Constitucional
As contribuições da Escola da Exegese
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 por Ingrid Carvalho- As contribuições da Escola da Exegese
A Escola da Exegese é, com razão, muito criticada por várias de suas características.
Dentre elas, podemos destacar: a idolatria da lei, a negação da existência de lacunas no Código Napoleônico e a visão do Estado como única fonte do direito.
Muitas das ideias dessa corrente científica foram superadas pelas ideias das correntes posteriores a ela. Entretanto, tal fato não significa que o ordenamento jurídico brasileiro não possui algum tipo contribuição advinda da Escola da Exegese.
Dentre essas contribuições, podemos destacar: a ênfase na importância da lei na busca pela segurança jurídica, a influência na criação do conceito de estado democrático de direito e o fortalecimento do princípio da legalidade, que é considerado importantíssimo em muitos ordenamentos jurídicos da atualidade.
Como dito no início deste artigo, a Escola da Exegese surgiu em um período de muitas mudanças na França, algumas delas demasiadamente bruscas. Tal contexto histórico-social mostra-nos que as incertezas desse período proporcionavam insegurança jurídica para os cidadãos comuns.
Além disso, o próprio sistema legal da França pré-revolucionária impulsionava essa instabilidade jurídica, pois ele era baseado no direito consuetudinário, o que dava margem à arbitrariedade dos juízes, haja vista a inexistência da lei escrita.
Entretanto, em 1804, foi outorgado o Código Civil francês e, com ele, nasceu a Escola da Exegese. Esta dava uma grande ênfase na importância da lei e tal característica foi fundamental para que esse código pudesse dar maior segurança jurídica à população.
Quanto a essa necessidade de uma maior unidade e segurança do ordenamento jurídico da França pós-revolucionária, Norberto Bobbio (1961) afirma:
Trata-se de uma exigência que, na França, era particularmente sentida (até atingir extremos de paroxismo), porque a sociedade francesa não possuía um único ordenamento jurídico civil, penal e processual, mas uma multiplicidade de direitos territorialmente limitados.[1]
O princípio da legalidade não surgiu com a Escola da Exegese. Ele apareceu pela primeira vez na Magna Carta inglesa em 1215 e voltou a aparecer no Bill of Rights e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Além destes, esse princípio fez-se presente em quase todos os códigos criados na virada do século XVIII para o século XIX. Tal fato ocorreu devido a grande influência das ideias de John Locke e de Montesquieu, além de outros filósofos do Iluminismo.
A Escola da Exegese tratou de divulgar o conceito do princípio da legalidade, o que possibilitou um fortalecimento ainda maior deste.
Tal fato justifica-se, pois “a Escola da Exegese põe a lei acima de todas as vontades, idolatrando-a, e lhe confere o atributo de instrumento de controle do poder, de tal modo que deixa como herança o princípio da legalidade e o da supremacia da lei.”[2]
Faz-se, no resto desta página, um parêntese para desfazer qualquer mal-entendido acerca do conteúdo do princípio da legalidade e mostrar que, apesar dele ser chamado de princípio, ele é, na verdade, uma regra.
A Escola da Exegese, muito pelo seu sistema interpretativo, possui uma hermenêutica voltada essencialmente para a interpretação de regras. Todavia, defende-se neste artigo a importância dessa corrente científica para o princípio da legalidade.
Este pode ser, a primeira vista, considerado como um princípio e não como uma regra, o que poderia causar alguns problemas. Para resolver essa questão, necessitamos saber a diferenciação entre regra e princípio.
Podem-se diferenciar regras e princípios de duas maneiras. A primeira é quanto conteúdo de ambas. A regra tende a possuir um teor com um menor grau de abstração. Além disso, ela, geralmente, “[…] consiste na previsão de um fato específico, bem como das suas respectivas consequências jurídicas […]”[3].
No que discerne ao conteúdo do princípio, ele expõe de modo geral um valor que deve ser realizado de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas. É válido ressaltar que os princípios funcionam como um arkhé, ou seja, uma substância básica do direito.
Logo, uma violação de um único princípio seria suficiente para violar todo o ordenamento jurídico. Tal ideia tem origem no pensamento dos filósofos pré-socráticos.
Quanto ao seu modo de aplicação, a regra carece somente de dois elementos: a interpretação e a aplicação. Logo, em um conflito de regras, dá-se a resolução por meio da exclusão de uma regra ou da outra ou, até mesmo, de ambas.
