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A Responsabilidade Civil dos Médicos nos Casos de Doping – Análise em Âmbito do Direito Brasileiro
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 por Bianca CollaçoNome do autor: Bertrand de Araújo Asfora Filho – Bacharelato em Direito -UNIFACISA; Pós-Graduando em Direito Tributário – PUC/MG; Mestrando em Direito Público – Universidade Nova de Lisboa – Portugal. E-mail: [email protected]
Área do Direito: Direito civil; Direito do Desporto
RESUMO: Em virtude dos inúmeros casos de doping , é importante discutir acerca da responsabilidade do corpo de apoio do atleta de alto rendimento, uma vez que há uma clara discussão acerca da responsabilidade civil dos médicos, seguindo a premissa de que cabe aos técnicos zelar pelo bem estar de seus atletas e cabe aos médicos assegurar aos atletas quanto às substâncias utilizadas em seus tratamentos e quando não houver alternativa para o uso de substância proibida, deve dizer ao atleta que fique afastado de competições por período suficiente para que a substância saia do sistema do atleta.
Com isso, o presente artigo tem o objetivo de analisar a doutrina e jurisprudência acerca do caso para delimitar o limite legal para a responsabilização dos médicos nos casos de doping nos esportistas.
PALAVRAS CHAVES: Desportistas. Doping. Responsabilidade Civil dos Médicos.
ABSTRACT: Due to doping cases, it is important to debate the responsibility of the high-income individual, since there is a discussion about the civil liability of doctors, following a premise about the zelt’s head for well-being it must predict what has to be the target of competitions for a period sufficient for a substance to leave the athlete’s system. With this, the objective of this article is to analyze the jurisprudence on doping cases in sportsmen and women.
KEYWORDS: Sportsmen. Doping. Medical Liability of Doctors.
Sumário: 1. Introdução. 2. Doping. 2.1 Código Brasileiro de Antidopagem. 3. A Responsabilidade Civil. 3.1 A Responsabilidade Civil dos Médicos. 3. Processo Administrativo Disciplinar. 4. Conclusão. Referências
1.INTRODUÇÃO
Inicialmente é importante mencionar que os atletas de alto nível são submetidos, quase cotidianamente, a testes antidoping com o intuito de respeitar as regras estabelecidas nos esportes que praticam.
Com isso, os atletas buscam auxílio de médicos capacitados, com experiência no cuidado com atletas, com o intuito de não administrar substâncias proibidas que possam resultar em punições ao atleta.
Visto isso, é meritório entender que o doping é o uso de drogas ou de métodos específicos que visam aumentar o desempenho de um atleta durante uma competição.
Certo da melhora no desempenho físico e tão antigo quanto à história da humanidade, o doping vem se tornando cada vez mais frequente, no Brasil e no mundo (Abrahin et al., 2013).
O uso de qualquer droga ou medicamento que possa aumentar o desempenho dos atletas, durante uma competição, é chamado de DOPING (World Anti-Doping Agency, 2002 e 2003) que, além de trazer grandes riscos à saúde, também é considerado antiético, na medida em que não propicia igualdade de condições nas periodizações de treinos e competições entre os atletas (Costa et al., 2005).
De acordo com a Agência Mundial Antidoping (AMA) e do Comitê Olímpico Internacional (COI), que caracterizam as infrações dos códigos éticos e disciplinares podendo ocasionar sanções aos atletas, técnicos, médicos e dirigentes, fazem parte da lista de drogas ilícitas: substâncias como agentes anabólicos, hormônios peptídicos, fatores de crescimento e substâncias afins, beta-2 agonistas, antagonistas de hormônios e moduladores, diuréticos e outros agentes mascarantes, além de estimulantes, narcóticos, canabióides e glicocorticoides.
Entre os métodos proibidos, constam o aumento da transferência de oxigênio (aumento artificial da captação de oxigênio, manipulação do sangue para aumentar a taxa de transporte de oxigênio), manipulação química e física e doping genético; algumas substâncias são específicas para alguns esportes como, por exemplo, álcool e beta-bloqueadores (COB, 2011).
Ocorre que, em certas ocasiões os médicos pessoais dos atletas são os responsáveis por administrar certas substâncias nos organismos dos atletas, algumas vezes com a intenção de provocar o aumento de desempenho, outras por descuido das medicações.
