Connect with us

Artigos

A Literatura como fomentadora do Direito na análise da obra “O Último Dia de um Condenado” de Victor Hugo

Bianca Collaço

Publicado

em


Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O direito como reflexo da sociedade; 3 O estudo interdisciplinar do direito e da literatura; 3.1 Histórico Direito e Literatura: linguagem e interpretação; 3.2 As relações do direito com a literatura; 4. Direito na literatura; 5 “O último dia de um condenado”, o direito e a sociedade; 5.1 França e a pena capital na atualidade 6 Considerações finais; 7 Referências.

RESUMO

Este artigo tem por escopo fazer um breve estudo sobre a temática do Direito e sua interdisciplinaridade com a literatura. Dada a importância do assunto e da necessidade de ampliar áreas de conhecimento, o Direito também faz sua conexão com outras searas de pesquisa com o objetivo de fomentar discussões que abrangem temas literários e jurídicos, chegando ao objetivo primordial que é a sociedade em si. Tendo isso em mente, será feita uma abordagem generalizada sobre a interdisciplinaridade dos dois ramos encaminhando com particular zelo ao debate sobre o livro “O último dia de um condenado”, obra do escritor francês Victor Hugo, apreciando seus diversos aspectos sociais e jurídicos.

Palavras-chave: O último dia de um condenado. Direito e Literatura. Interdisciplinaridade.

ABSTRACT

This article has the purpose to make a brief study on the subject of law and its interdisciplinarity with literature. Given the importance of the subject and the need to expand areas of knowledge, the law also makes connection with other fields of research with the goal of fostering discussions that cover literary and legal topics, reaching its primary objective which is society itself. Keeping this in mind, it will be done a general approach on the interdisciplinarity of those two branches, leading to the debate about the book “The last day of a condemned,” work of French writer Victor Hugo, appreciating its many social and legal aspects.

Keywords: The last day of a condemned. Law and Literature. Interdisciplinarity.

1 INTRODUÇÃO

Dentre as várias vertentes teóricas possíveis de se estudar no mundo jurídico, a vertente Direito e Literatura é sem dúvida uma das mais intrigantes. Pode ser apresentada, principalmente, sob a forma do “Direito na Literatura”, quando se refere ao estudo jurídico de uma obra literária, analisando seus informes relacionados com a seara jurídica e com a sociedade, e da “Literatura no Direito”, referindo-se a uma discussão teórica em relação à semântica do texto legal.

No que tange especificamente à abordagem do “Direito na Literatura”, é possível perceber as inúmeras problemáticas do Direito tratadas no campo literário. A ficção enquanto fruto da imaginação e vivência dos escritores transparece as dificuldades da sociedade, as quais cabe ao Direito sanar da melhor forma possível. Nesse sentido, o estudo do Direito pode ser aplicado no âmbito literário, estabelecendo a interdisciplinaridade entre ambas as áreas de estudo.

O objetivo do presente trabalho é fazer uma análise sobre a temática Direito e Literatura, áreas de pesquisa que, embora diferentes e estudadas separadas uma da outra, têm muito em comum e muito que fornecer uma para a outra, especialmente quando o objeto de estudo é a sociedade.

O Direito, que reflete a postura da sociedade quanto à justiça e direitos dos cidadãos, e a Literatura, como reflexo dos anseios da sociedade por mudanças e inovações, muitas vezes com relação à justiça e liberdade de expressão, dentre outros. Tendo em vista essa íntima relação entre ambos com a sociedade, o liame existente entre os dois, essa análise visa focar no estudo da obra “O último dia de um condenado”, do autor francês Victor Hugo, romance que trata sobre a pena de morte e as execuções públicas. É uma temática importante para o campo do Direito, que merece ser discutida, mesmo após tantos anos de sua publicação, em 1829.

Será feito um estudo do Direito e a literatura e sua interdisciplinaridade para depois analisar a obra literária “O último dia de um condenado” buscando nela o Direito e sua influência na seara jurídica.

Primeiramente, buscar-se-á a relação do Direito com a sociedade em que é inserido, para depois fazer o liame do Direito e a Literatura, analisando motivações para a existência desse campo de estudo. Tendo como base o pensamento de autores relevantes para a temática, pretende-se elucidar o tema proposto, através de suas ideias e da evolução do pensamento jurídico-científico na área tratada.

Por fim, tratar-se-á do livro cerne desse estudo, “O último dia de um condenado”, analisando sua relevância para a sociedade francesa da época, dado as circunstâncias em que foi escrito, e, dessa forma, fazendo o liame entre literatura, sociedade e Direito, e como a literatura pode influenciar a condição jurídica dentro de um contexto social.

2 O DIREITO COMO REFLEXO DA SOCIEDADE

Em um primeiro momento, é preciso discutir a própria relação do Direito com a sociedade em que ele é aplicado, para então fazer o paralelo com a literatura.