Tal exclusão pode ocorrer por critérios hierárquicos, cronológicos ou de especialidade. Caso estes não sejam suficientes para sanarem a antinomia, deve-se fazer uso da interpretação modificativo-corretiva ou da interpretação ab-rogante e, no caso de mútua exclusão, da interpretação mutuamente ab-rogante.
Neste último caso, ambas as condutas expressas pelas leis antinômicas seriam consideradas lícitas.
Enquanto a regra necessita, em sua aplicação, somente de interpretação e aplicação, o princípio carece destas e de um terceiro elemento. Este é a concretização, “operação que aproxima e excede a interpretação e a aplicação.”[4].
Tal elemento proporciona a operacionalização do princípio diante de um fato e, caso o poder legislativo não tenha viabilizado a concretização mediante a criação de regras, cabe ao Poder Judiciário a responsabilidade por essa concretização dos princípios do ordenamento jurídico.
No caso em questão, o princípio da legalidade, apesar de ser comumente denominado de princípio, na verdade configura-se como uma regra, pois, quanto ao seu conteúdo, ele prevê um fato específico e, quanto ao seu modo de aplicação, ele somente carece de interpretação e de aplicação.
Para um melhor entendimento deste artigo, é importante que o leitor conheça o conceito formal de Estado Democrático de Direito surgiu em meados da primeira metade do século XIX. Entretanto, as suas raízes datam de antes dessa época.
Uma das raízes dessa concepção é a grande importância dada, naquela época, à lei, caracterizada pelo pensamento teórico do império da lei, onde todos os componentes do Estado estariam submissos à legislação.
Essa característica aproxima o conceito de Estado Democrático de Direito tanto do princípio da segurança jurídica, quanto das ideias da Escola da Exegese. A estes dois últimos, junta-se o princípio da legalidade.
Esses três elementos defendiam a grande importância da lei no ordenamento jurídico e, por isso, deram suporte teórico à criação do conceito de Estado Democrático de Direito.
Outro importante fato a respeito da Escola da Exegese foi o seu caráter pioneiro no que discerne à divulgação do positivismo jurídico. Uma das principais características dessa corrente jurídico-filosófica é o principio da adoção da onipotência do legislador. Tal aspecto está muito presente no Código Civil napoleônico.
Contudo, a divulgação desta característica no meio acadêmico não se deve aos redatores deste codex, mas aos primeiros juristas que fizeram a interpretação do mesmo. Quem faz esta afirmação é Norberto Bobbio (1961) em:
Se o Código de Napoleção foi considerado o início absoluto de uma nova tradição jurídica, que sepulta completamente a precedente, isto foi devido aos primeiros intérpretes e não aos redatores do próprio Código. É de fato àqueles e não a estes que se deve a adoção do princípio da onipotência do legislador, princípio que constitui, como já se disse mais de uma vez, um dos dogmas fundamentais do positivismo jurídico […].[5]
Percebemos, pois, a importância dos integrantes da Escola da Exegese, os primeiros intérpretes do Código Napoleônico, na divulgação do positivismo jurídico francês.
Contudo, é válido ressaltar que esta escola não foi a responsável pela criação desta corrente jurídico-filosófica, mas, somente, a sua principal difusora na França pós-revolucionária.
Outra importante influência do Código Napoleônico e, consequentemente, da Escola da Exegese na maioria dos ordenamentos jurídicos atuais encontra-se no artigo 4º deste código.
Tal excerto declara: “O juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio, obscuridade ou insuficiência da lei, tornar-se-á passível de ser processado sob a acusação de uma denegação da justiça.”[6] [7].
Nele, podemos perceber uma das maiores máximas do direito brasileiro: a impossibilidade do juiz poder se eximir de julgar um caso alegando uma insuficiência da lei.
Este princípio pode ser exemplificado pelo artigo 126º do Código de Processo Civil: “Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”[8].
É válido afirmar que o Código Napoleônico foi um dos pioneiros deste conceito.
Neste contexto, a Escola da Exegese possui importância, pois, ao ser uma das primeiras correntes a interpretar o Código Napoleônico, ela agiu como um dos principais meios de divulgação dos ideais deste codex.
2. Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. – São Paulo: Malheiros
BORGES, José Ademir Campos. O processo do conhecimento humano e as correntes do pensamento jurídico. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 685, 21 maio 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6751>. Acesso em: 13 set. 2012.
