É possível aplicar o regime de precatórios às sociedades de economia mista?

A questão envolvendo as sociedades de economia mista é muito importante para àqueles que desejam prestar concursos públicos mais específicos, como os de advocacia e de defensoria pública.

Com efeito, no último Informativo 858 do Supremo Tribunal Federal, obtemos a resposta a indagação inicial.

Antes, no entanto, uma pequena digressão:

O Art. 100 da CF/88 prevê que, se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada por sentença judicial transitada em julgado a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime especial chamado de “precatório”. Senão vejamos:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Como se percebe, os precatórios são um privilégio concedido à Fazenda Pública, principalmente ao considerar que ela não pagará imediatamente o valor para a qual foi condenada.

Então, afinal, quem tem o privilégio, dentro da Administração Pública, de pagar por meio de precatórios?

A Constituição, como acima mencionado, reporta-se ao termo “Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais”, o que incluem:

  • A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (administração direta);
  • As autarquias;
  • As fundações;
  • As empresas públicas prestadoras de serviço público (Ex: Correios);
  • As sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial.

A controvérsia gira entorno de as sociedades de economia mista, que são pessoas jurídicas de direito privado, formadas majoritariamente com capital público, mas, também, possuindo capital privado, poderem aderir, em virtude dessas características, ao regime de precatórios.

E o STF pacificou o tema com a seguinte redação, essa trazida pelo Informativo 858:

É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858)

Note-se que, ao pacificar o tema, o Supremo fez uma distinção muito clara: aplica-se o regime de precatórios às sociedades de economia mista que:

  1. Sejam prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado; e
  2. Que tenham natureza não concorrencial

Em outras palavras, segundo o Supremo Tribunal Federal, para que a sociedade de economia mista goze dos privilégios fazendários, é necessário que ela não atue em regime de concorrência com outras empresas e que não tenha objetivo de lucro:

(…) Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). (…) (STF. Plenário. RE 599628, Rel. Min. Ayres Britto, Relator p/ Acórdão Min. Joaquim Barbosa, julgado em 25/05/2011).

Assim, se a sociedade de economia mista atuar em mercado sujeito à concorrência ou permitir a acumulação ou distribuição de lucros, neste caso ela se submeterá ao regime de execução comum aplicável às demais empresas do setor privado.

Alguns exemplos, estes bem elencados pelo portal Dizer o Direito, do mestre Márcio André, são imprescindíveis colacionar:

  1.  Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) Trata-se de uma sociedade de economia mista prestadora de serviços de abastecimento de água e saneamento que presta serviço público primário e em regime de exclusividade. O STF entendeu que a atuação desta sociedade de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, já que ela não tem objetivo de lucro e o capital social é majoritariamente estatal. Logo, diante disso, o Supremo reconheceu que ela tem direito ao processamento da execução por meio de precatório. STF. 2ª Turma. RE 852302 AgR/AL, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2015 (Info 812).

  2. Empresa de Gestão de Recursos do Estado do Piauí S/A (EMGERPI) A EMGERPI é uma sociedade de economia mista voltada à capacitação e redistribuição de servidores para órgãos e entidades da Administração Pública estadual. Tem como finalidade prioritária gerenciar recursos humanos da Administração Pública estadual, na medida em que seu objeto social é capacitar, aperfeiçoar, absorver, redistribuir e ceder pessoal para órgãos e entidades da Administração Pública do Piauí. Neste caso, o STF entendeu que a EMGERPI não exerce atividade econômica em regime de concorrência, devendo, portanto, ser submetida ao regime de precatório. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858).

No caso concreto envolvendo a EMGERPI, a Justiça do Trabalho condenou a empresa a pagar determinadas dívidas trabalhistas e, como estas não foram quitadas, o magistrado determinou a penhora de valores contidos na conta única do Estado do Piauí (sócio majoritário).

O STF cassou a decisão afirmando que a execução deveria seguir o rito dos precatórios e que a penhora efetuada poderá comprometer as finanças do Estado, além de acarretar dificuldades na execução de políticas públicas.

O Min. Gilmar Mendes destacou que a decisão do magistrado afronta diretamente o regime de precatórios estabelecido no art. 100 da CF/88 e também os princípios constitucionais da atividade financeira estatal, em especial o da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88).

Além disso, a referida ordem de bloqueio constitui interferência indevida, em ofensa aos princípios da independência e da harmonia entre os Poderes (art. 2º, da CF/88).

 

Fontes: 
https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2017/04/info-858-stf3.pdf;
http://www.stf.jus.br/portal/informativo/informativoSTF.asp

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