Trata-se de um cabo de guerra, estando de um lado o artigo 227 da Carta Magna, que escancara a absoluta prioridade do direito à vida das crianças e adolescentes diante do choque com outras normas, bem como o dever dos pais, da sociedade e do Estado de protegê-los de toda forma de negligência; os artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente de onde a doutrina extraiu o princípio da proteção integral, que tem como base os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse do menor; o artigo 5º da LINDB que orienta o magistrado a atender sempre os fins sociais da lei pensando nas exigências do bem comum; e ainda o artigo 96 do CC/02 que tipifica as benfeitorias, sendo possível enquadrar as redes de proteção como benfeitorias necessárias a um imóvel.
Do outro lado puxam a corda do cabo de guerra os condôminos apegados ao artigo 1.336 do CC/02 que expõe ser dever do morador não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas, e, também, ao artigo 10 da Lei do Condomínio Edilício que explica ser proibido alterar a forma externa da fachada, prevendo multa para os que desobedecerem a regra, bem como permitindo exceções à regra na hipótese de aceitação unânime dos condôminos.
Resta notório que, ainda que as redes de proteção, de cor padrão, fixadas de maneira permanente nos vãos e janelas do prédio para salvaguardar crianças da morte por queda, alterassem a fachada, o ordenamento jurídico dá explícitas coordenadas para que se atenda o direito fundamental à vida e à segurança de vulneráveis em detrimento de qualquer outra norma inferior.
Além disso, a própria lei abre uma exceção à regra, permitido verdadeiras obras cujo fito seja realmente estético, para alterar a fachada, na hipótese de aceitação unânime, o que evidencia o raciocínio lógico de que quem pode o mais pode o menos, vez que no caso da instalação de uma mera rede de proteção não há necessidade de obra, nem tampouco de unanimidade por se tratar de direito fundamental.
É que quando se lida com a vida de crianças a lógica da unanimidade se inverte, bastando a existência de uma única criança morando no condomínio para que seja este obrigado a autorizar a instalação destas telas de nylon onde quer que for.
Por fim, se faz necessário o estudo sobre o conceito de “fachada”:
Em engenharia ou arquitetura, ou seja, em termos mais técnicos, fachada é tudo o que compõe a área externa visível das faces de um imóvel, destacando-se, aqui, os condomínios. A fachada principal, via de regra, é a frontal, mas fachada é o todo, pois também são as laterais e a posterior (não frontal) (FITTIPALDI. Fachada: Conceito basilar, dúvidas costumeiras e orientações sucintas)
Curiosa é a reflexão a respeito das convenções que permitem a instalação de redes de proteção somente nos vãos e janelas localizados dentro das unidades de apartamento, proibindo a instalação das mesmas redes nos locais igualmente perigosos localizados no hall (área comum) do prédio.
Ora, ainda que aceitássemos que a discussão em pauta versa puramente sobre estética e não sobre um direito fundamental, há de se concordar que se é possível excepcionar a regra permitindo a rede de proteção em algumas das faces do prédio, por exemplo, na face frontal que normalmente é a varanda e as janelas pertencentes às unidades, porque não permitir nas demais?
Se fachada é um termo que engloba as quatro faces deve-se permitir em todas as faces ou proibir em todas elas, levando sempre em conta o bom senso e o valor de um bem jurídico em contraposição a outro.
A verdade é que a solicitação de alguns moradores para que o condomínio autorize a instalação de redes de nylon nada tem a ver com obra e não diz respeito à alteração no formato, cor ou esquadrias da fachada.
Salta aos olhos que os dois dispositivos comumente utilizados pelos condomínios, quais sejam o artigo 1.336 do CC/02 e o artigo 10 da Lei 4.591/64, foram criados pelo legislador para regulamentar apenas as intervenções estéticas, de forma que a jurisprudência é farta de decisões em prol da segurança das crianças e adolescentes.
Ementa: CIVIL. CONDOMÍNIO. TELA DE PROTEÇÃO. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. ALTERAÇÃO DE FACHADA. NÃO OCORRÊNCIA. AUMENTO DE SEGURANÇA. TELA APROVADA PELOS CONDÔMINOS. UNIDADE ARQUITETÔNICA MANTIDA. RAZOABILIDADE. 1. É de se ver que a tela de proteção sob análise foi instalada na parte interna do prédio e, portanto, não há ofensa ao inciso III do artigo 1.336 do Código Civil . O simples fato de a alteração poder ser vista, de forma extremamente discreta, pelo lado de fora, não configura alteração de fachada, desde que mantida a unidade arquitetônica. 2. A instalação de rede de proteção em ambiente interno, ainda que localizada na área comum, não oferece qualquer incômodo ou inconveniente aos demais condôminos e, se operado juízo de ponderação em relação ao benefício trazido pelo aumento da segurança das crianças que habitam e que frequentam aquele espaço, é medida razoável e oportuna, senão recomendável. 3. Recurso desprovido. Sentença mantida. (Tribunal: TJ-DF; Processo: Apelação Cível nº 20130111924668; Relator(a): Maria de Lourdes Abreu; Julgamento: 30/04/2015; Órgão Julgador: 5ª Turma Cível; Publicado no DJE: 19/06/2015 . Pág.: 201)
Nessa luta o lado vencedor não é quem tem mais força e sim quem tem menos, as crianças, pois o bem jurídico tutelado pela instalação destas redes de proteção, consideradas benfeitorias necessárias em um andar onde residem menores de 12 (doze) anos, é constitucionalmente mais importante que o devaneio estético da preservação da fachada do imóvel. Ademais é importante ter em mente que a essência do direito contemporâneo repousa sempre na razoabilidade e ponderação diante das circunstâncias.
Referências Das grades, telas de proteção, películas solares e outras regulamentações dos condomínios.http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/artigos/112384706/das-grades-telas-de-protecao-peliculas-solares-e-outras-regulamentacoes-dos-condominios?ref=topic_feed (acessado em 13/02/2016) Alteração de fachada. http://www.sindiconet.com.br/296/Informese/Alteraao-de-fachadas (acessado em 13/02/2016) Alteração de fachada nos condomínios e o alcance da regra do art. 1.336, III, do CC/2002.https://jus.com.br/artigos/26269/alteracao-de-fachada-nos-condominios-e-o-alcance-da-regra-do-art-1-336-iii-do-cc-2002 (acessado em 13/02/2016) Alteração de fachadas em condomínios.http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/alteracao-de-fachada-em-condominios/1065/(acessado em 12/02/2016) FACHADA – Conceito basilar, dúvidas costumeiras e orientações sucintas. http://condominiodofuturo.com/2013/04/15/fachada-conceito-e-duvidas/(acessado em 12/02/2016)