BRASIL. Lei nº 5.925, de 1 de outubro de 1973. Retifica dispositivos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm> Acesso em: 04 de setembro. 2012.
__________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 04 de setembro. 2012.
LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. In: Revista brasileira de estudos políticos, Belo Horizonte, n. 97, jan 2008. Disponível em: http://www.pos.direito.ufmg.br/rbep/097105122.pdf. Acesso em set 2012.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3. ed. - Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.
________________________ . Hermenêutica Jurídica Clássica. 2. ed. – Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. MELO, Liana Holanda de. Hermenêutica jurídica: a escola da exegese e o mito da neutralidade. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 85, fev 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9031&revista_caderno=15>. Acesso em set 2012.
[1] BOBBIO, Norberto. Op.cit., p. 65.
[2] BORGES, José Ademir Campos. O processo do conhecimento humano e as correntes do pensamento jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 685, 21 maio 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6751>. Acesso em: 13 set. 2012.
[3] MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Op.cit., p. 68.
[4] MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Op.cit., p. 70.
[5] BOBBIO, Norberto. Op.cit., p. 73.
[6] Do francês: “Le juge qui refusera de juger, sous prétexte du silence, de l'obscurité ou de l'insuffisance de la loi, pourra être poursuivi comme coupable de déni de justice.”
[7] Article 4. Créé par Loi 1803-03-05 promulguée le 15 mars 1803
[8] Brasil. Lei nº 5.925, de 1 de outubro de 1973. Retifica dispositivos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm> Acesso em: 04 de setembro. 2012.
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Toda pessoa tem uma origem que sempre será lembrada, nem que seja somente em seu íntimo. Onde nasceu, onde mora, a terra natal, a que família pertence, enfim, são fatores que influenciam na formação da identidade do indivíduo. Mas afinal, o que é a nacionalidade?
Pelo Dicionário Aurélio, por exemplo, o conceito está relacionado à independência política, à pátria, à naturalidade e ao caráter nacional. Juntando o sentido dessas palavras, podemos conceituar simplesmente como sendo um estado de pertencimento do cidadão a determinada nação.
O que é nação?
Apesar de existir inúmeras formas de conceituação, basicamente podemos sintetizar ao afirmar ser um hiper grupo político individualizado (e soberano), de complexidade imensurável que é definida pela cultura, pelas leis, pelos governos e por inúmeros outros fatores. Sendo assim, participar de um grupo único faz com que seus integrantes também o sejam em relação a outros agrupamentos.
Esse conceito também é aplicado em escalas menores, não tão somente entre as duas partes do globo terrestre (ocidente e oriente), mas, também, entre países, regiões, estados, cidades e assim sucessivamente. A cultura local e inclusive a história, contribuem para isso.
A Nacionalidade
A nacionalidade por estar ligada fortemente ao indivíduo, é exteriorizada por muitas vezes como um sentimento, sendo usada inclusive como ponto de ignição para justificar ou causar determinadas atitudes, como por exemplo, iniciar movimentos revolucionários, participar da política e, até mesmo para alimentar as guerras.
Assim, devido à relevância dessa condição, todos os países a valorizam. Essa valorização é sutil, mas quando é percebida vale a reflexão sobre a sua importância de ser tão mostrada. Em grandes eventos, tais como os esportivos e científicos de grande notoriedade, sempre há um participante que representa sua nação e que faz questão de mostrar a qual país pertence, independente da vitória ou da derrota.
Nacionalidade no Brasil
O Brasil, apesar de ser um país novo em relação aos demais, garante a nacionalidade como um direito constitucional nos artigos 12 e 13 da Constituição Federal.
Art. 12. São brasileiros:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
II – naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
Também é estabelecido regramento especial para os portugueses, além de estipular que a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, exceto nos casos previstos na própria Carta Magna, elencar quais os cargos privativos dos brasileiros natos e estipular os casos em que haverá a perda da nacionalidade.
Um caso bastante emblemático que aconteceu nos últimos anos foi a concessão da extradição de uma brasileira que tinha sido naturalizada americana. Você pode ver mais sobre esse assunto aqui.
Além disso, é determinado o idioma oficial, os símbolos da República Federativa do Brasil e ainda diz que o Distrito Federal, os Estados e Municípios podem ter símbolos próprios. Mais uma forma de manifestação da nacionalidade em escala menor.