O Direito funciona como base de uma sociedade. Esta o cria para que possa estabelecer alicerces de justiça e segurança. A partir dessa perspectiva, a sociedade pode conviver e se desenvolver. O Direito, porém, não promoveu por si só essa situação de bem estar social. “A lei é fruto da vontade geral”, conforme o artigo 6º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (FRANÇA, 1789), de forma que o Direito se torna mais o reflexo dos anseios da sociedade do que um criador dos valores pelos quais preza o povo (NADER, 2004, p. 16-17).

O Direito, como expressão da vontade de uma sociedade, faz com que a Lei transpareça os valores de cunho social. A sociedade tanto cria o Direito, como é palco de atuação deste. O Direito existe em função da sociedade e deve adequar-se a ela, refletindo os fatos sociais (NADER, 2004, p. 16-17).

3 ESTUDO INTERDISCIPLINAR DO DIREITO E DA LITERATURA

Elaborado um breve parecer a respeito das relações do Direito com a sociedade, cabe nesse momento esclarecer o liame do Direito com a própria literatura. Decerto que esse estudo não faz parte da linha ortodoxa do Direito. É uma abordagem diferente da comumente desempenhada, de estudos ainda muito recentes, mas com amplo alcance e vasta interligação com a seara jurídico-social.

Para Dworkin (2001, p. 217), a proposta é que há de se melhorar a compreensão do Direito se comparar a interpretação jurídica com a de outros campos do conhecimento, com especial atenção à literatura. O Direito melhor compreendido proporcionaria melhor entendimento sobre a interpretação em geral.

Como elucidam Ferraz e Felipe (2012, online):

Para o profissional do Direito não basta apenas ter o conhecimento das leis, da jurisprudência e da melhor doutrina. (…) para proferir boas decisões deverá ter uma noção de filosofia e dos diversos motivos que costumam afligir o universo das pessoas, sobretudo as que possuem seus direitos fundamentais violados.

Nesse sentido, o operador do Direito deve ampliar seus horizontes para alcançar diferentes áreas de conhecimento, de forma expandir sua compreensão do mundo e da sociedade com a qual convive. Assim, esclarecem Fernandes, Campos e Maraschin (2009, online):

O ensino do Direito necessita de constantes revisões críticas, no sentido do seu aprimoramento e a Literatura, neste contexto, exerce um importante papel, tendo em vista que nem sempre o Direito encontra respostas adequadas para os seus dilemas, dentro das suas próprias estruturas ou dentro dos seus próprios códigos e doutrinas.

Como explica Ada Siqueira (2011, p. 55), “o paralelo entre o direito e a literatura em um estudo conjunto encontra, nesse sentido, a função concorrencial entre conceitos imaginários instituídos e cristalizados no imaginário de uma sociedade”.

Segundo a autora (SIQUEIRA, 2011, p. 55-56):

Tendo em mente a constituição do imaginário social, atenta-se para a função desinstituidora que um imaginário pode desempenhar frente a um imaginário rival num mesmo terreno social. O confronto dessas criações sociais concorrentes possui, então, a importante função de desestabilizar. Tanto para criações literárias quanto para as jurídicas, o choque tem uma qualidade expositiva de possíveis distorções e imposições de atos de vontade ao imaginário social. Assim, o estudo das maneiras com que esses dois campos do conhecimento influenciam-se é capaz de flagrar padrões e imposições não mais quistos social e juridicamente.

É evidente que o Direito não pode ser aprendido em uma esfera de conhecimento isolada. O estudo interligado é o que faz com que haja desenvolvimento científico-intelectual nas searas acadêmicas. E com o Direito não poderia ser diferente. Sua ligação com a literatura torna o aprendizado significativamente mais proveitoso.

3.1 Histórico Direito e Literatura: linguagem e interpretação

A Literatura tem exposto, através de diversos autores ao longo dos séculos, muitas formas diferentes de analisar o direito. Através de “O mercador de Veneza” de William Shakespeare, é possível perceber questões contratuais, enquanto “Hamlet”, do mesmo autor, aborda assuntos relacionados a crimes que envolvem a sucessão do trono dinamarquês, bem como traição e loucura. Diversos autores promoveram relações com o social, a família, o preconceito, dentre outras, que requerem a atenção do Direito para a devida regulamentação ou coerção, ou a coibição.

Nos Estados Unidos, muitos juristas discutiram sobre a importância da literatura no âmbito jurídico. Foi o chamado Law and Literature Movement,cuja abordagem do Direito mescla-se com a Literatura. Esse movimento foi um dos modos de se plasmar o Direito como Arte, havendo a interpretação das normas jurídico-constitucionais a partir de mecanismos externos à Ciência Jurídica (MARQUES JÚNIOR, 2012, online).

John Wigmore and Benjamin Cardozo foram grandes nomes desse movimento. Todavia, os estudos de Law and Literature realmente tiveram seu marco com a publicação do livro “The legal imagination” de James Boyd White, em 1973 (SIQUEIRA, 2011, p. 36-37).

