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Interdisciplinar

Negro que libertou 500 escravos é reconhecido pela OAB

Redação Direito Diário

Publicado

em


Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

Na noite desta terça-feira (3), em cerimônia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, a OAB, em seus 85 anos de história, prestou homenagem a Luiz Gama (1830-1882), como Advogado Brasileiro, 133 anos após sua morte. Ele era negro liberto, que foi responsável por libertar 500 escravos pelas vias judiciais, embora exercesse a advocacia sem ser advogado.

“Ele era um grande defensor da abolição e sua atuação como rábula livrou inúmeras pessoas dos grilhões escravistas”, destaca o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

Sua importante atuação foi lembrada pela Ordem recentemente, num livro editado pela entidade, chamado “Advogados Abolicionistas” que homenageou também Francisco Montezuma, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. “Trata-se de uma justíssima homenagem a quem tanto lutou pela liberdade, igualdade e respeito”, ressalta Marcus Vinicius.

“Embora não fosse advogado, Gama era um grande defensor da abolição, e sua atuação como rábula livrou inúmeras pessoas dos grilhões escravistas”, pontua o presidente da OAB.

Na cerimônia, que ocorreu na II Semana da Consciência Negra, Luiz Gama foi representado por um tataraneto, um de seus 20 e tantos descendentes vivos, o engenheiro e empresário Benemar França, de 68 anos.

“Tomei contato com a biografia desse meu antepassado quando estava no 2º ano do ginasial. Um professor de História pediu que pesquisássemos cada um, sobre as nossas famílias, a nossa genealogia”, conta.

“O que descobri encheu-me de orgulho.” Além da condecoração póstuma, o evento de Luiz Gama “Ideias e Legado do Líder Abolicionista” prevê dois dias de palestras e debates na Mackenzie.

Autor da biografia Luiz Gama: O Advogado dos Escravos, publicada pela editora Lettera.doc em 2010, o advogado Nelson Câmara acredita que a iniciativa da OAB é correta “embora serôdia”, ou seja, tardia. “Era um sujeito de grande luminosidade”, afirma Câmara.

Autodidata

Nascido em Salvador, filho de um português com uma escrava liberta, Luiz Gama foi vendido como escravo pelo próprio pai quando tinha 10 anos. Alforriado sete anos mais tarde, estudou Direito como autodidata e passou a exercer a função, defendendo escravos. Também foi ativista político, poeta e jornalista.

Ele bem que tentou cursar Direito no Largo São Francisco. “Mas a aristocracia cafeeira da época não permitiu, porque ele era negro”, atesta Câmara.

“Mesmo assim, era assíduo frequentador da biblioteca de lá.” No prefácio do livro, o jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça, afirma que Gama foi “o negro mais importante do século 19”.

Por complicações da diabete, o abolicionista Gama, entretanto, morreria seis anos antes de a Lei Áurea ser promulgada. Dez por cento da população paulistana, de acordo com estimativas da época, compareceu ao seu enterro – São Paulo contava então com 40 mil habitantes.

A multidão começou a chegar ao Cemitério da Consolação, onde ocorreu o sepultamento, ao meio-dia – o enterro estava marcado para as 16 horas.

Não houve transporte oficial para o cortejo fúnebre. Do bairro do Brás, onde ele morava, o caixão veio passando de mão em mão até chegar à sepultura, num gesto coletivo.

Referências:
EXAME, Revista Exame, Abril. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/negro-que-libertou-500-escravos-sera-reconhecido-pela-oab> Acesso em 3 de novembro de 2015.
OAB, Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/28924/oab-homenageara-abolicionista-que-libertou-mais-de-500-escravos>. Acesso em 3 de novembro de 2015.
UPM, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível em: <http://up.mackenzie.br/imprensa/noticias/arquivo/artigo/oab-concede-titulo-ao-lider-abolicionista-luiz-gama-no-mackenzie/> Acesso em 3 de novembro de 2015.

Penal

Violência Contra a Mulher

Redação Direito Diário

Publicado

em

Kim Clésio Freitas Palumino¹

 

RESUMO

 

 

Trata-se presentemente de Artigo Científico a respeito do tema As Contribuições Sociais Incidentes sobre a violencia contra a mulher, especificamente sobre os Parametros da lei Lei nº 11.340/ e tem por objetivo promover um estudo acerca desses assuntos, sua origem e evolução histórica, seus fundamentos Constitucionais e embasamento legal, os elementos constantes da sua regra matriz de incidência, bem como sobre seu papel no contexto geral social. Deste modo,ainda que sem pretensão de esgotar o objeto de análise, o que se pretende é que esta propicie um amplo entendimento acerca do assunto proposto, identificar qual a amplitude das Contribuições estudadas no artigo ou mesmo que facilite o entendimento e assistencia da problematica  que se tornou problema social no Brasil.

Palavras-chave: VIOLENCIA CONTRA A MULHER.

Leis. Repercurssões. Mulher na sociedade.

 

 

SUMÁRIO

 

  1.  CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE AS PROBLÉMATICAS – 2.  OBJETIVO – 3. MATERIA E MÉTODOS– 4.    REFERENCIAL TEORICO –    1. HISTORICO DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER – 4.2   PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE – 4.3. GÊNERO. – 4.4      AGRESSÕES – 4.5       REPERCUSSÕES PARA A SAÚDE DA MULHER – 4.6 PAPEL DO PROFISSIONAL – 5.        CONSIDERAÇÕES FINAIS – REFÊRENCIAS BIBIOGRAFICAS

 

 

 

 

 

 

  • Considerações iniciais sobre a problemática

 

A violência contra a mulher insere-se na trama da relação de poder que, historicamente, marca a vida das pessoas na sociedade.