Em ambos os casos há uma clara discussão acerca da responsabilidade civil dos médicos, seguindo a premissa de que cabe aos técnicos zelar pelo bem estar de seus atletas e cabe aos médicos assegurar aos atletas quanto às substâncias utilizadas em seus tratamentos e quando não houver alternativa para o uso de substância proibida, deve dizer ao atleta que fique afastado de competições por período suficiente para que a substância saia do sistema do atleta.
Com isso, é possível analisar a doutrina e jurisprudência acerca do caso para delimitar o limite legal para a responsabilização dos médicos nos casos de doping nos esportistas.
- DOPING
Inicialmente é importante discutir o doping para depois, com maior compreensão sobre o assunto, adentrar na possibilidade ou não de responsabilização dos médicos.
Doping é caracterizado pelo uso de substâncias que podem alterar a resposta do corpo frente a um estímulo. Na maior parte dos casos, o doping é realizado por pessoas que pretendem potencializar seu rendimento, força, agilidade ou até mesmo perda de peso.
A maior parte de pessoas que buscam o doping são atletas de alto rendimento. Em geral, o doping é realizado na busca por potencializar ganhos que para aquele indivíduo, fisiologicamente já foi atingido em seu máximo, como aumentar força, tolerância à fadiga, aumentar a velocidade de recuperação de lesão tecidual gerada pelo exercício, entre outros.
O uso ilícito de substâncias – medicamentos e hormônios – como artifício para ganhar competições esportivas é muito antigo. Já nos Jogos Olímpicos da Grécia, cerca de três séculos antes de Cristo, havia uma regulamentação para evitar que os competidores tivessem o baço arrancado. Acreditava-se que com o esforço físico dos maratonistas, este órgão poderia endurecer e prejudicar o resultado.
Ao mesmo tempo em que as substâncias e os fármacos são aprimorados para passarem despercebidos nos exames de urina e de sangue feitos nos atletas, os próprios métodos de detecção também se sofisticam.
Assim, é difícil haver dúvida nos resultados, conforme explica Jair Rodrigues Garcia Junior, professor do curso de Educação Física da Universidade do Oeste Paulista (Uno este), ainda que algumas substâncias sejam parecidas com as produzidas pelo corpo humano. “As mulheres, por exemplo, também produzem hormônios masculinos, porém, em pequenas quantidades. Quando elas usam esteroides para aumentar a força muscular, os exames detectam a quantidade de hormônio artificial no corpo, porque a excreção na urina é diferente da natural “, afirma o professor.
A dificuldade em combater o doping se dá também porque praticamente todas as substâncias utilizadas são de uso médico, vendidas com receitas controladas. “Um paciente com câncer, por exemplo, usa hormônios para recuperar a força muscular”, explica Jair. Isso significa que por trás do doping, há sempre alguém que está descumprindo a lei e vendendo esses medicamentos sem o controle médico devido.
Ou seja, é possível que um médico que acompanha um atleta de alto nível, administre uma substância ilegal, capaz de melhorar o rendimento do atleta.
É de suma importância entender que, no caso de responsabilização do médico, é necessário preencher alguns requisitos para sua caracterização.
Além disso, só o atleta poderá ajuizar ação de responsabilização contra o médico, ou seja, caso o médico aplique uma substância ilegal, sem conhecimento do atleta, ou uma dosagem superior, ou o médico não tenha conhecimento acerca da substância, mas mesmo assim, aplique a medicação no atleta, infringindo as normas do Código Brasileiro de Antidopagem.
Isso quer dizer que há uma possibilidade civilmente de responsabilização do médico nos casos de doping, mas como já mencionado anteriormente, é necessário o preenchimento de alguns requisitos, que serão discutidos adiante.
Entretanto, antes de adentrar na discussão da responsabilidade civil, é importante ressaltar o Código Brasileiro de Antidopagem.
2.1 CÓDIGO BRASILEIRO DE ANTIDOPAGEM
O Código Brasileiro Antidopagem regula a Luta contra a Dopagem no Esporte no Brasil, contribuindo para a sua harmonização mundial e para a eficácia e eficiência do Programa Mundial Antidopagem.