Em “The legal imagination”, é tratada com pormenor a questão da linguagem. White tem como preocupação central o método de leitura e entendimento. Isso faz com que o autor seja colocado no que há de dominante em termos de teoria crítica e o marca como um dos nomes do Law and Literature Movement. Segundo White, os advogados falam uma linguagem tradicional com peculiaridades de vocabulário e construção, e isso traz a impressão de serem intelectuais conservadores, por falarem como os advogados de um século antes falavam (WARD, 1995, p. 06) (WHITE, 1985, p. 05).

White também faz um comparativo entre os advogados, os historiadores e os poetas, buscando suas semelhanças. Segundo o autor, ao fazer isso, estabelece-se a ideia de que as atividades que compõem a vida profissional do advogado e do juiz constituem uma empresa da imaginação. Assim ele expõe (WHITE, 1985, p. 208):

A arte do advogado é talvez a primeira de todas as artes literárias que controlam essa linguagem. Dizer isso e perguntar como essa linguagem pode ser controlada – o que o advogado pode fazer com isso – é dizer que o advogado é no fundo um escritor, aquele que vive pelo poder de sua imaginação.

Um dos pontos levantados por White é a capacidade do advogado de prever diversas formas futuras de atuação no decorrer de seu trabalho, ao encontrar um cliente ou ao confrontar um júri. As várias conversas imaginadas enquanto se prepara para uma audiência, antecipando o que o juiz pode dizer, as objeções da parte contrária ou as refutações. “O advogado deve ser capaz de contar a si mesmo histórias imaginadas sobre o futuro.” (WHITE, 1985, p. 209).

Também expõe a necessidade de, ao estudar um caso, analisá-lo com uma imaginação literária ou arqueológica, reconstruindo os fatos, de modo a adentrar o caso em análise como se lá estivesse (WHITE, 1985, p. 208-209).

Em uma análise, Richard Posner considera que White tenta melhorar a impressão passada pelos profissionais do Direito, ao fazer o comparativo com escritores. Posner, porém, considera o Direito não como da área das ciências humanas, mas como técnica governamental. Todavia, também observa que, por haver o liame com a criação e a interpretação de textos, a prática do Direito se relaciona com a Literatura (POSNER, 1986, p. 1351-1392).

Dworkin (2001, p. 219-220) traz a ideia da interpretação do texto jurídico, não apenas como busca da vontade do legislador – no caso da lei – ou do juiz – no caso de uma sentença ou decisão – mas tratando da possibilidade de não haver nenhuma intenção por trás do texto ou mesmo ser impossível conhecer essa intenção. A interpretação seria também, na visão de alguns, maneira para impor seus próprios pensamentos, enquanto transparecem descobrir a intenção por trás do texto jurídico.

Ada Siqueira (2011, p. 81) enfatiza em seus estudos: “O direito e a literatura, cada qual com sua linguagem e limitações, apresentam-se como parte da tentativa do homem de entendimento da realidade em que ele está inserido”. O indivíduo busca a através do Direito e da literatura compreender a realidade e se expressar. O Direito, a partir das leis, torna possível elucidar o que a sociedade acredita em termos de moral e justiça. A literatura também, sendo, porém, mais livre para se desenvolver e se expressar, fazendo com que o que as mudanças requeridas pela sociedade sejam expostas primeiro nas páginas dos textos literários, os quais podem servir de inspiração ou mesmo como modo de mostrar o que deseja o povo, podendo o Direito aplicar ou não essas ideias. A partir desse pensamento, percebe-se que estão ambos de fato interligados.

3.2 As relações do Direito com a literatura

As relações entre Direito e Literatura ocorrem de diversas formas. As mais estudadas são o “Direito na Literatura” e o “Direito como Literatura”.

O chamado “Direito na Literatura” trata das abordagens e apropriações literárias sobre o fenômeno jurídico. São obras de ficção ou não-ficção que trabalham com temas como a justiça, a violência, a burocracia estatal, dentre vários outros. Tem seu enfoque no texto literário propriamente dito, e busca os aspectos do Direito presentes nele. Para estudiosos, os textos literários abordam de forma mais clara e compreensível os assuntos jurídicos do que os manuais. É possível através da imaginação do autor visualizar o mundo jurídico, de modo a compreender relações humanas, obter registros históricos de uma sociedade em dada época e local, o que é de extrema importância para o estudo do Direito. A partir da leitura de um texto literário, é possível se refletir sobre fatos e normas, o que reduz a distância entre o ser e o dever ser, entre o fato e o direito (LIMA; CHAVES, 2011, p. 154-155) (PRADO, 2008, p. 996-1012).

O “Direito como Literatura”, corrente estudada predominantemente nos Estados Unidos, aponta as aproximações hermenêuticas e teóricas entre ambas as áreas, com foco na função da narrativa e na noção de interpretação. Nesse caso, é valorizado o aspecto interpretativo entre os fatos e o texto, superando o Direito positivista, analisando textos e discursos jurídicos, realizando interpretações tendo como ponto de partida uma teoria literária. É a compreensão das relações travadas entre os discursos jurídicos e literários dentro de um mesmo contexto social, de forma a buscar o estético no técnico, com propósitos hermenêuticos. O texto legal poderia ser compreendido como obra literária, e, dessa forma, ser interpretado como tal (LIMA; CHAVES, 2011, p. 154) (PRADO, 2008, p. 998-1001) (SIQUEIRA, 2011, p. 45-46).