De acordo com Foucauld (1979) “o poder não é uma coisa ou sua posse, mas depende da relação que se estabelece entre pessoas ou grupos de interesse”. Desse modo, a violência contra a mulher reflete a natureza contraditória da vida social, marcada por conflitos insolúveis e de variadas formas de agressões físicas ou simbólicas.

O dia 25 de novembro é dedicado a não violência contra a mulher. Originalmente estabelecido em 1981, no Primeiro Encontro Feminista Latino Americano e do Caribe, foi escolhida essa data a fim de homenagear três mulheres militantes da República Dominicana: Pátria, Minerva e Maria Tereza Mirabel, que, por se oporem à ditadura de Trujilo, foram embocadas quando seguiam por uma estrada em 25 de novembro de 1960 e mortas a pauladas. Para manterem as aparências, as autoridades simularam sua morte como decorrente de um “acidente” ocorrido na estrada. Em 1994 as Nações Unidas designaram essa data como o Dia Internacional da não violência contra a mulher (DE CICCO, 2004).

No Brasil, durante toda a década de 1980, o movimento feminista buscou várias formas de ações para trazer a esfera pública um assunto que até então era visto como de âmbito privado. Como resultado, a violência contra a mulher começou a ser tratada como problema a ser combatido por meio de políticas públicas. Serviços especializados foram criados, sobretudo nas grandes cidades, como as delegacias da mulher, os centros de atendimento jurídico e de apoio social às mulheres em situação de violência e as casas de abrigo (CAMARGO, 2000). Também foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema de saúde pública, devido sua dimensão e gravidade das seqüências orgânicas e emocionais que produz (ALVES; COURA, 2001).

Mas somente na década de 90 foram tomadas medidas mais efetivas, como a criação de serviços de atenção à violência sexual para a prevenção e profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis, de gravidez indesejada e para a realização de aborto legal quando necessário (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 2003).

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Atualmente, diversas organizações têm desenvolvido guias para nortear as ações de profissionais de saúde, de modo que possam identificar apoiar e dar o devido encaminhamento às vítimas. Tais medidas são os resultados da compreensão de que a violência representa uma violação dos direitos humanos, constituindo, ainda, em uma importante causa de sofrimento e um fator de risco para diversos problemas de saúde e psicológico. Entretanto, apesar desses avanços, o setor saúde nem sempre oferece uma resposta satisfatória para o problema que acaba diluindo entre outros agravos, sem considerar a intencionalidade do ato que gerou o estado de morbidade. Esta situação decorre da invisibilidade em alguns setores que ainda se limitam a cuidar dos sintomas das doenças e não contam com instrumentos capazes de identificar o problema. O resultado é que as internações terminam por mostrar respostas insuficientes dos serviços para as necessidades das mulheres. Uma vez que a situação de violência não se extingue, suas repercussões sobre o adoecimento do corpo ou o sofrimento mental ressurgem e voltam a pressionar os serviços para novas internações (SCHRAIDER; D’OLIVEIRA, 2003).

A violência contra a mulher, além de ser uma questão política, cultural, policial e jurídica, é principalmente, um caso de saúde pública. Muitas mulheres adoecem a partir de situações de violência em casa. A ligação entre a violência contra a mulher e a sua saúde tem se tornado cada vez mais evidente, embora a maioria das mulheres não relate que viveu ou vive uma situação de violência doméstica. Por isso, é extremamente importante que os profissionais de saúde sejam treinados para identificar, atender e tratar as pacientes que se apresentam com sintomas que podem estar relacionados a abuso e agressão (CAMARGO, 2000).

Um em cada cinco dias de falta ao trabalho é decorrente de violência sofrida pelas mulheres em suas casas. A cada cinco anos a mulher perde um ano de vida saudável, se ela sofre violência doméstica. Em 1993 o Banco Mundial diagnosticou que a prática de estupro e de violência doméstica são causas significativas de incapacidade e morte de mulheres na idade produtiva, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento e dados do BID – Banco lnteramericano de Desenvolvimento resultantes de pesquisas realizadas em Santiago (Chile) e em Manágua (Nicarágua), em 1997, concluíram que as mulheres agredidas física, psicológicas ou sexualmente por seu companheiro em geral recebem salário inferior ao de uma trabalhadora que não é vítima

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de violência doméstica (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2002).

Segunda a Organização Mundial de Saúde (2002), a violência doméstica incide sobre 25% a 50% das mulheres; e os custos com a violência doméstica são da ordem de 14,2% do PIB (Produto Interno Bruto), o que significa 168 bilhões de dólares. Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia, que pesquisou a violência doméstica em 138 mil mulheres de 54 países, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica; a cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar, por uma pessoa com quem mantém uma relação de afeto. As estatísticas disponíveis e os registros nas Delegacias Especializadas de Crimes contra a Mulher demonstram que 70% dos incidentes acontecem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou companheiro (OLIVEIRA, 1998).

Mais de 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos. O Brasil é o país que mais sofre com a violência doméstica, perdendo de 10,5% do seu PIB (Produto Interno Bruto), porém, a magnitude das conseqüências da violência doméstica no Brasil na economia, nos custos para o sistema de saúde, a polícia, o Poder Judiciário, os órgãos de apoio à mulher na própria saúde das mulheres, ainda não pode ser medida com maior precisão, pois as nossas estatísticas necessitam de dados importantes que não são coletados, sobretudo nos serviços de saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2002).