Foi elaborado para dar cumprimento à decisão do Conselho Nacional do Esporte, na 29ª Reunião Ordinária, realizada no dia 16 de junho de 2015 de internalizar o Código Mundial Antidopagem de forma a promover a harmonização legal com o Código Mundial Antidopagem.
É de natureza distinta das leis penais e civis do país. Os Órgãos da Justiça Desportiva Antidopagem – JAD, ao aplicarem em caso concreto estas regras, devem estar cientes e respeitar a natureza distinta deste Código que, por ser elaborado em conformidade com o Código Mundial Antidopagem, representa o consenso de uma vasta gama diversificada de partes interessadas ao redor do mundo, como é necessário para proteger e garantir o Esporte Limpo.
No caso do presente trabalho é de suma importância ressaltar em específico o artigo 100 do Código, veja-se:
“Da Eliminação do Período de Suspensão por Ausência de Culpa ou Negligência
Art. 100. Quando um Atleta ou outra Pessoa provar Ausência de Culpa ou Negligência, o período de Suspensão de outro modo aplicável será eliminado.
II – caso de Administração de Substância Proibida pelo médico pessoal, ou treinador do Atleta, sem conhecimento do Atleta; III – caso de sabotagem da comida ou bebida do Atleta pelo cônjuge, treinador ou outra Pessoa dentro do círculo social do Atleta.”
Como visto, no caso do médico pessoal administrar uma substância proibida, sem o devido conhecimento do atleta, o atleta de alto rendimento poderá ter a suspensão excluída.
Importante que, embora exista a previsão de exclusão da responsabilização do atleta por má fé do médico, o código brasileiro de antidopagem não abrangeu a responsabilização do médico, sendo assim, abre duas possibilidades: o atleta pode pedir a responsabilização civilmente contra o profissional liberal e tanto quanto o Conselho Federal, como o Conselho Regional de Medicina pode abrir um processo administrativo disciplinar com o objetivo de apurar falhas no tratamento com o paciente.
- A RESPONSABILIDADE CIVIL
Importante ressaltar que vamos analisar a responsabilidade civil dos médicos em casos gerais, para depois delimitar em relação aos dopings dos atletas de alto rendimento.
Meritório transcrever os artigos do Código Civil brasileiro que traz as possibilidades de indenização pelo instituto da responsabilidade civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Para que seja configurada a responsabilidade civil é preciso que estejam presentes alguns requisitos, são eles: conduta, dano, nexo causal e culpa(este somente aplicável somente a uma modalidade)
Ou seja, deve acontecer um fato(por ação ou omissão do agente) que cause dano a outra pessoa, devendo existir relação entre o fato e o dano(nexo causal), e, em alguns casos, deverá ser comprovada a culpa.
A culpa pode se caracterizar no casos em que houve a intenção de causar o dano – chamado de “dolo”- Ou quando o agente atuou com negligência, imprudência ou imperícia.
A negligência acontece quando a pessoa sabe que deve ter determinada atitude, mas deixa de fazer o que era necessário. Por exemplo, quando o empregador deixa de fornecer equipamentos de proteção individual para os empregados.
Já a imprudência se configura quando a pessoa deixa de cumprir as regras que teriam evitado o fato ou quando age sem cautela. É o caso de um acidente por excesso de velocidade.
Por fim, a imperícia ocorre pela falta de qualificação ou ausência de conhecimentos do profissional para realizar determinada atividade. Acontece, por exemplo, quando o dano é causado pelo despreparo do operador para trabalhar com determinado equipamento.
Visto isso, é importante mencionar que a doutrina separa a responsabilidade civil em Objetiva e Subjetiva, veremos a diferença:
- Responsabilidade Civil Objetiva: É aquela em que a lei dispensa a produção de prova a respeito da culpa. Porém, na origem é normal que se tenha um ato culposo. A lei apenas estabelecerá não ser necessária a produção de prova acerca dessa culpa. Desta forma, é errado dizer que responsabilidade objetiva é aquela em que não há culpa. Em verdade, responsabilidade objetiva é aquela em que não há necessidade de discussão do elemento culpa. Ou seja, tem como requisitos a conduta, o dano e o nexo causal, sendo assim, o causador dano deverá indenizar a vítima mesmo que não seja comprovada a culpa.