Como ensina Ian Ward (WARD, 1995, p. 03):

Essencialmente, “Direito na literatura” examina a possível relevância de textos literários, sobretudo aqueles que se apresentam por contar uma história de cunho legal, como textos adequados para o estudo por juristas. Em outras palavras, pode “O Processo” de Kafka, ou “A queda” de Camus, nos diz algo sobre a lei? “Direito como literatura”, por outro lado, procura aplicar as técnicas de crítica literária aos textos legais. Embora conveniente e essencialmente eficaz, nem sempre é possível delinear acentuadamente as duas abordagens, ou mesmo é desejável fazê-lo. É muito mais uma relação de complementaridade; um fato que é comumente apreciado pelos estudiosos mais proeminentes que produziram tal riqueza de material no debate.

Há também a chamada “Literatura no Direito”, que trata da regulação jurídica da literatura, o caso dos direitos autorais, liberdade de expressão e direitos culturais. Já a “Literatura como Direito” estuda a força normativa dos textos literários e as “consequências jurídicas da aceitação dos mitos de fundação do Direito, da sociedade e do Estado.” (PRADO, 2008, p. 998-1001).

4 DIREITO NA LITERATURA

Como explicado, o “Direito na Literatura” propõe uma abordagem do Direito inserido na literatura, de forma a estudar Direito através dos textos literários, o que é o foco deste trabalho. Essa conexão existente entre as áreas de estudo é percebida quando se analisa a perspectiva da sociedade no que tange ao Direito e à justiça. E é a literatura que transparece isso, quando transpõe em seu conteúdo abordagens tipicamente jurídicas com uma ilustração fictícia, explanando os anseios do povo.

Assim esclarece Arnaldo Moraes Godoy (2003, p. 133-136):

A par, naturalmente, de reconhecer tipos literários que provocam reflexões sobre temas de Direito e justiça. É o individualismo triunfante de Robinson Crusoé, mito típico da liberalidade burguesa, ao lado de Fausto, de Don Juan , de Don Quixote. O choque entre republicanos e monarquistas em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. A burocracia do Sr. K, no Processo de Franz Kafka. Temas de bioética no Frankenstein de Mary Shelley e no Dr. Jekyl e Mr. Hide, de Robert Louis Stevenson. O bacharelismo oco no Conselheiro Acácio, personagem de O Primo Basílio, de Eça de Queiroz.

A tradição literária ocidental permite abordagem do Direito a partir da arte, em que pese a utilização de prisma não normativo. Ao exprimir visão do mundo, a Literatura traduz o que a sociedade pensa sobre o Direito. A literatura de ficção fornece subsídios para compreensão da Justiça e de seus operadores.

Ao explanar sobre a relação do Direito com a arte literária, Posner afirma que a literatura contém uma quantidade vasta de assuntos relacionados ao Direito, o que, de acordo com o autor, é surpreendente, considerando o fato de a maioria das pessoas, incluindo advogados, considerarem o Direito entediante. (POSNER, 1986, p. 1354).

Segundo Ada Siqueira (2011, p. 44), a obra literária, ao contrário do Direito, não se dá por encerrada. Ela instiga o raciocínio de continuidade e de eterna criação, o que ajuda a resgatar uma lógica construtiva de raciocínio que no texto legal, por vezes, encontra-se extinta. A obra de arte só existe quando é vista e interpretada, de modo a garantir sua existência e reflexo no mundo real. O Direito também só existe quando lido, sendo apresentado como uma tarefa a cumprir.

A partir dessa concepção, tem-se melhor noção do que seja o Direito na Literatura, foco maior desta análise.

5 “O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO”,  O DIREITO E A SOCIEDADE

Pretende-se nesse instante elucidar os estudos de Direito e Literatura, em específico do chamado Direito na Literatura, com foco na obra “O último dia de um condenado” de Victor Hugo.

Le Dernier jour d’un condamné (O ultimo dia de um condenado) é um livro escrito em 1829, no contexto da França pós-napoleônica, na volta da Monarquia e da dinastia Bourbon. O livro trata de um homem que foi condenado a morte, e, a partir do pronunciamento da sentença, sua vida se passa entre os muros da prisão até que chega sua hora de ir ao cadafalso. O crime que cometera não foi revelado pelo enredo, e em verdade não faz diferença. Victor Hugo traz para o leitor o mundo de angustia e sofrimento de um preso condenado, que sabe que sua vida será levada pela guilhotina.