A mulher em situação de violência se apresenta com medo, insegurança, desconfiança, dor, incerteza, frustração, além das lesões físicas. Diante de tal situação, ela, acima de tudo, merece e deve ser atendida com respeito e solidariedade e precisa receber orientações que a ajudem a resolver ou diminuir seus problemas. Para profissionais de saúde, um outro grande desafio que está colocado é como equacionar a “urgência” ou a “emergência” no momento do atendimento, do ponto de vista da atenção médica e dos demais procedimentos estritamente de saúde, e ao mesmo tempo prestar um acolhimento solidário e digno, ou seja, mais humanizado, capaz de aumentar a auto-estima das mulheres atendidas (BRITO, 1997).

Do ponto de vista profissional, percebe-se que os serviços de saúde, devido sua interação e contato com a mulher em algum momento de sua vida, possibilitam aos

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profissionais de saúde reconhecer e ajudar as vítimas da violência. Portanto, é necessário que os enfermeiros atente-se para a importância de aprofundar seus conhecimentos e refletir a respeito da violência contra a mulher. E desta forma auxiliar na elaboração de protocolos de atendimento às vitimas (MONTEIRO; BIFFI, 2006).

Este estudo teve como objetivo reconhecer a violência contra a mulher como um problema de saúde pública, em especial situa-lo no âmbito da atenção primaria, cujo foco de ação dos profissionais está na prevenção dos agravos e na recuperação da saúde, seja no plano individual ou coletivo.

  1. OBJETIVO

Realizar levantamento bibliográfico sistematizado para identificar os principais tipos de violência sofridos pelas mulheres e as repercussões da agressão física à sua saúde.

  1. MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão bibliográfica sistematizada realizada por meio de levantamento retrospectivo de artigos científicos publicados e livros no período de 1997 a 2006.

A busca bibliográfica foi realizada em estudos indexados nas bases de dados internacionais Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), National Library of Medicine (MEDLINE) e na coleção Scientific Eletronic Library Online (SCELO) após consulta às terminologias em saúde a serem utilizadas na base descritores da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) da Bireme (Decs) e Pubmed (Mesh).

Os descritores utilizados foram: saúde da mulher, violência, agressão física.

Os artigos selecionados foram nacionais e internacionais publicados nos idiomas português e inglês no período anteriormente mencionado referentes aos trabalhos expostos à vibração nas diversas funções, disponíveis no Brasil ou na Internet em bibliotecas nacionais.

Os artigos foram analisados e categorizados com vista à classificação e o delineamento dos estudos, observando-se: ano de publicação, fonte, formação e origem do

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autor/pesquisador, objeto de estudo, população estudada, tempo de exposição, instrumento de avaliação ou de coleta de dados, sinais e sintomas referidos e lesões e doenças diagnosticadas.

Como se trata de um artigo de revisão, não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa.

  1. REFERÊNCIAL TEÓRICO

4.1 Histórico da violência contra a mulher

O vocábulo violência vem da palavra latina vis, que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. A violência é mutante, pois sofre a influência de épocas, locais, circunstâncias e realidades muito diferentes. Existem violências toleradas e violências condenadas, pois desde que o homem vive sobre a terra a violência existe, apresentando-se sob diferentes formas, cada vez mais complexas e ao mesmo tempo mais fragmentadas e articuladas (MINAYO, 2003).

A violência é um fenômeno extremamente difuso e complexo cuja definição não pode ter exatidão científica, já que é uma questão de apreciação, é influenciada pela cultura e submetida a uma contínua revisão na medida em que os valores e as normas sociais evoluem (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2002).

O movimento feminista, do inicio da 2ª metade do século passado, destacou-se por denunciar casos de violência contra a mulher, dando luz a essa realidade que, até então, só era mencionada em âmbito privado. A violência exercida dentro dos lares permanecia sem que ninguém fizesse nem dissesse nada. Até então, não era manifestada abertamente tendo o apoio das condições sociais da época (MINAYO, 2003).

O sumário das diversas conferências internacionais realizadas no século XX contém os enunciados e as definições dos direitos humanos mínimos para todos os habitantes do planeta os quais, sem dúvida, tiveram impacto na detecção e investigação da violência de gênero contra a mulher. Estas convenções foram: Carta das Nações Unidas (1945); Convenção contra o genocídio (1948); Pacto internacional dos direitos civis e políticos (1966); Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais (1966)

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Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965); Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979); Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes (1984); Convenção sobre os direitos da criança (1989); e, Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher – Convenção de Belém do Pará (1994) (SCHRAIDER; D’OLIVEIRA, 2002).

Através destas convenções estabeleceram-se marcos legais para a proteção dos direitos humanos. Além disso, houve repercussões positivas no avanço para a compreensão e erradicação da violência contra a mulher.

4.2 Papel da mulher na Sociedade

Quando se procura entender o papel da mulher na sociedade, há de se voltar o olhar para os primórdios da existência de nossa sociedade, dando ênfase à formação do sujeito, seus grupos e classes sociais.

Desde a colonização do Brasil, o papel da mulher brasileira perpassa por funções às vezes exóticas, ora degradantes e até desumanas. Elas foram admiradas, temidas como representantes de Satã e foram reduzidas a objetos de domínio e submissão por receberem um conceito de “não-função”, tendo sua real influência na evolução do ser humano, marginalizada e até aniquilada (FONSECA, 1997).

Para uma visão das primeiras mulheres brasileiras, se podem usar o olhar que consta da obra organizada por Del Priore (2001), iniciada com “relatos de viajantes que observaram a cultura indígena no Brasil colonial”.

Naquela época, os costumes heterodoxos eram vistos como indícios de barbarismo e da presença do Diabo. Do nascimento à velhice, as mulheres Tupinambás recebiam tratamentos e tarefas enredadas à selvageria e com marcas de barbarismo. Esta pode ser uma visão estrangeira das mulheres Tupinambás, mas para aquele povo, tudo era feito seguindo as determinações de sua concepção da natureza humana. Talvez, ainda hoje, o inconsciente das mulheres brasileiras esteja atrelado às idéias passadas por gerações. O desregramento, pecado e danação originados da fragilidade moral do sexo feminino tiveram enorme utilidade ao “poder” social masculino, e ao “bem estar” feminino (FONSECA, 1997).