Diferente de outras nações, o Brasil adota o critério ius solis para determinar a nacionalidade de seus indivíduos. Tal critério tem a territorialidade como referência, fazendo um contraponto a outro método chamado de ius sanguinis, o qual toma como referência o vínculo sanguíneo, independente do lugar onde o indivíduo nasceu. Vamos entender um pouco melhor esses conceitos.
Ius Solis e Ius Sanguinis
Os critérios de nacionalidade “ius soli” e “ius sanguinis” são princípios fundamentais utilizados pelos países para determinar quem são seus cidadãos. Ambos os critérios têm diferentes abordagens para definir a nacionalidade e a cidadania de uma pessoa.
O ius soli, que em latim significa “direito do solo”, é um princípio que confere a nacionalidade a qualquer pessoa nascida no território de um determinado país, independentemente da nacionalidade dos pais. Esse critério é baseado no local de nascimento e é amplamente adotado por países como os Estados Unidos, Canadá e vários países das Américas.
O ius sanguinis, que em latim significa “direito de sangue”, é um princípio que confere a nacionalidade com base na ascendência ou linhagem. Segundo esse critério, a nacionalidade é herdada dos pais, independentemente do local de nascimento. Muitos países europeus, asiáticos e africanos adotam esse critério, como a Itália, Alemanha e Japão.
É possível perceber que o ius soli tende a ser mais inclusivo, pois qualquer pessoa nascida no território do país é considerada cidadã, facilitando a integração de imigrantes, contribuindo para a formação de sociedades mais diversificadas e multiculturais.
Já o ius sanguinis pode ajudar a preservar a identidade cultural e a continuidade de comunidades nacionais além das fronteiras, mas pode envolver procedimentos legais mais complexos para o reconhecimento da cidadania, especialmente para descendentes nascidos no exterior.
É curioso esses critérios, pois observam referências que também integram a nacionalidade: o território e o vínculo sanguíneo (a família). Ambos são fatores que individualizam a pessoa, esta que por sua vez tenta incansavelmente responder a pergunta: “Quem eu sou?”.
Diante disso, depois dessa breve reflexão sobre o conceito da nacionalidade, não resta dúvidas de que ela transcende o espaço-tempo, podendo alcançar escalas ainda maiores e ainda menores. Não por ser apenas um sentimento, mas, também, por ser uma necessidade política (ainda que possa ser amadora), para juntar e ampliar determinado grupo a fim de ganhar força, prestígio e atender às necessidades da figura fictícia do Estado.
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Referências:
AURÉLIO. Dicionário Aurélio. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com> Acessado em: 31 ago. 2016.BRASIL.
Constituição (1988). Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm> Acessado em: 31 ago. 2016.
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Constitucional
Reputação Ilibada: Compromisso com a Ética e a Transparência
Publicado
2 meses atrásem
11 de julho de 2024Reputação ilibada refere-se a uma reputação que é inteiramente limpa, sem mácula ou mancha. Esse termo é utilizado com frequência em contextos legais e profissionais para descrever um indivíduo cuja conduta é considerada irrepreensível e moralmente íntegra.
No contexto legal, a reputação ilibada é um requisito fundamental para juízes e advogados, cuja integridade é vital para a justiça. Na política, a confiança do público em seus representantes depende fortemente da percepção de sua reputação. Profissionais como médicos e contadores também dependem de uma reputação sem mácula para assegurar a confiança de seus clientes e pacientes.
Em se tratando mais especificamente da realidade jurídica, trata-se de um conceito importante, particularmente no contexto do direito público e privado, figurando como requisito para a investidura em diversos cargos públicos.
Definição de Reputação Ilibada
Não existe especificamente uma definição legal para o termo “reputação ilibada”, de modo que podemos nos perguntar como é possível
A palavra “ilibado” deriva do latim “illibatus”, referindo-se a algo limpo. Segundo o Dicionário Aurélio (2010, online), o termo significa “não tocado”, ou mesmo “puro, incorrupto”.
Manter uma reputação ilibada requer um compromisso contínuo com a ética, a transparência e a responsabilidade. Práticas como a honestidade, o cumprimento das leis e a manutenção de padrões profissionais elevados são essenciais. Além disso, é importante evitar comportamentos que possam comprometer a integridade pessoal e profissional.