- Responsabilidade Civil Subjetiva: Na responsabilidade subjetiva é necessário comprovar a conduta, o dano, o nexo causal e a culpa do agente. Desse modo, o causador do dano só devera indenizar a vítima se ficar caracterizada a culpa.
Para Maria Helena Diniz, a responsabilidade objetiva baseia-se no Princípio da Equidade (aquele que lucra com um acontecimento deverá responder pelos riscos e desvantagens dele resultantes) e prima pela ideia de que seu fundamento está na atividade exercida, pelo perigo de dano à vida, à saúde ou a outros bens de terceiros.
De acordo com Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 12), a responsabilidade subjetiva atinge aquele que é suscetível de ser punido pelos seus atos. É a atuação ou omissão, com culpa ou dolo, somada à prova inequívoca de que o agente agiu de forma a causar o dano.
Conforme dita o ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho:
“A formulação desse juízo de reprovação desdobra-se em dois momentos sucessivos: 1. É necessário que o agente, no momento em que agiu, tenha capacidade de entender o que está fazendo e determinar-se de acordo com esse entendimento; 2. Que a sua conduta tenha se desviado do comportamento dele exigível. O primeiro momento nos leva à imputabilidade, o segundo a culpa.”
Assim, a responsabilidade subjetiva não decorre apenas da prática de uma conduta, nem do simples fato lesivo, exige uma conduta passível de reprovabilidade social.
Com a breve análise da responsabilidade civil no âmbito do direito brasileiro, passamos a analisar a responsabilidade civil dos médicos de forma geral, segundo a doutrina e jurisprudências brasileiras.
3.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS
Inicialmente é importante ressaltar que o relacionamento médico-paciente é considerado no âmbito do direito brasileiro, uma relação de consumo e, portanto, está regida pelo Código de Defesa Do Consumidor, precisamente no art. 14 do Código.
Embora o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 14, que a responsabilidade do fornecedor do de produtos ou serviço seja objetiva, entretanto em relação aos profissionais liberais, o Artigo 14 parágrafo 4.º do CDC determina, corretamente, que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Isto se aplica a médicos, dentistas, advogados, fisioterapeutas, veterinários, entre outras categorias profissionais. Tal determinação legal ocorre porque a atividade dos médicos é uma obrigação de meio, e não de resultado; explicando, ao assumir o tratamento de um paciente o médico se obriga a prestar-lhe todos os cuidados e recursos necessários e possíveis, dentro da sua capacidade, conforme o que a medicina dispuser, em nenhum momento o médico se obriga a curar o paciente, até mesmo porque sabemos que há casos em que a cura não será possível.
Assim, a relação médico paciente é uma obrigação contratual, em que o médico assume a responsabilidade de cuidar do paciente da melhor e mais competente forma possível, jamais de curá-lo ou de devolver-lhe a saúde.
Para que o médico seja responsabilizado civilmente e tenha obrigação de indenizar um paciente ou sua família, necessário se faz comprovar que tenha agido com culpa.
MARIA HELENA DINIZ (2.002, p. 40): “A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de um fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido restrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.”
Em outras palavras, o dolo é a vontade livre e consciente de praticar o comportamento comissivo ou omissivo que representa infração a uma obrigação contratual ou extracontratual.
Para que o comportamento doloso seja punível, é necessário que o agente conheça o caráter ilícito do seu comportamento e que consiga determinar-se diante dele. Na culpa em sentido estrito inexiste qualquer deliberação. O agente viola direito e causa dano porque não adota diligências necessárias para a execução de determinada atividade, agindo com imprudência, negligência ou imperícia.
Negligência é não ter a devida atenção, diligência e cuidado para com o paciente, como no caso, infelizmente não tão raro de gazes e objetos esquecidos no corpo do paciente após uma cirurgia.
Imprudência é não agir com a devida precaução, como por exemplo, usar de tratamentos arriscados desnecessariamente ou ainda não efetivamente testados e de eficácia comprovada.
Já imperícia é o exercício de alguma atividade para a qual não se está devidamente qualificado e capacitado, com é o caso de profissionais médicos não habilitados para a prática de cirurgias estéticas, as praticando e ocasionando até mesmo deformidades nos pacientes.