No texto de Emanuel Araújo (in: DEL PRIORE, 2001), no Brasil colonial, “abafar” a

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sexualidade feminina seria o objetivo de Leis do Estado, da Igreja, e o desejo dos pais,

visto que “ao arrebentar as amarras (…) a sexualidade feminina (…) ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança social e a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas”.

Era função da Igreja “castrar” a sexualidade feminina, usando como contraponto a idéia do homem superior a qual cabia o exercício da autoridade. Todas as mulheres carregavam o peso do pecado original e, desta forma, deveriam ser vigiadas de perto e por toda a vida. Tal pensamento, crença e “medo” acompanharam e, talvez ainda acompanhe a evolução e o desenvolvimento feminino.

Até o século XVII, só se reconhecia um modelo de sexo, o masculino. A mulher era concebida como um homem invertido e inferior, desta forma, entendida como um sujeito menos desenvolvido na escala da perfeição metafísica. No século XIX a mulher passa de homem invertido ao inverso do homem, ou sua forma complementar (FONSECA, 1997).

Mesmo no Brasil recente, existiam diferenças entre homem e mulher, relacionando sua submissão a sua estrutura física e biológica. Se a diferença entre gêneros era voltada para a relação anatômico-fisiológica, o sexo político-ideológico vai comandar a oposição e a descontinuidade sexual do corpo, dando arcabouço, justificativa e até impondo diferenças morais aos comportamentos masculinos e femininos, estando em acordo com a exigência de uma sociedade burguesa, capitalista, colonial, individualista e imperialista existente, também, nos países europeus.

Segundo Cutileiro, (in: PEREIRO, 2001) o modelo cultural básico da antropologia do mediterrâneo definiu o binômio categorial “honra / vergonha”, de acordo com o qual, o homem mediterrâneo tinha que conservar a honra, entendida como estima, respeito e prestígio. Este código moral afirma no homem valores como a defesa da posse de bens, a lealdade, a proteção da família, a garantia de reputação social e profissional. Nele a mulher devia gerir a casa, tê-la limpa, cuidar do esposo e dos filhos, ser recatada, ir à missa e ser decente. A sexualidade e a fertilidade feminina eram vistas como uma ameaça à honra e um perigo, requerendo o controle do homem. A vergonha era interpretada como um código moral que sancionava a virgindade e a castidade. Se a mulher se tornasse cúmplice da vergonha, o homem estava obrigado a retaliar esse comportamento com o objetivo de recuperar a honra.

No século XIX, a sociedade burguesa inicia a discussão sobre os gêneros. O sexo definiu as diferenças entre macho e fêmea, já o conceito de gênero refere-se à

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67construção cultural das características masculinas e femininas, fazendo-nos homens e mulheres. “O gênero é a definição cultural da conduta entendida como apropriada aos sexos numa sociedade dada e numa época especifica. (…) É um disfarce, uma máscara, uma camisa de força na qual homens e mulheres dançam a sua desigual dança”. (PEREIRO, 2005).

Um papel feminino estabelecido culturalmente, até a atualidade, é o da mulher como esposa. O aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho fabricados e manejados por homens, deu ao marido um motivo de acúmulo de bens. Isto levou à inversão da estrutura familiar, passando a mulher para o clã do marido. Da antiguidade à idade média, os casamentos eram combinados sem o consentimento da mulher e, a união, não consagrava o amor e sim um contrato entre o pai da noiva e a família do pretendente (PEREIRO, 2005).

Com o objetivo de aumentar as riquezas da família, os grupos recorrem à regra da exogamia, que interdita o casamento com um membro da família. Surge então a proibição do incesto, obrigando a formação de alianças não só através da troca de bens, como também de mulheres. A fecundidade era indispensável ao casamento, sendo a esterilidade levada ao repúdio e o adultério implicava no abandono ou até a morte da mulher. Por volta do século XVIII, o amor romântico se torna o ideal de casamento, o erotismo expulsa a reserva tradicional e coloca à prova a duração do casamento. Como o amor-paixão em geral não dura, o amor conjugal ligado a ele também não. A procriação deixa de ser a finalidade principal do casamento, e os propósitos econômicos e psicológicos do casal passam a ser os objetivos centrais. A ideologia do amor romântico é usada para justificar a ausência de filhos. Como o casamento acontece por escolha e decisão dos cônjuges, a relação conjugal passa a ser mais importante (ALVES, 2004).

A revolução sexual e a emancipação feminina tiveram um papel fundamental nas mudanças que vêm ocorrendo no casamento, no amor e na sexualidade ao longo da modernidade, resultando em transformações radicais na vida e intimidade das pessoas. Atualmente as mulheres estão avançando nas áreas da cultura e da política. O povo brasileiro elegeu 288 mulheres para o cargo de prefeito e 5000 para o cargo de vereadoras nas eleições de 2004. Nos últimos 15 anos, entraram no mercado de trabalho brasileiro mais de 12 milhões de mulheres. Nos dias atuais, mais de 30 milhões de mulheres trabalham fora de casa.

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Apesar disso, as mulheres têm ainda um longo caminho a percorrer. Ainda hoje se estabelecem grandes “distâncias” entre homens e mulheres, e são importantes os conflitos emocionais que decorrem desse convívio (ALVES, 2004).