Em 1999, em resposta à consulta formulada pelo então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ), elaborou uma definição para o termo. De acordo com a CCJ, no intuito de aclarar o conceito constitucional, “considera-se detentor de reputação ilibada o candidato que desfruta, no âmbito da sociedade, de reconhecida idoneidade moral, que é a qualidade da pessoa íntegra, sem mancha, incorrupta”.
Trata-se de uma condição subjetiva, que se associa à boa fama, ao comportamento público e à respeitabilidade do pretendente. A reputação do candidato deve inspirar a estima de seus pares, ante sua conduta proba, compatível com o cargo (RODRIGUES JUNIOR; AGUIAR, 2009).
O aludido requisito relaciona-se com os princípios da Administração Pública, ante a função a qual se pretende exercer. Vincula-se, principalmente, ao princípio da moralidade, o qual exige a atuação ética dos agentes públicos. Dessa forma, deve-se observar os antecedentes profissionais dos candidatos a cargos públicos, atentando se há máculas em sua atuação pregressa.
Destaque-se que o princípio da presunção de inocência não possui caráter absoluto neste contexto, de acordo com a jurisprudência. Assim, em caso de dúvida fundada sobre a reputação ilibada do candidato, é possível sobrepor o interesse público ao privado. Desse modo, evita-se que um indivíduo, ainda que apenas possivelmente, inapto assuma a função pública.
Reputação Ilibada na Legislação Brasileira
É possível encontrar menção em diversos momentos à reputação ilibada do indivíduo como necessária em certas ocasiões. A Constituição federal menciona a necessidade de “reputação ilibada” nos seguintes casos:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
[…]
Art. 128 § 1º O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.
Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN)
Além da Carta Magna, podemos mencionar legislação infraconstitucional que, apesar de não trazerem literalmente o termo “reputação ilibada”, fazem menção à necessidade de se manter a imagem proba, reforçando o compromisso com a ética.
Assim, podemos citar a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), que visa proteger o patrimônio público e punir atos de improbidade, sendo que a prática de tais atos pode comprometer a reputação ilibada do servidor público.
Também a Lei de Licitações estabelece critérios para a participação de empresas em licitações públicas, exigindo que as empresas participantes de licitações comprovem sua idoneidade e regularidade fiscal.
Ainda, mencionemos a Lei da Ficha Limpa, uma lei de iniciativa popular, que busca tornar mais rigorosos os critérios de inelegibilidade para cargos eletivos, visando melhorar a moralidade e a ética na política brasileira.
Sobre a Lei da Ficha Limpa, podemos ver aqui algumas mudanças que ela trouxe no ordenamento jurídico pátrio.
Análise Jurisprudencial
A reputação ilibada também é foco de decisões judiciais que buscam pacificar o entendimento sobre quando se considera configurada a reputação ilibada, bem como verificar os critérios objetivos para que se possa esclarecer para a sociedade quando se tem ou não a índole necessária para assumir o cargo público.
Mencionem-se decisões sobre o assunto:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. NOMEAÇÃO PARA CARGOS ESTATUTÁRIOS DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. RESOLUÇÃO Nº 3041/02-BACEN. REPUTAÇÃO ILIBADA NÃO COMPROVADA. SEGURANÇA DENEGADA. […]
3. O fundamento do ato requestado foi a ausência da reputação ilibada do impetrante em decorrência do fato de sua conduta estar sendo objeto de investigação em processo administrativo, que lhe infringiu uma penalidade. Há que se saber que mesmo não estando concluído o processo, e estando pendente de recurso, com possibilidade de julgamento favorável ao impetrante, ainda assim, a reputação dele estaria maculada, não mais se configurando como ilibada.
4. Não obstante o caráter subjetivo que envolve o conceito de reputação ilibada, ele sempre vai implicar em limpidez de conduta, na ausência de mácula e de impureza para sua configuração. Na hipótese vertente, ante a relevância do cargo a ser assumido pelo postulante, fica evidente que o processo investigatório a que ele está sendo submetido o coloca sob suspeita, o que não se compatibiliza com as exigências legais para o preenchimento do referido cargo. […]
6. Diante das próprias circunstâncias em que se ergue o sistema financeiro nacional, que tem como pilar fundamental a confiança, não se pode prescindir do rigor dos critérios para se analisar o perfil daqueles que vão representá-lo perante toda a sociedade, razão pela qual, não se reveste de ilegalidade o ato apontado como coator. Apelação improvida. (TRF-5, Apelação nº 19236-68.2012.4.05.8300, Relator: Des. Fed. José Maria Lucena, Primeira Turma, Data de Julgamento: 27.03.2014, Data de Publicação: 04.04.2014, grifo nosso).
