança todos os que estiverem na ativa na publicação da nova regra e, portanto, resulta em pedágio menor (17%) (RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO FISCAL, 2019).
Buscando efetivamente reestruturar a carreira militar, o Projeto de Lei estabeleceu que tanto os militares ativos como os inativos, de carreira ou temporários, assim como dependentes e pensionistas, sejam alcançados pelas mudanças (BRASIL, 2019a).
Os Ministros, autores do Projeto de Lei, não ignoraram o impacto orçamentário, destacando que para o ano de 2019 não haveria despesa. Contudo, para o ano de 2020 estimaram o montante de R$ 4,73 bilhões; para 2021, R$ 2,33 bilhões; e, por fim, para 2022, R$ 2.31 bilhões (BRASIL, 2019a). Tais gastos foram previstos para o Sistema de Proteção dos Militares das Forças Armadas e também para a reestruturação da carreira.
Sobre a economia, o Governo Federal acredita que as regras propostas pelo Projeto de Lei nº 1.654, de 2019, além de proporcionar R$ 2,29 bilhões de superávit para a União, também espelharão as mudanças no âmbito das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros dos Estados-Membros e Distrito Federal (BRASIL, 2019b).
Por último, mas não menos importante, os autores do Projeto de Lei ressaltaram que a proposição legislativa é de grande relevância social, haja vista a dedicação exclusiva e a disponibilidade permanente do militar, sendo mister buscar medidas para a reestruturação e valorização da carreira, o que contribuirá para estimular a permanência no serviço militar, de profissionais qualificados (BRASIL, 2019a).
Uma análise da tramitação do Projeto de Lei nº 1.654, de 2019, evidencia a sua rápida tramitação. Como dito, foi apresentado em 20 de março de 2019, tramitou sob regime de prioridade, observando o art. 151, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e foi sancionado em 16 de dezembro de 2019, após aprovação em Plenário do Senado no dia 04 daquele mesmo mês.
Por fim, cumpre registrar que foram estabelecidos acordos no Senado Federal para aprovar o Projeto de Lei sem alterações, objetivando o não retorno da matéria à Câmara dos Deputados e, por conseguinte, a aprovação ainda no curso do ano de 2019. Logo, uma comissão fornada pelo Ministro-Chefe da Secretaria do Governo, General Luiz Eduardo Ramos, representantes do Ministério da Defesa, Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Parlamentares, dentre outros, se comprometeram a discutir, a partir do retorno das atividades legislativas no ano de 2020, eventuais distorções, como se verá oportunamente.
2.2 Da manutenção e importância do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas
Parte da sociedade criticou, no curso da tramitação do Projeto de Lei que culminou na aprovação da Lei nº 13.954/2019, a preservação, no âmbito das Forças Armadas, do Sistema de Proteção dos Militares, haja vista a compreensão errônea de tratar-se de um favorecimento de determinada categoria em detrimento de toda a sociedade. Tal argumento, como enfatiza o Centro de Comunicação Social da Marinha (2020), é comumente difundido pela mídia, que trabalha a problemática de forma bastante superficial.
Há de se ressaltar que o sistema de proteção dos militares surgiu como uma forma de diferenciar a categoria dos servidores públicos civis e dos trabalhadores da iniciativa privada. Aqueles são regidos, em sua grande maioria, por Regimes Próprios de Previdência, enquanto os trabalhadores da iniciativa privada são tutelados pelo Regime Geral de Previdência Social. Já os militares, como leciona Azevedo (2019, p. 15), estão sujeitos a um Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA), “que desconsideram as peculiaridades relacionadas não apenas às características estruturais do sistema, como também no que diz respeito à diversidade evolutiva de cada regime/sistema”.
Segundo Lopes (2018, p. 41),
O SPSMFA, regime constitucional, que abrange a remuneração, a saúde e a assistência social tem por base o reconhecimento da sociedade brasileira para com as Forças Armadas, diante das limitações que são impostas aos seus integrantes, que também sofrem supressão de direitos e garantias comuns aos demais cidadãos brasileiros, propiciando, assim, as condições para o pleno exercício da carreira militar e o bom cumprimento da sua destinação constitucional.
De fato, como enfatiza Goés (2014, p. 725), “os militares não estão sujeitos, a não ser de forma subsidiária, às regras de passagem para a inatividade destinadas aos servidores civis”.