4.3 Gênero

Na violência de gênero influíram os grupos feministas dos países ocidentais que denunciaram aqueles que degradam a dignidade das mulheres através da violência. Como resultado da identificação da violência contra as mulheres, aos grupos feministas tem se agregado outros atores, como as associações de defesa dos direitos humanos e as organizações internacionais que analisam e procuram ajudar a diminuir o problema. Para se entender a denominação de violência de gênero é preciso ter em conta o caráter social dos traços atribuídos a homens e mulheres. Dessa forma, observa-se que a maioria dos traços do feminino e do masculino são construções culturais, são produtos da sociedade e não derivados necessariamente da natureza (ALBERDI, 2002).

A violência de gênero é aquela exercida pelos homens contra as mulheres, em que o gênero do agressor e o da vítima estão intimamente unidos à explicação desta violência. Dessa forma, afeta as mulheres pelo simples fato de serem deste sexo, ou seja, é a violência perpetrada pelos homens mantendo o controle e o domínio sobre as mulheres.

Os papéis e comportamentos dos homens são considerados socialmente mais valiosos. Por exemplo, o choro é desprezado, as respostas violentas são bem vistas, e o trabalho doméstico (apesar de ser imprescindível) passa quase inadvertido aos homens, mas se justifica que seja realizado pelas mulheres. A categoria gênero pressupõe a compreensão das relações que se estabelecem entre os sexos na sociedade, diferenciando o sexo biológico do sexo social. Enquanto o biológico refere-se às diferenças anátomo-fisiológicas, entre os homens e as mulheres, o social diz respeito à maneira como estas diferenças se comportam nas diferentes sociedades, ao longo da história (FONSECA, 1997).

A definição de gênero implica em dois níveis, quais sejam o gênero como elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças perceptíveis entre os dois sexos e o gênero como forma básica de representar relações de poder em que as ações dominantes são apresentadas como naturais e inquestionáveis (FONSECA, 1997).

Frente à inquietude internacional sobre o fenômeno da violência contra a mulher, análises e estudos sobre o assunto se fazem necessários, uma vez que tal violência

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deteriora a saúde individual e familiar da mulher. As mulheres que resistem a uma relação abusiva, indefinidamente, acabam perdendo a saúde individual (física e mental) o que, por conseqüência, afeta a saúde da família.

A declaração das Nações Unidas sobre a Erradicação da Violência contra as mulheres, adotada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em 1993, definiu a violência como qualquer ato de violência apoiado no gênero que produza ou possa produzir danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais na mulher incluindo as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade tanto na vida pública como na privada (GARCÍA; MORENO, 2002).

A violência é muitas vezes considerada como uma manifestação tipicamente masculina, uma espécie de “instrumento para a resolução de conflitos”.

Os papéis ensinados desde a infância fazem com que meninos e meninas aprendam a lidar com a emoção de maneira diversa. Os meninos são ensinados a reprimir as manifestações de algumas formas de emoção, como amor, afeto e amizade, e estimulados a exprimir outras, como raiva, agressividade e ciúmes. Essas manifestações são tão aceitas que muitas vezes acabam representando uma licença para atos violentos (FONSECA, 1997).

Existem pesquisas que procuram explicar a relação entre masculinidade e violência através da biologia e da genética. Além da constituição física mais forte que a das mulheres, atribui-se a uma mutação genética a capacidade de manifestar extremos de brutalidade e até sadismo (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2002).

Outros estudos mostraram que, para alguns homens, ser cruel é sinônimo de virilidade, força, poder e status. “Para alguns, a prática de atos cruéis é a única forma de se impor como homem”, afirma a antropóloga Alba Zaluar, do Núcleo de Pesquisa das Violências na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (2002). As justificativas para a violência derivam muito freqüentemente de certas normas de gênero, ou seja, de normas sociais que definem quais os papéis e responsabilidades consideradas mais apropriadas para os homens e mulheres. O mais típico é dar aos homens toda a liberdade, desde que eles se responsabilizem financeiramente pelo sustento de suas famílias. O que se espera das mulheres é que cuidem da casa e das crianças e demonstrem sua obediência e respeito aos maridos. Se o homem achar que sua mulher falhou de certa forma no cumprimento do seu papel, que saiu fora dos limites estabelecidos ou que desafiou os direitos do marido, ele pode reagir violentamente.

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4.4 Agressões

Dentre as diferentes formas de violência de gênero citam-se a violência intrafamiliar ou violência doméstica e a violência no trabalho, que se manifestam através de agressões físicas, psicológicas e sociais. A violência intrafamiliar é uma forma de violência a que muitas mulheres estão submetidas, tendo origem entre os membros da família, independentemente se o agressor esteja ou não compartilhando o mesmo domicílio. As agressões incluem violação, maltrato físico, psicológico, econômico e, algumas vezes, pode culminar com a morte da mulher maltratada. Também o abuso psicológico, sexual ou físico, habitual, ocorre entre pessoas relacionadas afetivamente como marido e mulher ou adultos contra menores ou idosos de uma família (RAMÍREZ, 2001).

O abuso caracteriza-se pelo conjunto de condutas que se efetivam causando dano físico, dor ou ferindo a outra pessoa de maneira intencional. Incluem-se os atos que vão desde bofetadas, até lesões graves e que podem causar a morte. A violência manifesta-se no físico assim como em todas aquelas formas nas quais se oprime, impossibilita ou se violam as garantias individuais das pessoas. Por tal motivo, observa-se que todas as definições concordam que a violência é qualquer ato exercido contra a dignidade da mulher, independente de suas origens (RAMÍREZ, 2001).

A violência doméstica, a violência de gênero e a violência contra as mulheres são termos utilizados para denominar um grave problema. Na violência doméstica, a agressão advém do companheiro ou de outro membro da família indo além das paredes do lar sendo vítimas os idosos, as crianças, os deficientes. Na violência de gênero, os agressores são pessoas próximas às agredidas ocorrendo em espaços privados ou públicos (ROHLFS, 2003).

Uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres é a praticada pelo marido ou um parceiro íntimo. O fato é que as mulheres, em geral, estão emocionalmente envolvidas com quem as vitimiza e dependem economicamente deles. Esta violência perpetrada por parceiro íntimo ocorre em todos os países, independentemente de grupo social, econômico, religioso ou cultural (GARCIA-MORENO, 2002).

A violência, por parte do marido ou companheiro íntimo, se dá contra o “sexo frágil”. Nesses casos incluem-se as mulheres maltratadas. Da mesma forma, este tipo de abuso tem sido freqüente nas relações homossexuais. Assim, a grande maioria dos casos de

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violência psicológica assim como atos sociais que envolvem esta situação de violência em que vive a mulher.

Mundialmente, uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres é a agressão feita pelo marido ou outros parceiros íntimos. A violência praticada por parceiros ocorre em todos os países e transcede aos grupos sociais, econômicos, religiosos e culturais. Embora as mulheres também possam ser violentas e haver comportamento abusivo em alguns relacionamentos homossexuais, a vasta maioria dos abusos é praticada por homens contra suas parceiras. Apesar da pesquisa sobre o abuso praticado por parceiros estar ainda no estágio inicial, existe um consenso cada vez maior sobre sua natureza e os vários fatores que provocam este tipo de abuso. Às vezes referido como “agressão conjugal”, “espancamento” ou “violência doméstica”, o abuso pelo parceiro íntimo é mais freqüentemente parte de um padrão, que inclui o comportamento abusivo e o controle forçado, do que um ato isolado de agressão física. O abuso pelo parceiro pode tomar várias formas, inclusive agressões físicas tais como golpes, tapas, chutes e surras; abuso psicológico por menosprezo, intimidação e humilhação constantes; e coerção sexual. Inclui também freqüentemente os chamados comportamentos de controle, tais como: o isolamento forçado da mulher em relação à sua família e amigos, a vigilância constante de suas ações e a restrição de seu acesso a recursos variados (CASIQUE, 2004).

Em cerca de 50 pesquisas populacionais do mundo inteiro, de 10% a 50% das mulheres relatam terem sido espancadas ou maltratadas fisicamente de alguma forma por seus parceiros íntimos, em algum momento de suas vidas. As pesquisas sobre violência de parceiros são ainda muito recentes e são poucos os dados disponíveis sobre o abuso psicológico e sexual perpetrado pelos parceiros (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2002).

A violência física em relacionamentos íntimos quase sempre é acompanhada de abuso psicológico, sendo que de um terço à metade dos casos envolvem abuso sexual. A maioria das mulheres que sofrem alguma agressão física sofrem, geralmente, vários atos de agressão ao longo do tempo. Nas pesquisas sobre violências praticadas por seus parceiros, pede-se geralmente às mulheres que informem que atos específicos de violência já sofreram dos incluídos numa lista, entre eles, tapas, empurrões, socos ou ameaças com porte de arma. Geralmente, as pesquisas definem como “violência grave” os atos físicos mais fortes que tapas empurrões, repelões ou lançamento de objetos contra a pessoa (OMS, 2002).

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Muitas culturas sustentam que os homens têm o direito de controlar o comportamento de suas esposas e que eles podem punir as mulheres que contestam este direito, mesmo quando elas apenas pedem dinheiro para os gastos domésticos ou expõem certas necessidades dos filhos. Estudos feitos em países tão diferentes como Bangladesh, Camboja, Índia, México, Papua Nova Guiné, Tanzânia e Zimbábue constataram que a violência é freqüentemente vista como uma punição física, ou seja, é o direito do marido de “corrigir” uma mulher que cometeu uma transgressão (CASIQUE, 2004).

A maioria das mulheres agredidas não são vítimas passivas, mas usam estratégias ativas para maximizar sua segurança e a de seus filhos. Algumas mulheres resistem, outras fogem e outras ainda tentam manter a paz rendendo-se às exigências de seus maridos. O que um observador pode interpretar como falta de reação a uma vida onde reina a violência pode, na verdade, ser uma estratégia de sobrevivência no casamento e uma forma da mulher proteger-se e proteger seus filhos.  A reação da mulher à agressão é freqüentemente limitada pelas opções à sua disposição. As razões que elas mais alegam para continuar em um relacionamento abusivo são: medo de represálias, perda de outros meios de suporte financeiro, preocupação com os filhos, dependência emocional, perda de suporte da família e dos amigos e a eterna esperança de que “ele vai mudar um dia”. Em países em desenvolvimento, as mulheres citam também que voltar a ser solteiras ou separadas é uma condição inaceitável, constituindo uma barreira adicional que as mantém em casamentos destrutivos (GARCIA; MORENO, 2002).

Apesar dos obstáculos, muitas mulheres acabam abandonando os parceiros violentos, mesmo que esperem muitos anos, depois que os filhos já estão adultos. Abandonar um relacionamento abusivo é um processo que, freqüentemente, inclui períodos de negação, culpa e submissão antes que a mulher finalmente se dê conta de que o abuso continuará a se repetir e passe a se identificar com outras mulheres na mesma situação. Este é o início do processo de ruptura e recuperação. A maioria das mulheres abandona e retorna ao relacionamento várias vezes antes de finalmente deixarem o parceiro de forma definitiva. Infelizmente, nem sempre o abandono do relacionamento garante a segurança da mulher (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 2003).