Caso seja comprovada a culpa do profissional médico, e, para isso é necessário um devido processo legal, garantida a ampla defesa, aí sim, e somente aí será o médico obrigado a indenizar o paciente ou a seus familiares.
Mas há uma exceção a essa regra, um caso em que o médico responde objetivamente, que é o caso da cirurgia plástica estética. Isso ocorre porque, ao contrário da atividade médica tradicional neste caso se tem uma obrigação de resultado e não de meio.
Ao procurar um cirurgião plástico, para, por exemplo, corrigir determinado defeito físico, o paciente espera um resultado estético, resultado este que o profissional médico se compromete a atingir, logo é um caso diverso, e não sendo o resultado esperado pelo paciente, este pode acionar judicialmente o médico pleiteando uma correção ou uma reparação por danos físicos, estéticos e morais.
No caso em questão do presente trabalho, os médicos que acompanham os atletas de alto rendimento, também são profissionais liberais, se enquadrando, portanto no requisito para a responsabilização mediante negligência, imprudência e imperícia.
Importante mencionar que, embora exista previsão legal para responsabilização dos médicos na área civil, esses profissionais liberais também podem responder administrativamente, no caso brasileiro, através de processo disciplinar instaurado pelo Conselho Regional de Medicina.
3.2 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
Em primeiro lugar, é importante destacar que o processo ético-profissional se limita, exclusivamente, à análise dos fatos sob a ótica do Código de Ética Médica e é de competência dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e, em última instância, do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Portanto, as implicações no âmbito cível ou mesmo criminal são independentes, ainda que decorrentes dos mesmos fatos.
Em segundo lugar, o médico deve ter em mente de uma forma muito clara que vir a ser chamado a responder a um processo ético-profissional não equivale à presunção de culpa. Trata-se, tão somente, de procedimento para apurar sua conduta à luz dos preceitos éticos da profissão, sendo-lhe garantidos todos os direitos constitucionais para sua defesa.
Lançadas estas duas premissas, passemos a uma análise do processo ético-profissional em si de uma forma simples e objetiva.
Qualquer procedimento se iniciará a partir de uma denúncia, que poderá ser feita de ofício (ou seja, por iniciativa própria do CRM) ou, de forma mais comum, pela pessoa interessada na instauração do processo: o paciente, um colega médico, o hospital etc.
A denúncia jamais pode ser anônima e deve conter, obrigatoriamente, a identificação do denunciante, a exposição dos fatos, a qualificação do médico denunciado e indicação das provas documentais.
Recebida a denúncia pelo CRM, instaura-se um procedimento preliminar denominado sindicância.
Um relator designado deverá produzir um relatório onde qualificará as partes envolvidas, descreverá os fatos e apontará se, dos fatos narrados, se vislumbra possível descumprimento de algum preceito ético previsto no Código de Ética Médica pelo denunciado.
Na fase de sindicância, a manifestação do médico não é obrigatória, embora seja de praxe que alguns CRMs notifiquem o profissional para que tenha esta possibilidade.
Embora o próprio médico possa fazer suas manifestações em sede de defesa, é recomendável que possa contar já nesta fase com o apoio de um advogado.
Dependendo da conclusão do relatório inicial, a sindicância poderá: 1) ser desde logo arquivada, caso não haja evidência de infração ética, 2) ser proposta conciliação ou termo de ajustamento de conduta ou 3) ser instaurado o processo ético-profissional, caso haja evidência de que possa ter ocorrido infração ética por parte do médico denunciado.
Destaque-se que a conversão da sindicância em processo ético-disciplinar não significa automaticamente que o médico fez algo de errado e, sim, que há circunstâncias que precisam ser melhor esclarecidas para que se chegue à verdade.
Caso seja instaurado o processo ético-profissional, o médico será citado para apresentar sua defesa escrita no prazo de 30 dias.
A citação é o ato formal pelo qual o médico é cientificado de que existe um processo ético-profissional contra si e que deve se defender. Normalmente, a citação é feita pelos Correios, com Aviso de Recebimento.
Nesta fase, é extremamente recomendável que o médico esteja assistido por um advogado.
