Vários doutrinadores e os próprios aplicadores do Direito buscam sempre caminhar em direção a uma maior proteção aos credores. Nessa esteira, o presente texto vem apresentar a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica no Brasil.
Essa teoria determina a possibilidade de ser desconsiderada a personalidade jurídica para atingir os bens de uma pessoa jurídica com o fim de cumprir obrigações contraídas pelo sócio. O requisito necessário para essa medida excepcional é a existência de fraude ou abuso de poder por parte do sócio majoritário.
Acontece que, para tentar se eximir de suas responsabilidades, os sócios majoritários de algumas empresas transferem todo seu patrimônio para as empresas que administram. Com isso, não restam bens em seu nome para executar dívidas por ele contraídas.
Da mesma forma em que ocorre na disregard doctrine clássica, aqui também pretende-se proteger o direito do credor que pretende ver pago o crédito que lhe é devido.
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O primeiro autor que importou essa teoria para a doutrina comercial brasileira foi Fabio Konder Comparato, em seu livro “O Poder de Controle na Sociedade Anônima“, de 1976. Destaca-se trecho inicial no qual o autor trata do assunto:
“Aliás, essa desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador.“
Prosseguindo, o autor aponta a origem no Direito americano do instituto em questão. Inicialmente teria surgido com as dívidas contraídas pelo sócio, como pessoa física, mas em benefício da empresa. Não cumprindo com as obrigações acertadas, poderia ser executado o patrimônio da empresa em questão.
Na jurisprudência brasileira, atualmente, é pacificamente aceita a aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica. Havendo uma dívida contraída por sócio que se beneficiou da pessoa jurídica para tentar fraudar a execução da dívida pelo credor, poderão os bens da empresa serem atingidos.
Concluo transcrevendo trecho de decisão do Superior Tribunal de Justiça que aplicou a teoria aqui tratada, in verbis:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPANHEIRO LESADO PELA CONDUTA DO SÓCIO. ARTIGO ANALISADO: 50 DO CC/02.
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1. Ação de dissolução de união estável ajuizada em 14.12.2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.11.2011. 2. Discute-se se a regra contida no art. 50 do CC/02 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se o sócio da sociedade empresária pode requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta. 3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita. atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva.
[…]
(STJ – REsp: 1236916 RS 2011/0031160-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI. Data de Julgamento: 22/10/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2013)
Conforme depreende-se desta decisão paradigma, o Superior Tribunal de Justiça entendeu plenamente aplicável a desconsideração inversa da personalidade jurídica no ordenamento pátrio. Deve ser aplicada a teoria quando presentes os requisitos. São estes: dívida contraída pela pessoa física que transferiu os próprios bens para a pessoa jurídica que administra em uma tentativa de prejudicar o credor.
Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial REsp: 1236916 RS 2011/0031160-9. Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2013. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=31412528&num_registro=201100311609&data=20131028&tipo=5&formato=PDF
COMPARATO, Fabio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977.