Embora a violência doméstica aconteça em todos os grupos sócio-econômicos, os estudos constataram que as mulheres que vivem na pobreza têm maior probabilidade de serem vítimas de violência do que as mulheres de condição econômica mais elevada. Porém, não está muito claro ainda se é a própria pobreza que aumenta os riscos de violência ou se esta é causada por outros fatores associados à pobreza, tais como a

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maior aglomeração espacial ou a falta de esperança. Certos homens que vivem em condições de pobreza podem tornar-se tensos e frustrados ou sentir que fracassaram ao não cumprir o papel culturalmente definido para ele, qual seja, o de responsável pelo sustento da família. A pobreza pode também ser a causa de discordâncias conjugais e, ao mesmo tempo, tornar mais difícil para uma mulher abandonar um relacionamento violento ou insatisfatório (FERREIRA, 1995).

Provavelmente, a baixa condição sócio-econômica reflete uma variedade de condições que, combinadas, aumentam o risco das mulheres tornarem-se vítimas. É cada vez mais freqüente o uso pelos especialistas de um “modelo ambiental” para entender a interação e combinação de fatores pessoais, situacionais e sócio-culturais para provocar o abuso. A abordagem ambiental do abuso sustenta que nenhum dos fatores “provoca” a violência sozinha, mas que vários fatores se combinam para aumentar a probabilidade de que um homem particular, em uma situação particular, possa agir violentamente contra uma mulher. Outros fatores do ambiente social parecem combinar-se para proteger certas mulheres. Por exemplo, quando as mulheres têm autoridade e poder fora da família, os índices de abuso parecem ser mais baixos nos relacionamentos íntimos. Igualmente, a pronta intervenção de familiares e a presença de organizações femininas parecem reduzir a probabilidade da violência doméstica. Em contraste, quando a família é considerada “assunto privado” e não se permite o escrutínio público, os índices de abuso conjugal são mais elevados (FERREIRA, 1995).

É importante destacar que as vítimas de violência psicológica, muitas vezes, pensam que o que lhes acontece não é suficientemente grave e importante para decidir-se por atitudes que possam impedir esses atos, incluindo denunciá-los aos órgãos competentes. Algumas vítimas acreditam que não teriam crédito, caso denunciassem seu agressor. Em outros casos, alguém que a mulher respeita lhe diz que deve permanecer nessa relação abusiva pelo bem de seus filhos ou para garantir os direitos adquiridos através do casamento. Muitas mulheres não se atrevem a falar ou denunciar que são vítimas de maltratos, por temor das ameaças do agressor contra elas e seus familiares (WYNTER, 2001).

Na atualidade, tem ocorrido aumento da participação das mulheres na atividade econômica. Esta inserção da mulher no mercado de trabalho tem provocado mudanças sociais dentro das instituições produtivas e nos lares. Apesar desta inserção, ainda ocorre discriminação nos empregos que desvalorizam a mulher, evitando sua ascensão. Com isto, o papel de provedor está sendo alterado pela independência econômica da

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mulher o que, sem dúvida, repercute nas funções dentro do lar, fato que

tradicionalmente o homem não está disposto a aceitar. A classe social é um fator importante no fenômeno da agressão física. Isto quer dizer que a classe subempregada deve receber atenção especial nas estratégias de intervenção para o problema e, em conseqüência, diminuir as estatísticas de violência que atingem diretamente a mulher (GIANINI, 1999).

4.5 Repercussões para saúde da mulher

O abuso físico e sexual está por trás de alguns dos problemas de saúde reprodutiva mais difícil de resolver dos nossos tempos: a gravidez indesejada, a infecção pelo HIV e outras infecções sexualmente transmitidas, e as complicações da gravidez. Um número crescente de estudos documenta as formas pelas quais a violência praticada por parceiros íntimos e as coerções sexuais minam a autonomia sexual e reprodutiva das mulheres e comprometem sua saúde. A violência toma caminhos muito variados até afetar a saúde reprodutiva e sexual das mulheres. A violência física e o abuso sexual podem expor a mulher diretamente ao risco de uma infecção ou gravidez indesejada se, por exemplo, a mulher for forçada a ter uma relação sexual ou se não utilizar anticoncepcionais ou preservativos porque ela teme a reação do parceiro. Já um histórico de abuso sexual durante a infância pode indiretamente levar a uma gravidez indesejada ou a uma doença sexualmente transmissível, pois aumenta a exposição ao risco sexual durante a adolescência e a idade adulta. Tanto a violência física, como a psicológica e a social provocam conseqüências com impactos na saúde física e emocional da mulher. Assim é preciso mencionar algumas conseqüências sobre a saúde, resultantes da violência praticada por parceiros íntimos (ALIAGA, 2003).

A violência contra a mulher, especialmente por parte de seu parceiro, é uma carga que se apresenta para os serviços de saúde em função dos custos que gera. Esta violência não só causa danos físicos e psicológicos às mulheres, mas também, implica riscos para seus filhos. Presenciando a violência dentro da família, incrementam-se nas crianças as probabilidades de sofrer depressão, ansiedade, transtornos de conduta e atrasos no seu desenvolvimento cognitivo. Além do mais, aumenta o risco de se converterem, por sua vez, em vítimas de maltrato ou futuros agressores (ALIAGA, 2003).

Dessa forma, a violência doméstica é cada vez mais encarada como um importante

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problema de saúde pública tornando-se urgente estabelecer programas para detecção precocemente e realizar intervenções efetivas. Há ampliação de serviços de apoio e proteção das vítimas prestando orientação, assistência jurídica, capacitação educativa e para o trabalho. Alguns deles desenvolvem serviços alternativos orientados aos agressores uma vez que a violência física tem repercussões econômicas, de morbidade e mortalidade nos diferentes grupos de idade. A violência contra a mulher, atualmente denominada violência de gênero (violência contra a mulher na vida social privada e pública), ocorre tanto no espaço privado quanto no espaço público e pode ser cometida por familiares ou outras pessoas que vivem no mesmo domicílio (violência doméstica); ou por pessoas sem relação de parentesco e que não convivem sob o mesmo teto (FONSECA, 1997).