O momento da apresentação da defesa escrita pelo médico é importantíssimo, pois é aqui que deverá indicar sua versão dos fatos, poderá impugnar fundamentadamente as infrações éticas que lhe estejam sendo imputadas, justificar sua conduta, apontar eventuais circunstâncias atenuantes, indicar provas e arrolar testemunhas que possam lhe ser favoráveis.
Após a apresentação de defesa escrita, será designada a audiência de instrução processual.
Nesta audiência, serão ouvidos o denunciante, as testemunhas do denunciante e do denunciado e, por fim, o próprio médico.
Em seguida, será aberto prazo sucessivo de 15 dias para apresentação de alegações finais escritas, primeiro pelo denunciante e depois pelo denunciado.
Encerrada a instrução, será finalmente designada a sessão de julgamento, data na qual serão apresentados os relatórios (resumos do processo) pelo conselheiro relator e pelo conselheiro revisor.
As partes (e/ou seus advogados), poderão fazer sustentação oral perante os julgadores.
O comparecimento do médico não é obrigatório, embora seja conveniente que esteja presente. Eventualmente, poderá ser chamado a se manifestar sobre algum ponto específico esclarecendo aspectos suscitados pelos conselheiros.
É importante que o profissional esteja calmo e procure responder aos questionamentos dos conselheiros de forma clara e objetiva.
Finalmente, os conselheiros irão proferir um a um seus respectivos votos quanto à culpabilidade do denunciado, à efetiva existência de infração ética e, eventualmente, quanto à pena a ser aplicada ao médico denunciado.
As penas disciplinares aplicáveis pelo CRM são as previstas no artigo 22 da Lei nº 3.268/1957 e variam entre advertência e censura confidenciais, censura pública, suspensão do exercício profissional por até 30 dias e, em casos extremos, a cassação do exercício profissional (esta última pena depende de convalidação do CFM).
No caso de condenação, o médico denunciado pode interpor recurso administrativo no prazo de trinta dias, o qual será dirigido ao Pleno do CRM ou ao CFM, dependendo do caso.
- CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, se o médico do atleta de alto rendimento agir com imprudência, negligência ou imperícia, durante o tratamento de substância, de alimentação ou ingestão de bebidas, o profissional liberal pode ser responsabilizado na esfera civil.
Ademais, independentemente do âmbito judicial, o médico pode ter, através do processo administrativo disciplinar, receber punições acerca de exercer a profissão, como por exemplo: advertência e censura confidenciais, censura pública, suspensão do exercício profissional por até 30 dias e, em casos extremos, a cassação do exercício profissional.
Visto isso, é imprescindível que os médicos possam respeitar a legislação vigente contra o doping, fornecendo medicamentos adequados e legais para que o atleta consiga realizar suas atividades esportivas.
REFERÊNCIAS
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AUTORIDADE BRASILEIRA DE CONTROLE DE DOPAGEM, CÓDIGO BRASILEIRO DE ANTIDOPAGEM <http://abcd.gov.br/arquivos/legislcao/Cdigo_Brasileiro_Antidopagem.pdf> Acesso em 04 de jan. 2019.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas S. A., 2014.
COMITÊ OLÍMICO BRASILEIRO (COB). A lista proibida de 2011: Código Mundial Antidoping.
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Costa FS, Balbinotti MA, Balbinotti CA, Santos L, Barbosa M, Juchem L. Doping no esporte problematização ética. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 27, n° 1, p. 113-122, set, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 26º Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 16a ed. v. VII. São Paulo: Saraiva, 2002.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
SANTO, Raul. Doping: tão antigo, quanto a história da humanidade. Disponível em: <https://www.ativo.com/experts/doping-tao-antigo-quanto-historia-da-humanidade> Acesso em: 15 dez 2018
WADA-AMA. World Anti-Doping Agency. Annual Report, 2002. WADA, Montreal, 2002.
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![vilipêndio ao cadáver](https://direitodiario.com.br/wp-content/uploads/2016/01/vilipendio-ao-cadaver.jpg)
Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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Artigos
A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações
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1 de setembro de 2024![](https://direitodiario.com.br/wp-content/uploads/2024/02/unnamed-file-315.webp)
A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016;
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf> Acesso em: 10 abril. 2016;
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;
Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024
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27 de agosto de 2024![associação criminosa](https://direitodiario.com.br/wp-content/uploads/2016/06/associacao-criminosa.jpg)
A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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