No livro, é tratada a temática da pena de morte, em pleno século XIX, quando execuções públicas eram comuns e até populares. A guilhotina era encontrada no centro de praças para que todos pudessem apreciar a lâmina sendo baixada até ceifar a vida do condenado. Essas execuções fizeram com que Victor Hugo encontrasse a inspiração para escrever a obra, trazendo à tona suas impressões sobre a pena de morte e a execução pública na sociedade francesa do século XIX.

Victor Hugo traz em sua obra grande apelo englobando a questão da vida humana contra a pena de morte e todo sofrimento que ela carrega. Isso pode ser percebido claramente quando ele escreve (HUGO, 2010, p. 51):

Deixo uma mãe, deixo uma esposa, deixo uma filha.
Uma menininha de três anos, doce, rosada, frágil, com grandes olhos negros e longos cabelos castanhos.
Ela tinha dois anos quando a vi pela última vez.
Assim, depois da minha morte, três mulheres: sem filho, sem marido, sem pai; três órfãs de espécies diferentes; três viúvas da lei.
Admito que esteja sendo punido justamente; mas essas inocentes, o que fizeram? Pouco importa; desonram-nas, arruínam-nas. É a justiça.

O trecho evidencia o quanto há problemas na sociedade francesa na época. A morte de um homem não mata apenas o condenado, mas mata a família inteira, deixada desamparada. Essa é uma questão social muito forte que o autor quis expor na época e que, ainda hoje, precisa de atenção.

A pena de morte ilustrada por Victor Hugo é avassaladora também no aspecto da frieza que envolve o condenado e aqueles que o condenam. Para o condenado, é sua vida e segurança que estão sendo postos em discussão. Para aqueles que observam, trata-se de uma questão bem menos pessoal. É, porém, a própria vida de um homem que está para ser encerrada nesse momento. Victor Hugo ilustra também esse teor quando traz o seguinte (HUGO, 2010, p. 46):

Talvez esta leitura tornará suas mãos menos leves quando for mais uma vez o caso de atirar uma cabeça pensante, uma cabeça de homem, no que chamam de balança da justiça! Talvez nunca tenham refletido, os infelizes, sobre esta lenta sucessão de torturas que a fórmula expeditiva de uma sentença de morte encerra! Teriam eles jamais se detido nesta ideia lancinante de que o homem que condenam possui uma inteligência, uma inteligência que contara com a vida uma alma que absolutamente não se dispôs para a morte? Não. Eles veem em tudo isso apenas a queda vertical de uma lâmina triangular e pensam sem dúvida que para o condenado não há nada antes, nada depois.

Segundo estudos realizados por Junia Barreto, boa parte da literatura do início do século XIX enfatiza as angústias e emoções provenientes da Revolução Francesa, que produziu uma reviravolta na hierarquia social e artística (BARRETO, 2010, p. 36-37). É notável então a importância do fato histórico à obra em questão. Todo o contexto social da França da época inspirou o escritor a elaborar seu texto, abordando as minúcias que ele considerou necessário.

Percebe-se que são vários os anseios englobados no texto do escritos francês. Sua obra permitiu a reflexão sobre diversos problemas sociais, incluindo a pena de morte, tema central do livro ora abordado.

Também é possível extrair de seus escritos questões sobre o próprio Estado, o que ele representa. Estando na perspectiva do condenado, é possível sentir a insegurança causada pelo Estado protetor, pelo Estado guardador do direito. O que deve ser, pois o Estado quando na sua obrigação de zelar pela sociedade, punindo aqueles que não se adequaram a suas diretrizes? Esse tipo de questionamento é possível extrair da obra francesa, o que pode levar a evolução na própria concepção de Estado como ela é.

Victor Hugo também fez suas próprias considerações político-sociais, quando apresenta no prefácio da edição de 1832. Como exemplo, as seguintes considerações (HUGO, 2010, p. 165):

Pois é importante dizer também, nas crises sociais, entre todos os cadafalsos, o cadafalso político é o mais abominável, o mais funesto, o mais venenoso, o que é mais necessário extirpar. Essa espécie de guilhotina se enraíza no chão e, em pouco tempo, germina como um enxerto em todos os pontos do solo.

Em tempos de revolução, tenham cuidado com a primeira cabeça que cai. Ela abre o apetite do povo.

A obra em si é marcante e de grande importância para estudos voltados para essa área. Os reflexos do livro tiveram grandes dimensões, e ainda hoje são analisados o contexto histórico e social da época. Porém, em termos práticos, o grande objetivo, por assim se dizer, do texto elaborado por Victor Hugo, a abolição da pena capital, demorou muito para se realizar.

5.1 França e a pena capital na atualidade

Atualmente, a França proíbe a pena capital em sua legislação. Essa, porém, é mudança relativamente recente, se considerado o ano em que a obra em análise foi publicada. Somente em 1981 a pena de morte foi abolida, e o método utilizado ainda era a guilhotina. As execuções públicas, como a retratada em “O último dia de um condenado” findaram-se em 1939, fazendo com que as execuções fossem nas prisões. O país símbolo da defesa dos direitos humanos foi um dos últimos da então Comunidade Europeia a abolir a pena capital (DANI, 2011, online). Como mostrado a seguir (ALTMAN, 2010, online):

Em 10 de setembro de 1977, a última pessoa a ser guilhotinada foi executada na França: Hamida Djandoubi, condenado à morte por tortura e estupro seguidos de morte, foi decapitado na prisão de Baumettes, em Marselha. A pena de morte seria abolida na França em 30 de setembro de 1981. A última execução pública remontava a 1939.