Ainda, podemos mencionar:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADES COATORAS. LEGITIMIDADE PASSIVA. CARGOS DE DIREÇÃO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE NOME DE CANDIDATO ELEITO. REPUTAÇÃO ILIBADA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. […]
É cediço, na jurisprudência e doutrina pátrias, que o conceito de reputação ilibada é amplo e indeterminado, permitindo uma correlata avaliação discricionária da Administração Pública. Conquanto a prévia condenação criminal transitada em julgado seja imprescindível para o Estado forçar o acusado a cumprir pena privativa de liberdade, tal exigência não se estende à imposição de restrições de outra ordem (não criminal, ou seja, restrições administrativas, creditícias etc.), as quais não se equiparam a ‘execução provisória de decisão condenatória penal’, constituindo, antes, medida de natureza cautelar em prol do interesse público. (TRF-4, Apelação nº 5048060-62.2013.4.04.7000, Relatora: Des. Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha, Quarta Turma, Data de Julgamento: 01.07.2014, Data de Publicação: 02.07.2014, grifo nosso).
Destarte, constata-se que a reputação ilibada trata-se de requisito subjetivo para investimento em cargo público. Portanto, para ser detentor de reputação ilibada, deve-se pautar pela ética exigida para o exercício do cargo pretendido, não se permitindo corromper e nem envolver em escândalos que atentem contra o interesse público.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ILIBADO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. 5. Ed. Positivo, 2010. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/dicionario/home.asp>. Acesso em: 29 dez. 2016.
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; AGUIAR, Alexandre Kehrig Veronese. Vaga no Supremo: Críticas a Toffoli não se sustentam diante da CF. Revista Consultor Jurídico, 23 set. 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-set-23/criticas-toffoli-nao-sustentam-diante-constituicao>. Acesso em: 29. dez. 2016.
SENADO FEDERAL. Reputação ilibada é a qualidade da pessoa íntegra, define CCJ. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/1999/09/29/reputacao-ilibada-e-a-qualidade-da-pessoa-integra-define-ccj/>. Acesso em: 29 dez. 2016.
Constitucional
O efeito backlash: a reação a decisões judiciais
Publicado
4 meses atrásem
18 de maio de 2024No direito, o efeito backlash, também conhecido como efeito rebote, se refere à reação negativa causada por decisões judiciais, principalmente as decisões que envolvem temas polêmicos e controversos na sociedade.
O termo backlash é definido pelo Dicionário de Cambrigde, de inglês britânico, como “um sentimento forte entre um grupo de pessoas em reação a uma mudança ou a um evento recente na sociedade ou na política”.
Quando a sociedade é confrontada com determinado assunto polêmico, ela tende a se dividir. Parte das pessoas acredita que aquele tema não deveria ser alvo de mudanças legislativas ou judiciais, enquanto outra parcela da população acredita que o tema precisa de revisão, de modo a se adequar a um novo modelo de sociedade, que seria mais justa e igualitária.
Assim, quando o Judiciário busca, por meio de decisões judiciais, modificar o status quo da sociedade, por vezes ocorre uma reação por partes de pessoas que não concordam com a decisão ou discordam da forma como a decisão foi tomada.
O que é o efeito backlash segundo doutrinadores
Em termos jurídicos, para os professores estadunidenses, Post e Siegel, backlash expressa o desejo de um povo livre de influenciar o conteúdo de sua Constituição, mas que também ameaça a independência da lei.
Já Greenhouse e Siegel, apontam que a contra-mobilização e a intensificação de conflitos (muitas vezes referido como backlash) é uma resposta normal ao crescente apoio público à mudança que pode ter uma relação com o judicial review.
Cass Sunstein define o referido efeito como a intensa e contínua desaprovação pública de uma decisão judicial, acompanhada de medidas agressivas para resistir a esta decisão, buscando retirar sua força jurídica.
Dessa forma, pode-se resumir o efeito backlash como uma forma de reação a uma decisão judicial, a qual, além de dispor de forte teor político, envolve temas considerados polêmicos, que não usufruem de uma opinião política consolidada entre a população.