Anote-se, ainda, que embora a proteção social dos militares se confunda, do ponto de vista histórico, com o surgimento da tutela dos direitos dos servidores públicos civis, remetendo à ideia de um seguro social, desde o seu nascedouro apresenta características peculiares, que por sua vez se deve às peculiaridades da atividade exercida pelo militar das Forças Armadas. Por isso Azevedo (2019, p. 16) leciona que os Estados se viram compelidos a oferecer uma proteção especial aos militares, remetendo a República Romana, que se preocupou em estabelecer “proteção social àqueles que arriscavam a vida em prol da manutenção e, principalmente, da expansão dos domínios territoriais”.
Na contemporaneidade a instituição de medidas voltadas à proteção específica dos militares é sentida com a emergência do Estado do Bem Estar Social, quando políticas de proteção aos trabalhadores ganharam relevo, embora tenha se expandido, no mundo ocidental, a partir do século XVIII. Por exemplo, nos Estados Unidos da América foram estabelecidas pensões aos militares no ano de 1776, logo após a declaração da independência, embora as colônias britânicas já tutelassem a concessão de pensões aos seus soldados desde 1636 (AZEVEDO, 2019, p. 18).
Azevedo (2019, p. 19) chama a atenção, ainda, para o fato de que muitos países conferiram tutela protetiva aos militares antes de fazê-lo a outras categorias, a exemplo da França, que reconheceu três séculos antes a proteção aos militares se comparados aos demais trabalhadores, que tiveram seus direitos reconhecidos, no que tange a proteção social, de forma efetiva, apenas a partir da primeira metade do século XIX.
No Brasil, a proteção social conferida aos trabalhadores, de forma geral, ganhou força a partir do Governo Vargas, na década de 1930, quando se estabeleceu uma estrutura mais abrangente a todo o sistema previdenciário no País. Contudo, a proteção aos militares remete ainda ao século XVIII, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal e foi editado o Alvará de 16 de dezembro de 1790, que tratava, em apertada síntese, da reestruturação remuneratória do Exército de Portugal e de benefícios derivados da reforma, aproximando do que se tutela quanto à inatividade remunerada na atualidade (AZEVEDO, 2019, p. 20).
Ainda no século XVIII, mais precisamente em 1895, foi editada norma para a proteção dos familiares dos militares, por meio do Alvará que instituiu o Plano de Montepio Militar dos Oficiais do Corpo da Marinha, legislação que, segundo Azevedo (2019, p. 22), antecedeu a atual Pensão Militar.
De acordo com Lopes (2018, p. 42-43), com origem na legislação portuguesa, a proteção dos militares foi regulamentada gradativamente no Brasil, sempre de forma separada do regime previdenciário dos demais trabalhadores, seguindo a tendência internacional e observando as peculiaridades da atividade exercida pelo militar, estando o Sistema de Proteção dos Militares das Forças Armadas regulamentado em diversos diplomas legais, alguns anteriores à Constituição Federal de 1988, mas que foram por ela recepcionados.
Desde então, vários foram os diplomas legais editados para tratar da proteção social aos militares. E embora tenha evoluído sobremaneira com o passar dos tempos, a preocupação estatal em assegurar direitos e proteção aos militares é sentida ainda na atualidade, com a manutenção de um Sistema de Proteção próprio e específico.
Em defesa da manutenção do Sistema em comento, o Centro de Comunicação Social da Marinha (2020) destacou que há uma preocupação em proporcionar segurança ao País, já que os militares, ao contrário de outras classes, não são amparados pelos direitos trabalhistas e remuneratórios que alcançam grande parte da sociedade.
Azevedo (2019, p. 14) enfatiza que o Brasil segue a tendência mundial de estabelecer regramento próprio para a transferência de militares à inatividade remunerada e também para a concessão de benefícios decorrentes da inatividade, ou seja, há um regramento que se afasta daquele aplicável aos trabalhadores de outras categorias profissionais.
Destarte, é de suma importância que o militar e sua família estejam efetivamente protegidos legal e socialmente.
2.3 Do futuro da Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019
Como apontado anteriormente, a Lei nº 13.954 foi publicada em 17 de dezembro de 2019. Logo, está em vigor a pouco tempo, sendo ainda incipientes os comentários, análises e debates sobre o tema. Contudo, não se pode negar que alguns pontos alterados pelo diploma legal são objeto de controversas e críticas, a exemplo do adicional de habilitação a ser incorporado ao soldo. Tal adicional visa beneficiar os militares com maior número de cursos em seus currículos (VASCONCELLOS, 2020).
