Habeas Corpus e Recurso Ordinário Constitucional: Semelhanças e Diferenças

  1. Habeas Corpus e Recurso Ordinário Constitucional: Semelhanças e Diferenças

 O Habeas Corpus e o Recurso Ordinário Constitucional possuem diversos pontos semelhantes e dissonantes. A correta delimitação dessas similitudes e dessas diferenças é de suma importância para que entendamos as posições tomadas tanto pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Tendo isso em mente, passamos a analisar as semelhanças entre o Habeas Corpus e o Recurso Ordinário Constitucional. Neste quesito, podemos citar que ambos podem ser impetrados ou interpostos diretamente aos tribunais superiores do ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam o STF e o STJ.

Essa possibilidade para ambos os meios de impugnação está prevista na Constituição Federal de 1988. No que concerne ao Habeas Corpus, a sua previsão está, dentre outros casos, no que discerne à competência do STF, no art. 102, inciso II, alínea “a”, da Carta Constitucional.

Segue, aqui, a parte da Magna-Carta que trata desse assunto:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

a) (…)

b) (…)

c) (…)

d) o “habeas-corpus”, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores;[1][2][grifos nossos]

Já, no caso do STJ, o julgamento desse remédio constitucional por esse egrégio tribunal está previsto, dentre outros casos, no art. 105, inciso II, alínea “a”, da Magna-Carta.

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

a) (…)

b) (…)

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;[3] [grifos nossos]

 Outra característica semelhante do Habeas Corpus e do Recurso Ordinário Constitucional é que ambos tem como objeto próximo a proteção do direito subjetivo do impetrante ou do recorrente, sendo permitido, ainda, o debate acerca das matérias de direito e de fato, não se sujeitando a condições especiais.

A diferença principal, neste quesito, é que o Habeas Corpus possui uma abrangência menor de direitos subjetivos protegidos, sendo o principal deles o direito de livre locomoção.

Acerca disso, afirma Renato Brasileiro de Lima, que “trata-se, o habeas corpus, de ação autônoma de impugnação, de natureza constitucional, vocacionada à tutela da liberdade de locomoção.”[4]

Em sentido diverso, o Recurso Ordinário Constitucional possui uma abrangência maior de direitos subjetivos protegidos, não sendo limitados a uma proibição da análise fática do caso, como na hipótese dos recursos extraordinários. Acerca disso, Freddie Didier Júnior assevera:

Normalmente, os tribunais superiores ficam vinculados à ideia de que a sua competência recursal é extraordinária –  o que implica todas as conhecidas limitações desses  recursos em  relação  à  matéria  de  fato,  ao prequestionamento,  à admissibilidade etc.  O recurso ordinário constitucional é, como o próprio nome diz,  um recurso  ordinário,  só que dirigido  ao  STF/STJ,  que  exercerão  competência recursal sem qualquer limitação em relação à matéria fática. Pelo recurso ordinário constitucional, admite-se, por exemplo, o reexame de prova. O recurso ordinário constitucional dispensa o prequestionamento. Os tribunais superiores, aqui, funcionam como segundo grau de jurisdição.[5]

A própria jurisprudência do STF admite esse entendimento ao afirmar que “não se revela aplicável ao recurso ordinário a exigência do prequestionamento do tema constitucional que configura pressuposto específico de admissibilidade do recurso extraordinário.”[6]

A partir daqui, podemos perceber uma terceira semelhança entre a ação de Habeas Corpus e o Recurso Ordinário Constitucional, qual seja a não submissão de ambos esses meios de impugnação aos requisitos específicos de admissibilidade.

Estão, portanto, os seus recebimentos sujeitos às exigências processuais genéricas, quais sejam a tempestividade, o pagamento do preparo, dentre outras. No caso do Habeas Corpus, temos um processo ainda mais simplificado, conforme sustenta Eugênio Pacelli:

Por se tratar de questão das mais relevantes no âmbito do processo penal, porque em risco a liberdade individual, o procedimento de habeas corpus deve ser necessariamente célere e simplificado.[…] O pedido será apresentado em forma  de petição,  sem, porém, as  exigências  normalmente  destinadas  às peças  subscritas  por profissional do  Direito, na qual  se exporá fato, o nome da pessoa cuja liberdade está ameaçada, bem como da autoridade  responsável por esta.[7]

                        Continua, o professor, em sua brilhante explanação:

Assim,  e  tendo  em  vista  que  o  mencionado  instrumento constitucional deve ter  rito  célere,  de  modo  a  permitir  o  socorro  imediato  à liberdade  de locomoção atingida ou ameaçada, impõe-se,  como  regra,  que  toda a matéria de prova nele  suscitada já acompanhe  a petição que  o veicula.  Se  a prova da ilegalidade não se encontrar ao alcance do impetrante por ocasião do ajuizamento da ação, o juiz ou o tribunal poderão requisitar a documentação,  se plausível e fundada a alegação.[8]

Com isso, podemos perceber, na existência de um processo geralmente menos burocrático e mais célere, uma clara similitude entre o Habeas Corpus e o Recurso Ordinário Constitucional.

