No dia 22 de junho de 2012, o então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, foi destituído de seu cargo em um processo de impeachment que durou somente vinte e quatro horas. Este processo culminou em uma crise política e institucional no âmbito do Mercosul, ocasionando na suspensão do Paraguai das atividades relacionadas a este bloco econômico.
Inicialmente, o Paraguai buscou recorrer ao Tribunal Permanente de Revisão, invocando os artigos 1º e 24 do Protocolo de Olivos. Estipulam esses dispositivos jurídicos:
Artigo 1 Âmbito de Aplicação:
As controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no presente Protocolo. […]
Artigo 24 Medidas Excepcionais e de Urgência:
O Conselho do Mercado Comum poderá estabelecer procedimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência que possam ocasionar danos irreparáveis às Partes.
Conforme estipula o próprio laudo arbitral exarado por aquela corte, a contestação, apresentada conjuntamente por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, alegou a incompetência material do Tribunal Permanente de Revisão para julgar o mérito. Neste sentido, temos o seguinte excerto do laudo arbitral, in verbis:
A contestação, apresentada de maneira conjunta por Argentina, Brasil e Uruguai dentro do prazo previsto na Decisão 23/04 e assinada pelos Ministros de Relaciones Exteriores da Argentina e do Brasil e pelo Subsecretário de Relações Exteriores do Uruguai, menciona, como primeira questão preliminar, a incompetência ratione materiae do TPR em razão da natureza política da decisão atacada no marco do PU e da natureza comercial do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL.
Apesar da tentativa paraguaia, o Tribunal Permanente de Revisão indeferiu os pedidos daquele país, por considerar que a corte não possuía competência para julgar a decisão dos Estados-parte em relação a suspensão paraguaia. Acerca desta decisão, Ribeiro e Diz (2015, p.102), citando Mata Diz e Lima, asseveram:
Conforme recordam MATA DIZ e LIMA (2012, p. 264-265), o Paraguai tentou recorrer ao Tribunal Permanente de Revisão –TPR-, em procedimento excepcional de urgência, contra a suspensão, mas este considerou que o recurso não se aplicaria. Destacam as autoras a resposta concedida pelo tribunal: “Conclui-se que os requisitos indicados devem estar presentes, de forma cumulativa, para que o TPR possa entender ser um caso excepcional de urgência. Neste sentido, ao observar-se o texto da Decisão 23/04, se evidencia que a presente controvérsia não trata de “bens perecíveis, estacionais, retidos injustificadamente no território do país demandado”, nem de “bens destinados a atender demandas originadas em situações de crises no Estado Parte importador”. Esse requisito é insolvável na configuração da competência originária do TPR, em matéria de medidas excepcionais de urgência (…) não pode o TPR substituir a vontade dos Estados, manifestada nos requisitos essenciais da Decisão 23/04, que limitam a competência do TPR em relação ao procedimento excepcional de urgência. Como consequência, não pode o TPR decidir a matéria com base no procedimento excepcional de urgência.” (tradução das autoras)
Além do excerto oferecido pelas autoras, afigura-se de relevância o seguinte excerto do laudo arbitral exarado pela TPR referente à suspensão paraguaia:
Nesse sentido, a tese sustentada pelos demandados (ver parágrafo 32 supra) é relevante, sobretudo ao se considerarem as repercussões que uma eventual decisão nesta controvérsia poderia ter tanto para o Paraguai quanto para a ordem interna dos Estados Parte. A estrutura normativa do MERCOSUL não cria uma ordem supranacional que possa substituir a vontade soberana dos Estados que a compõem, o que se manifesta também nos tratados internacionais que assinam e nas decisões adotadas em conseqüência.
A existência de um tribunal que se intimida frente às decisões políticas dos Estados-parte do Mercosul não significa a criação de uma ordem supranacional que afronte à soberania dos integrantes daquele bloco econômico. A crítica que se faz, aqui, portanto, é em relação à falta de uma decisão de mérito por parte do Tribunal Permanente de Revisão.
Neste sentido, tem-se que esta decisão não somente enfraqueceu o Protocolo de Olivos, como também, obstacularizou ainda mais a integração econômica que aquele acordo internacional poderia proporcionar.
Outra consequência negativa dessa decisão do Tribunal Permanente da Revisão foi o menosprezo à institucionalização do Direito no âmbito do Mercosul. Ao decidir que aquela corte não possuía competência para julgar atos políticos referentes a este bloco econômico, o TPR mitigou um dos principais benefícios que este livre-mercado tem em um sistema robusto de solução de controvérsias.
Acerca deste benefício, Gomes (2006, p. 2) aduz:
Uma das maiores dificuldades em um processo de integração é a adoção de políticas comuns, por parte dos seus sócios, que visem o desenvolvimento do bloco econômico. Isto ocorre porque, muitas vezes, existem interesses divergentes, quer econômicos, políticos, sociais, culturais, dentre outros que podem dificultar o processo. A existência de instituições permanentes e de um próprio tribunal permanente pode garantir o sucesso de um bloco econômico, notadamente devido à diminuição da interferência política nas decisões as quais passam a ser mais “institucionalizadas”, isto é têm um procedimento próprio a ser seguido, garantindo-lhes maior juridicidade e, consequentemente maior segurança na construção do processo de integração.
Pode-se dizer, pois, que a falta de uma decisão de mérito por parte do Tribunal Permanente de Revisão prestou um desserviço não somente àquela corte, mas também à própria integração do Mercado Comum do Sul.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVA, Lauriana de Magalhães. Direito Internacional Dos Investimentos E Tratados Internacionais Contra Dupla Tributação Da Renda. In: Revista do Mestrado da Universidade Católica de Brasília. UCB, vol. 2. Nº 1. p. 42-70. Agosto de 2008. Disponível em: http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/viewFile/2593/1584. Acesso em 30 mar. 2016. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. MOSES, Margareth. The principles and practice of International Commercial Arbitration. 2. ed. rev., atual. e ampl. – London: Cambridge, 2012. PORTELA, Paulo Henrique. Direito Internacional Público e Privado. 7ª ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: Jus Podvum, 2015. RUBINO-SAMMARTANO, Mauro. International Arbitration: law and practice. 2ª ed. – The Hague: Kluwer Law International, 2001. SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de Arbitragem, Conciliação e Mediação – 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.