Demoraram quase dois séculos depois da Revolução Francesa para que a França pusesse fim à pena de morte em seu território.

Em 2006, o então presidente francês, Jacques Chirac, declarou que a constituição francesa seria revisada para incluir oficialmente o banimento da pena de morte sob qualquer circunstância. Na época, o Conselho Constitucional francês considerou que a ratificação por parte da França do Pacto Internacional relativo a direitos civis e políticos, que pretende abolir a pena de morte, fez necessária a revisão do texto constitucional. (FRANCE PRESSE, 2006, online).

Dessa forma, de modo oficial e permanente, não há mais execuções em solo francês, não importando a natureza do crime em questão.

6 CONCLUSÃO

É evidente que a literatura está presente no âmbito jurídico. Como forma de expressão da sociedade, fomentadora de ideias e ilustradora da realidade e do imaginário, o ambiente fictício é propício para o debate de diversas temáticas, especialmente aquelas que estão próximas ao Direito, por ele próprio estar próximo à sociedade e seus anseios.

O Direito está atrás dos avanços da sociedade, como ciência conservadora que é, regulando o agora. Os escritores expõem suas ideias através dos textos literários e influenciam mentes pensantes, de forma a evoluir o modo de pensar e agir.

Busca-se, portanto, entre os dois a formação de uma sociedade futura que seja amparada e segura pelo Direito.

O livro “O último dia de um condenado”, assim como diversos outros, faz uma exposição do outro lado da execução, o lado do condenado. Ao trilhar os passos do criminoso, é explorado o sistema carcerário, as condições dos presos, as angústias de quem espera a hora da morte, transparecendo ao leitor o quão desumano é a situação apresentada. E são essas abordagens que fazem os textos literários que tornam a sociedade propensa a mudar, a exigir direitos, se educar e se valorizar.

No Brasil, os estudos relacionados a Direito e Literatura ainda são muito escassos. É, como já mencionado, uma área de pesquisa recente, embora estude obras de anos ou mesmo séculos atrás, obras essas ainda atuais em termos de estudo de sociedade. Por ser tão recente, não aderiram ainda muitos pesquisadores. Todavia, é uma área que está crescendo e desperta o interesse de estudantes e professores da seara jurídica e da própria literatura, fomentando sempre maior dedicação a essa questão.

O Direito não pode caminhar sozinho, pois precisa de uma carga de conhecimento sociológico, histórico, econômico para ser de fato efetivado. A difícil tarefa de fazer o Direito exige muito do jurista, sendo essencial que este possua entendimento de mundo para cumprir sua tarefa. Destarte, a literatura possui grande importância no estudo do Direito, tanto no âmbito acadêmico como na prática, sendo de suma importância aos estudiosos, advogados e juízes a capacidade de criação e argumentação. É um ramo que deve ser aprofundado na seara jurídica, de modo a desenvolver mais o saber do Direito.

7 REFERÊNCIAS

ALTMAN, Max. Hoje na História – 1977: guilhotina é usada pela última vez na França. Operamundi, História, 10 de setembro de 2010. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/6260/conteudo+opera.shtml>. Acesso em: 22 set. 2018.

BARRETO, Junia. Literatura e história: crime e pena capital no século 19. Revista Aletria, Vol. 20, nº 03, set/dez 2010, p. 35-46. Disponível em: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/1546>. Acesso em: 22 set. 2018.

DANI, Ana Carolina. França celebra 30 anos da proibição da pena de morte. RFI, França, 10 de outubro de 2011.Disponível em: <http://br.rfi.fr/franca/20111010-franca-celebra-30-anos-da-proibicao-da-pena-de-morte>. Acesso em: 22 set. 2018.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martin Fontes, 2001.

FERNANDES, Claudia Damian; CAMPOS, Karine Miranda; MARASCHIN, Claudio. Direito e Literatura: uma análise interdisciplinar do fenômeno jurídico a partir dos textos literários. Revista Anagrama, São Paulo, v. 2, n. 4, jun/ago, 2009, p. 1-11. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/35382>. Acesso em: 22 set. 2018.

FERRAZ, Fernando Bastos; FELIPE, Tiago José Soares. Influência da literatura no Direito e no cotidiano brasileiro. In: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, 21, 2012, Niterói. Direito, arte e literatura (Anais). Florianópolis: Funjab, 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7261925973c9bf0a>. Acesso em: 22 set. 2018.

FRANÇA. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. 1789.

FRANCE PRESSE. França vai abolir pena de morte “sob qualquer circunstância”. Folha de S. Paulo, Mundo, Paris, 03 de janeiro de 2006. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u91160.shtml>. Acesso em: 22 set. 2018.