Segundo Vasconcellos (2020), o adicional é objeto de críticas de representantes de associação de graduados (soldados, cabos, sargentos e suboficiais) da reserva das Forças Armadas. Por isso a associação pretende apresentar proposta legislativa para corrigir o que chamam de distorções na reestruturação da carreira e reforma do sistema de proteção.
Não é demais ressaltar que ainda no curso da tramitação do Projeto de Lei nº 1.645, de 2019, restou estabelecido que questões pontuais seriam discutidas a partir de fevereiro de 2020, para sanar eventuais distorções na reestruturação da carreira militar, principalmente porque a matéria foi aprovada no Senado sem alterações, considerando o texto aprovado na Câmara dos Deputados, e sancionada pelo Presidente da República sem qualquer veto.
A criação da comissão, que também contará com parlamentares, foi negociada por Izalci diretamente com o presidente Bolsonaro no início de dezembro de 2019. Na época, o Senado analisava o projeto de reestruturação (PL 1.645/2019), sofrendo pressão de associações de militares de baixas patentes — sargentos, cabos e soldados — que reclamavam que a proposta beneficia as cúpulas da carreira militar, negligenciando as patentes mais baixas (BRASIL, 2020).
Um dos pontos a ser debatido, como dito acima, é o adicional de habilitação, que incorpora o soldo, beneficiando os militares com maior número de cursos em seus currículos. Vasconcellos (2020) ressalta que os críticos apontam que tal adicional beneficiária os ocupantes de postos a aspirante a oficial a general, já que tendem a ter um maior número de curso do que os graduados. E afirmam, ainda, que os militares que foram para a reserva entre os anos de 2001 e 2019 serão bastante prejudicados, já que a Medida Provisória 2215-10, de 2001, excluiu direitos como o anuênio e a garantia de passar à inatividade remunerada em um posto superior na hierarquia.
De fato, a supracitada Medida Provisória sempre foi muito criticada, pois imprimiu uma reforma apenas na seara militar, conduzindo a uma defasagem. Logo, a reestruturação aprovada no Senado, no final de 2019, tende a corrigir as distorções de outrora.
Além do adicional de habilitação, a associação também critica a instituição de contribuição previdenciária para os pensionistas dos militares. O principal argumento, ainda segundo Vasconcellos (2020), é a perda financeira em um momento da vida cujos gastos tendem a se elevar com a saúde, por exemplo. Logo, os pensionistas de níveis inferiores terão os vencimentos comprometidos com a inserção de contribuição previdenciária.
Não obstante as críticas, há de se destacar que o Projeto de Lei, que culminou na reestruturação da carreira militar e do Sistema de Proteção dos Militares das Forças Armadas, ao contrário do que ocorreu com a Reforma da Previdência, implementada pela Emenda Constitucional nº 06/2019, tratou do escalonamento das alíquotas para o custeio das pensões militares, que passará, como já dito, de 7,5% para 10,5%.
Ponto ressaltado pelo Relatório de Acompanhamento Fiscal (2019), é que a contribuição previdenciária dos militares se destina única e exclusivamente ao custeio das pensões, ou seja, não há participação do custeio dos proventos da inatividade:
Na proposta, essa distinção fica mais clara: o Estatuto dos Militares passa a dispor de forma explícita que a remuneração dos ativos e inativos é encargo financeiro do Tesouro Nacional, ao passo que as pensões militares são custeadas com recursos provenientes da contribuição dos militares, de seus pensionistas e do Tesouro Nacional. Para os servidores civis, a previsão de que eles devem participar do custeio de suas aposentadorias e pensões existe desde 1993.
Desta feita, embora seja alvo de críticas a contribuição para o custeio das pensões, há de se reconhecer a importância financeira das alterações introduzidas, pois todos passam a contribuir, desde os pensionistas, aspirantes, cadentes, alunos das escolas, dentre outros (RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO FISCAL, 2019). E a contribuição dos pensionistas é ressaltada como ponto importante no custeio do sistema:
A Medida Provisória nº 2.215-10/2001 restringiu direitos até então previstos na Leis das Pensões Militares. Por outro lado, permitiu que os militares que estivessem na ativa optassem por manter os benefícios originais da Lei das Pensões mediante o pagamento de uma contribuição adicional de 1,5% sobre a remuneração. O principal benefício diz respeito ao rol de beneficiários, em especial a possibilidade de manter as filhas como beneficiárias de pensão independentemente de qualquer condição (idade, estado civil etc.). Para os não contribuintes, as filhas são beneficiárias somente até os 21 ou 24 anos, se estudante universitária (RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO FISCAL, 2019).