Em decorrência desta divisão ideológica presente de forma marcante, a parte “desfavorecida” pelo decisum faz uso de outros meios para deslegitimar o estabelecido ou tentar contorná-lo. Em suma, backlash relaciona-se com alguma forma de mudança de uma norma imposta.
Observamos esse acontecimento acompanhado do fenômeno conhecido como ativismo judicial. Podemos estudar um pouco mais sobre ele aqui.
O efeito backlash para George Marmelstein
Com o escopo de melhor compreender o efeito backlash, é fundamental destacar um breve resumo feito por Marmelstein, o qual descreve, de forma sucinta, como ocorre o fenômeno.
Segundo George Marmelstein, a lógica do efeito backlash funciona da seguinte forma: há determinada matéria que divide a opinião pública, e cabe ao Poder Judiciário proferir uma decisão liberal, assumindo a posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais.
Em consequência, como a consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, cheios de falácias com forte apelo emocional. A crítica à decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela da população.
Desse modo, os candidatos que aderem ao discurso conservador conquistam maior espaço político, conquistando votos. Vencendo as eleições e assumindo o controle do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondem à sua visão de mundo.
Assim, como o poder político também influencia a composição do Judiciário, abre-se um espaço para a mudança de entendimento dentro do poder judicial. Pode então haver um retrocesso jurídico, que pode prejudicar os grupos que seriam beneficiados com aquela decisão.
Assim, os opositores ao novo regime legal instaurado rejeitam publicamente alguns dos elementos centrais, fundamentando a sua rejeição em afirmações de legitimidade ou superioridade do quadro social-legal anterior, objetivando, consoante exposto acima, deslegitimar o decisum.
Portanto, a decisão judicial, a qual buscava proporcionar direitos às minorias, atinge, muitas vezes, o contrário do que objetivava, gerando, como efeito colateral, insatisfação por parte da população mais conservadora, o que propicia um ambiente possível de derrocar os direitos arduamente adquiridos, tendo como consequência mais forte o retrocesso.
Casos notáveis
Podemos destacar alguns casos práticos em que foi possível observar o efeito backlash no Direito, ou seja, casos jurídicos em que houve uma mudança significativa em determinada norma jurídica.
Nos Estados Unidos, este tipo de reação adversa ocorreu em leading cases como Roe v. Wade (legalização do aborto), Obergefell v. Hodges (casamento entre pessoas do mesmo sexo) e Brown v. Board Education (segregação racial em escolas públicas).
Em tais casos, a bancada mais conservadora tentou reverter as decisões, além de tê-las usado estrategicamente como forma de eleger mais candidatos Republicanos, pois se alegava que os Democratas apoiavam estas decisões “contramajoritárias”, as quais representavam uma ameaça à família tradicional e à religião.
Também no Brasil, podemos elencar a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.
Também é possível observar o trabalhos das Cortes Internacionais na defesa de direitos fundamentais, como vemos aqui.
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Referências
BACKLASH. Dicionário online de Cambridge. Disponível em < http://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/backlash >. Acesso em 5 abr. 2017.
GREENHOUSE, Linda e SIEGEL, Reva. Before (and after) Roe v. Wade: New questions about backlash. Yale Law Journal, Yale, v. 120, n. 8, 2011. Disponível em: <http://www.yalelawjournal.org/feature/before-and-after-roe-v-wade-new-questions-aboutbacklash>. Acesso em: 15 jan. 2017. p. 2077.
KRIEGER, Linda Hamilton. Afterword: Socio-Legal Backlash. In: Berkeley Journal of Employment and Labor Law, v. 21, n. 1, 2000, p. 476-477.
MARMELSTEIN, George. Efeito Backlash da Jurisdição Constitucional: reações políticas ao ativismo judicial. Texto-base de palestra proferida durante o Terceiro Seminário Ítalo-Brasileiro, proferida em outubro de 2016, em Bolonha-Itália.
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe Rage. Democratic Constitutionalism and Backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, 2007; Yale Law School, Public Law Working Paper, nº 131, p. 4.
STF. Mês da Mulher: há 12 anos, STF reconheceu uniões estáveis homoafetivas. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504856&ori=1>. Acesso em 18 mai 2024
SUNSTEIN, Cass R. Backlash’s Travels. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, v. 42, março 2007, p. 436.
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