Faz sentido que candidatos tenham a prerrogativa de controlar críticas feitas a eles em período eleitoral? O Congresso Nacional, infelizmente, entende que sim.
Acaba de ser aprovado pelo plenário do Senado o PLC nº 110/2017, que reforma a legislação eleitoral. O texto incorpora uma emenda introduzida nesta madrugada, que altera regras de remoção de conteúdo da Internet. Pela nova regra, será possível que candidatos, coligações e partidos políticos notifiquem provedores de aplicação diretamente para pedir a suspensão por tempo indeterminado de publicações que supostamente contenham ofensas, informações falsas e discurso de ódio dirigidas a eles próprios. O texto ainda depende da sanção do Presidente da República para tornar-se lei.
Há no projeto ao menos três problemas graves, que devem ser corrigidos com urgência por veto presidencial.
Primeiro, há uma grave indeterminação conceitual. Não há no direito brasileiro uma definição explícita de “discurso de ódio”: ao contrário, há um debate complexo em andamento sobre o tema, que abarca posições conflitantes e está hoje em fase apenas inicial. Portanto, o uso do termo de forma aberta abre margem a interpretações distintas, criando insegurança jurídica.
Segundo, a proposta confere ao candidato, partido ou coligação o poder de decidir o que constituem “ofensas”, “discurso de ódio” e “informações falsas”. A mudança vai em sentido contrário à posição bem-sucedida incorporada pelo art. 19 do Marco Civil da Internet, que delega esse papel expressamente ao Poder Judiciário. A regra, vale lembrar, foi conquistada após uma longa rodada de debates entre Estado, mercado e sociedade civil, audiências e consultas públicas e discussões parlamentares democráticas.
Terceiro, o projeto de lei não prevê prazo máximo para a suspensão do conteúdo supostamente ilícito, embora imponha que provedores respondam à solicitação no prazo de 24 horas. Na prática, o dispositivo permitiria a remoção permanente de conteúdo online, sem que o exame de legalidade dessa medida passasse pelo crivo do Judiciário.
Diante deste quadro, a introdução do art. 57-B, § 6º do projeto de lei criaria, em casos concretos, um instrumento poderoso de controle de informação capaz de gerar restrições significativas à liberdade de expressão. Resta esperar que a Presidência da República, no exercício de suas competências constitucionais, preste-se a vetar esse dispositivo da reforma.
Alexandre Pacheco da Silva
Coordenador do GEPI – Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação
Ana Paula Camelo
Carlos Augusto Liguori Filho
Stephane Hilda Barbosa Lima
Victor Doering Xavier da Silveira
Pesquisadores do GEPI – Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação
Referências:
Fonte: http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7219617&disposition=inline