De todo o exposto, não há dúvidas que discussões tendem a ser travadas sobre as alterações legislativas recentes e a reestruturação da carreira militar e do Sistema de Proteção Social dos Militares. Não obstante, e em que pese as críticas, percebe-se a preocupação não apenas com a valorização dos militares, mas também com a sustentabilidade do sistema de proteção.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se compreender, ao longo do presente estudo, as principais alterações imprimidas pela Lei nº 13.954/2019, que reestruturou a carreira militar e dispôs sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, evidenciando, de plano, que ante a Reforma da Previdência, efetivada pela Emenda Constitucional nº 06, de 2019, a discussão quanto à alterações no sistema protetivo dos militares era iminente, o que se justifica até mesmo pela rápida tramitação do Projeto de Lei nº 1.645, de 2019.
Constatou-se que para a aprovação do referido Projeto de Lei, contudo, foram estabelecidas parcerias e assegurada a rediscussão de pontos como a contribuição dos pensionistas e o adicional de habilitação. Portanto, acredita-se que nos próximos meses novas alterações sejam introduzidas no Estatuto dos Militares e outras normas legais para atender às reivindicações da categoria.
Não obstante, resta clara a preocupação do Estado em manter um sistema protetivo específico aos militares, considerando as peculiaridades da carreira, sem, contudo, ignorar a necessidade de reestruturação, o que proporciona, a um só tempo, a valorização dos militares e o consequente incentivo à permanência nos cargos, bem como a sustentabilidade do sistema, o que se evidencia pela majoração das alíquotas de contribuição dos militares ativos e inativos, e também pela inserção da contribuição para os pensionistas.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Adriano Maia Ribeiro de. Política pública de proteção social dos militares das forças armadas: aspectos a serem considerados em um provável redesenho. 2019. 216 fl. Dissertação (Mestrado Profissional em Governança e Desenvolvimento) – Escola Nacional de Administração Pública, Brasília, 2019. BRASIL. Izalci espera corrigir distorções na carreira militar em comissão do Executivo. Agência Senado, 02 jan. 2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/01/02/izalci-espera-corrigir-distorcoes-na-carreira-militar-em-comissao-do-executivo>. Acesso em 10 jan. 2020. BRASIL. Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019: Altera a Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), a Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, a Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, a Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, e o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, para reestruturar a carreira militar e dispor sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares; revoga dispositivos e anexos da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, e da Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13954.htm>. Acesso em: 10 jan. 2020. BRASIL. Projeto de Lei nº 1.645, de 2019a: Altera a Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares; a Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, que dispõe sobre as pensões militares; a Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 - Lei do Serviço Militar; a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, que dispõe sobre as promoções dos oficiais da ativa das Forças Armadas; e a Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, que dispõe sobre os requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército; e dá outras providências. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=67F1B27BC7DECEE18DA8948616799C7D.proposicoesWebExterno2?codteor=1721716&filename=PL+1645/2019>. Acesso em: 10 jan. 2020. BRASIL. Reforma dos Militares é sancionada sem vetos. Agência Senado, 17 dez. 2019b. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/17/reforma-dos-militares-e-sancionada-sem-vetos>. Acesso em: 15 jan. 2020. CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA MARINHA. Sistema de proteção social dos militares das Forças Armadas, 2020. Disponível em: <https://www.marinha.mil.br/com1dn/noticia/sistema-prote%C3%A7%C3%A3o-social-dos-militares-das-for%C3%A7as-armadas>. Acesso em 15 jan. 2020. LOPES, Luiz Henrique dos Santos. A proposta de reforma da previdência civil e seus impactos no Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas. 2018. 74 fl. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialista em Ciências Militares) – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2018. RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO FISCAL. Reforma da Previdência, abr. 2019. Instituto Fiscal Independente. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/556198/RAF27_ABR2019.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2020. VASCONCELLOS, Jorge. Entidades propõem alterações na lei de reestruturação da carreira militar. Correio Braziliense, 13 jan. 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/01/13/interna_politica,820230/entidades-propoem-alteracoes-na-lei-de-reestruturacao-da-carreira-mili.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2020.