Passaremos, agora, a apreciar as principais diferenças entre esses meios de impugnação. São elas: a natureza jurídica de cada uma e a especificidade do objetivo pretendido.

No que se refere à primeira diferença, percebemos, por uma breve análise, que, enquanto o Habeas Corpus consiste em uma ação autônoma de impugnação, o Recurso Ordinário Constitucional é um simples recurso, estando a sua interposição vinculada, pois, à divulgação de uma sentença.

 Acerca da natureza jurídica do Habeas Corpus, temos as palavras de Renato Brasileiro de Lima:

[…] trata-se, o habeas corpus, de ação autônoma de impugnação, de natureza constitucional, vocacionada à tutela da liberdade de locomoção. Logo, desde que a violência ou coação ao direito subjetivo de ir, vir e ficar decorra de ilegalidade ou abuso de poder, o writ of habeas corpus servirá como o instrumento constitucional idôneo a proteger o ius libertatis do agente. Conquanto sua utilização seja muito mais comum no âmbito criminal, o remédio heroico visa prevenir e remediar toda e qualquer restrição ilegal ou abusiva à liberdade de locomoção, daí porque pode ser utilizado para impugnação de quaisquer atos judiciais, administrativos e até mesmo de particulares.[9][grifo nosso]

Já no que diz respeito à natureza jurídica do Recurso Ordinário Constitucional, fazemos nossas as palavras do renomado jusdouto Cássio Scarpinella Bueno, ao afirmarmos que:

Trata-se de “recurso de fundamentação livre”, isto é, presta-se a discutir qualquer tipo ou espécie de vício ou de erro contido no julgamento. Neste sentido, o recurso faz as vezes de verdadeira apelação, para a revisão ampla do quanto assentado na decisão recorrida, podendo o recorrente impugná-la valendo-se de qualquer fundamento, independentemente da ocorrência de questão constitucional ou legal especificamente decidida, como seria o caso se se tratasse de recurso extraordinário ou especial.[10]

Como o Habeas Corpus se trata de uma ação autônoma de impugnação, enquanto o Recurso Ordinário Constitucional consiste em um tipo específico de meio de impugnação de sentença, passaremos, agora, para a segunda diferença principal entre esses dois remédios processuais.

O Habeas Corpus, dada a sua natureza jurídica essencialmente constitucional e liberatória, tem como objetivo principal impugnar restrições ilegais e abusivas causadas, geralmente, pelo Estado. Acerca disso, assevera Nestor Távora:

O habeas corpus é uma ação penal não condenatória. […] é uma ação de conhecimento que pode visar a um provimento meramente declaratório reconhecimento da extinção da punibilidade (art. 648, VII, CPP) -, constitutivo, pela anulação da sentença ou do processo após o trânsito em julgado da sentença (are 648, VI, CPP) -, ou condenatório, hipótese em que, além da declaração da existência do direito à liberdade, também se condena nas custas a autoridade que, por má-fé ou evidente abuso de poder, determinou a coação (art. 653, CPP). […][11]

Com isso, percebemos que o Habeas Corpus não é vinculado a nenhuma decisão anterior, sendo possível a sua impetração, até mesmo, antes da ação penal condenatória propriamente dita. Acerca disso, citamos o professor Eugênio Pacelli de Oliveira:

Embora inserido  no  Código de Processo Penal  entre os recursos,  trata-se de verdadeira ação  autônoma,  cuja tramitação pode ocorrer antes mesmo do início  da ação penal  propriamente  dita  (a condenatória).  E o  simples  fato de se tratar de ação, e não de recurso, já nos permite uma conclusão de extrema relevância: o habeas corpus pode  ser impetrado tanto antes quanto depois do trânsito  em julgado  da  decisão  restritiva de  direitos.[12] [grifo nosso]

          2. Referências Bibliográficas
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 4ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª ed. – São Paulo: Atlas, 2003.
DIDIER JÚNIOR, Fredie; DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. 10ª ed. – Salvador: JusPodium, 2012.
GRINOVER, Ada Pellegrini; Cintra, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2009.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2ª ed. – Salvador: JusPodium, 2014.
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 8ª Ed. – Salvador: JusPodium, 2013.
TORON, Alberto Zacharias. A racionalidade do sistema recursal e o habeas corpus.   Revista Consultor Jurídico, 22.09.2012.
[1] Dentre as pessoas referidas nas alíneas anteriores, podemos citar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, conforme explicita a própria Constituição.
[2] Brasil. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 18 de novembro de 2014.
[3] Brasil. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 18 de novembro de 2014.
[4] BRASILEIRO, Renato. Op. Cit., pág. 1669.
[5] DIDIER JÚNIOR, Fredie; DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil, p. 261.
[6] (Ag 145.395/SP, AgRg, 1ª T. STF, rei. Min. Celso de Mello, em 25.11.1994, p. 32.304).
[7] PACELLI. Eugênio de Oliveira. Op. Cit., p. 1040-1041.
[8] PACELLI. Eugênio de Oliveira. Op. Cit., p. 1021.
[9] BRASILEIRO, Renato. Op. Cit., p. 1669.
[10] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, p. 224.
[11] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, p. 1165.
[12] PACELLI. Eugênio de Oliveira. Op. Cit., p. 1021.

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