GODOY, Arnaldo Moraes. Direito e Literatura. R. CEJ, Brasília, n. 22, p. 133-136, jul./set. 2003. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/573/753>. Acesso em: 22 set. 2018.

HUGO, Victor. O último dia de um condenado. Tradução de Joana Canêdo. 4 ed., São Paulo: Estação da Liberdade, 2010.

LIMA, Carla Sales Serra de; CHAVES, Glenda Rose Gonçalves. Dom Casmurro de Machado de Assis: uma interface entre direito e literatura. Revista Ética e Filosofia Política, Juiz de Fora, n 14, vol. 2, p. 151-163, out/2011. Disponível em: <http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2011/10/14_2_lima_chaves_10.pdf>. Acesso em: 22 set. 2018.

MARQUES JÚNIOR, William Paiva. Aspectos jurídico-hermenêuticos na análise literária de elementos dialógicos na interface de Dom Casmurro de Machado de Assis e São Bernardo de Graciliano Ramos. In: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, 21, 2012, Niterói. Direito, arte e literatura (Anais). Florianópolis: Funjab, 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=5e751896e527c862>. Acesso em: 22 set. 2018.

NADER. Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

POSNER, Richard A. Law and literature: a relation reargued. Virginia Law Review, Vol 72, nº 8, p. 1351-1392, nov/1986. Disponível em: <https://chicagounbound.uchicago.edu/journal_articles/1883/>. Acesso em: 22 set. 2018.

PRADO, Daniel Nicory do. Aloysio de Carvalho Filho: pioneiro nos estudos sobre “Direito e literatura” no Brasil?In: Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI, 17, 2008, Salvador. Direito e literatura (Anais). Salvador, 2008, p. 996-1012. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/salvador/daniel_nicory_do_prado.pdf>. Acesso em: 22 set. 2018.

SIQUEIRA, Ada Bogliolo Piancastelli de. Notas Sobre Direito e Literatura: o absurdo do Direito em Albert Camus. Vol 4. Florianópolis: Ed. Da UFSC: Fundação Boiteux, 2011. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/99608/Notas_sobre_direito_V_IV_texto1.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 set. 2018.

WARD, Ian. Law and Literature: possibilities and perspectives. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.

WHITE, James  Boyd. Legal imagination.      Chicago; London: The University of Chicago Press, 1985.

Continuar lendo
Click to comment

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos

A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações

Redação Direito Diário

Publicado

em

A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.

Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.

Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:

The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1

Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.

Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:

Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:

(…)

(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2

 No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.

Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.

Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.

Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:

Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3

 Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).

É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011; 
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19,  nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev>  Acesso em: 18. mar. 2016.

 GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130 
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed.  São Paulo: Malheiros, 2009.

HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016; 
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf>  Acesso em: 10 abril. 2016; 
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;

Continuar lendo

Artigos

O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024

Redação Direito Diário

Publicado

em

associação criminosa

A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.

Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:

Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.  

Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Elementos Característicos da Associação Criminosa

Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.

Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.

Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.

Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa

É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.

A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.

No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.

Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.

Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.

Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.

2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.

3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.

4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)

Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.

Associação Criminosa - Sentido e Validade dos Crimes Associativos

R$ 150,00
R$ 103,73
 em estoque
14 novos a partir de R$ 90,00
Amazon.com.br
atualizado em 19 de setembro de 2024 04:04

Outros Aspectos Importantes

O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.

Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).

A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.

Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.

Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.

Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.

Manual de Direito Penal - Volume Único

R$ 384,00
R$ 267,64
 em estoque
23 novos a partir de R$ 257,79
frete grátis
Amazon.com.br
atualizado em 19 de setembro de 2024 04:04

Especificações

  • Livro

Manual de Direito Penal - Parte Especial - Volume único

R$ 199,90
R$ 179,91
 em estoque
8 novos a partir de R$ 179,00
frete grátis
Amazon.com.br
atualizado em 19 de setembro de 2024 04:04

Organizações e Associações Criminosas

R$ 30,00  em estoque
6 novos a partir de R$ 30,00
Amazon.com.br
atualizado em 19 de setembro de 2024 04:04

REFERÊNCIAS: 
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
Image by Ryan McGuire from Pixabay

Continuar lendo

Artigos

A emancipação do filho adolescente no Brasil em 2024

Redação Direito Diário

Publicado

em

emancipação

A emancipação é um instituto do Direito Civil e consiste em liberar o filho menor de 18 anos da submissão do poder familiar. Ao emancipado é conferido o direito de, sozinho, gerir seus bens, contratar, distratar e praticar outros atos referentes a sua vida civil que só lhe seriam garantidos ao completar a idade de dezoito anos.

Segundo versa o Código Civil de 2002:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5 , parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Para que seja concretizada a emancipação, contudo, é necessário seguir certos procedimentos a depender da forma como se pretende realizá-la.

Assim sendo, a emancipação pode se dar de forma voluntária, judicial ou legal.

Emancipação Voluntária

A voluntária ocorre quando os dois pais concordam com a emancipação e a fazem através de instrumento público, que não necessita de homologação judicial. Possui caráter irrevogável e é necessário que o adolescente esteja com, no mínimo, dezesseis anos completos. Se um dos pais discordar acerca da medida, será necessária a homologação judicial.

Art. 5 A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; […]

Cumpre esclarecer que nesse tipo de emancipação os pais continuam a ser responsáveis pelos danos causados pelos seus filhos. Isso decorre do fato de que, além da emancipação não garantir a maturidade necessária para que o adolescente possa gerir seus atos da vida civil sem causar danos, ainda existem casos em que os pais emancipam o filho com o intuito de ficarem livres da responsabilidade pelos atos deles, o que é reprimido pelo ordenamento jurídico pátrio.

Emancipação Judicial

A emancipação judicial se dá quando o adolescente de dezesseis anos completos e sob tutela é emancipado pelo juiz, e não pelo o seu tutor.

Art. 5º, Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; […]

Essa forma se dará apenas através da via judicial, já que, por ser tutelado, o juiz teve resguardar os interesses do menor, haja vista a sua situação de pessoa em desenvolvimento sob tutela e, por si só, mais vulnerável.

Nesse contexto, é válido dizer que existe uma diferença entre a tutela e a curatela no Direito brasileiro, que é interessante você verificar.

Emancipação Legal

Já a emancipação legal acontece com o advento de algumas das hipóteses previstas pelo Código Civil. Vejamos mais uma vez o Código Civil:

Art. 5º, Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

[…]

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Assim, o diploma legal reconhece que, em determinadas circunstâncias, menores de 18 anos podem demonstrar maturidade e autonomia suficientes para gerir seus próprios interesses.

A emancipação pelo casamento, pela conquista de um emprego público, pela conclusão de um curso superior ou pela capacidade de gerir uma atividade econômica própria funcionam como forma de verificação da capacidade do jovem menor de idade assumir responsabilidades civis antes da maioridade formal.

O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que em um concurso público que estabeleça a idade mínima de 18 anos, apesar da constitucionalidade dos limites etários estabelecidos em razão da natureza e das atribuições do cargo, no caso dos autos, a obrigatoriedade de idade mínima deveria ser flexibilizada se o cargo analisado não tiver exigências que impliquem a observância rigorosa de uma idade mínima.

Vedações ao emancipado

Entretanto, apesar da emancipação permitir que o menor de idade possa estar apto para gerir as relações da sua vida civil, ela não antecipa a maioridade. Assim, ele continua sendo detentor das garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e também permanece sem poder realizar os atos que, por lei, são destinados às pessoas maiores de dezoito anos.

Assim, muito embora o adolescente emancipado possa viajar, tanto dentro do país como para fora dele, sem precisar de autorização dos pais ou tutores, não pode hospedar-se em motel, que é destinado para as pessoas com dezoito anos completos. Também não pode tirar a carteira de habilitação e nem dirigir veículo automotor, por exemplo.

Da mesma forma, o emancipado também não se submete a esfera penal, sendo as suas infrações apuradas de acordo com o previsto do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A título de curiosidade, vejamos aqui uma análise sobre a diminuição da maioridade penal.

Se a prática de algum ilícito civil ou descumprimento contratual for feito pelo adolescente emancipado resultar em alguma infração que normalmente seria julgada na esfera penal, caberá ao juiz da Infância e Juventude promover a sua apuração.

A emancipação, apesar de liberar o jovem da submissão ao poder familiar, não promove a sua imediata maturidade para todos os atos da vida. A proteção que deve ser dada pelo Estado às crianças e adolescentes abrange também os que foram emancipados, bem como não significa na total falta de responsabilidade dos pais pelos atos praticados pelos seus filhos.

Assim, antes de se optar pela concretização dessa medida, é recomendável obter a maior quantidade de esclarecimentos possível como forma de evitar arrependimentos e transtornos.

Manual de Direito Civil - Vol. Único

R$ 364,00
R$ 270,63
 em estoque
21 novos a partir de R$ 269,18
frete grátis
Amazon.com.br
atualizado em 19 de setembro de 2024 03:48

Especificações

  • Livro

Emancipação: Um Estudo sobre a Capacidade Civil de Adolescentes

R$ 80,50  em estoque
Amazon.com.br
atualizado em 19 de setembro de 2024 03:48

Especificações

Release Date 2024-04-12T00:00:00.000Z
Edition 1
Language Português
Number Of Pages 330
Publication Date 2024-04-12T00:00:00.000Z
Format eBook Kindle

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
STJ. Maioridade civil, emancipação e o entendimento do STJ. Notícias, 18 ago. 2019. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2019/Maioridade-civil–emancipacao-e-o-entendimento-do-STJ.aspx>. Acesso em 18 ago 2024.
Imagem: Mircea Iancu from Pixabay

Continuar lendo

Trending

Direito Diário © 2015-2024. Todos os direitos reservados.