Para Saffioti (1997), a violência familiar “recobre o universo das pessoas relacionadas por laços consangüíneos ou afins. A violência doméstica é mais ampla, abrangendo pessoas que vivem sob o mesmo teto, mas não necessariamente vinculadas pelo parentesco”. Portanto, violência doméstica é qualquer ação ou conduta cometida por familiares ou pessoas que vivem na mesma casa, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher. É uma das formas mais comuns de manifestação da violência e, no entanto, uma das mais invisíveis, sendo uma das violações dos direitos humanos mais praticados e menos reconhecidos do mundo. Trata-se de um fenômeno mundial que não respeitam fronteiras de classe social, raça/etnia, religião, idade e grau de escolaridade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a violência doméstica como um problema de saúde pública, pois afeta a integridade física e a saúde mental. Os efeitos da violência doméstica, sexual e racial contra a mulher sobre a saúde física e mental são evidentes para quem trabalha na área. Mulheres em situação de violência freqüentam com assiduidade os serviços de saúde e em geral com “queixas vagas” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2002).

“A rota das vítimas de violência doméstica passa regularmente pelo pronto socorros, ambulatórios e hospitais da rede de saúde”, que em geral não conseguem fazer o diagnóstico de violência doméstica, assim como não compreendem a magnitude do problema como uma questão de saúde pública e nem conseguem assumir a responsabilidade social que lhes cabe. No Brasil, um outro dado importante é a omissão do poder público que não habilita os profissionais de saúde para o atendimento adequado às mulheres em situação de violência (RUFINO, 1997),

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A violência física e sexual parece aumentar o risco da mulher sofrer vários distúrbios ginecológicos comuns, alguns dos quais podem ser bastante debilitantes. Entre estes está a dor pélvica crônica que, em muitos países, é o motivo de até 10% de todas as consultas ginecológicas e 25% de todas as histerectomias. Apesar da dor pélvica crônica ser causada comumente por adesões, endometriose ou infecções, cerca de metade dos casos de dor pélvica crônica não têm nenhuma patologia identificável. Vários estudos observaram que as mulheres que sofrem de dor pélvica crônica têm, invariavelmente, maior probabilidade de ter um histórico de abuso sexual na infância, agressão sexual e/ou abuso físico e sexual por seus parceiros. Os traumas do passado podem levar à dor pélvica crônica por meio de lesões não identificadas, devido ao estresse ou ainda ao aumentar a suscetibilidade da mulher a somatização, ou seja, a expressão de angústia psicológica por sintomas físicos. Também, o abuso sexual na infância já foi associado à maior exposição ao risco sexual aumentado e, portanto, ao perigo de contágio de uma DST, o que pode levar à dor pélvica crônica, cuja origem mais freqüente é a doença inflamatória pélvica (ALVES; COURA 1998).

Outros distúrbios ginecológicos associados à violência sexual incluem a hemorragia vaginal irregular, descarga vaginal, menstruação dolorosa, doença inflamatória pélvica e deficiência orgânica sexual (dificuldade de atingir o orgasmo falta de desejo sexual e conflitos quanto à freqüência do ato sexual). A agressão sexual também aumenta o risco do sofrimento pré-menstrual, condição esta que afeta de 8% a 10% das mulheres que menstruam, e provoca distúrbios físicos, do estado emocional e do comportamento. O número de sintomas ginecológicos parece estar relacionado à severidade do abuso sofrido e à possibilidade de que haja ocorrido tanto abuso físico como sexual, de que a vítima tenha reconhecido o agressor, ou de que tenha havido múltiplos agressores (ALVES; COURA 1998).

Para entendermos porque a violência doméstica é também uma questão de saúde pública, precisamos compreendê-la no seu aspecto numérico (grande número de vítimas que atinge); nas repercussões deletérias na sanidade física e mental, assim como em suas decorrências econômicas para o país: diminuição do PIB (Produto Interno Bruto) às custas do absenteísmo ao trabalho; da diminuição da produtividade; e do período que ficam às expensas da seguridade social (RUFINO, 1997).

 

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4.6 Papel do profissional

UBS – Unidade Básica de Saúde – podem ajudar a resolver o problema da violência contra as mulheres aprendendo a fazer perguntas apropriadas sobre o assunto, aprendendo a melhor detectar os sinais que identificam as vítimas da violência doméstica ou do abuso sexual, e ajudando as mulheres a se protegerem criando um plano de proteção pessoal. Todos podem fazer algo para estimular os relacionamentos não violentos. Vários tipos de ferimentos, condições de saúde e comportamentos das clientes podem gerar suspeitas dos profissionais de saúde quanto à possibilidade de violência doméstica ou abuso sexual. Os enfermeiros não podem deixar de perguntar às vitimas sobre possíveis abusos, sempre procurando ser atencioso e respeitoso da privacidade da cliente (MINAYO; SOUZA, 2003).

A mulher que vive em situação de violência doméstica e/ou é vítima de estupro e/ou atentado violento ao pudor necessita de atenção integral nas áreas psicológica, social, jurídica, de segurança pública e saúde. Os Centros de Atendimento, também chamados de Centros de Referência ou Centros de Orientação, prestam orientação e apoio às mulheres vítimas de violência e discriminação de gênero. Oferecem atendimento individual e em grupo, encaminhando-as e acompanhando-as nas áreas psicológica, social e jurídica. Nos casos de violência doméstica, quando a vítima e o agressor estão ligados por laços afetivos ou conjugais, é necessária a realização de um trabalho interdisciplinar voltado para os aspectos emocionais, jurídicos e sociais, que geralmente impedem as mulheres de sustentar as decisões e as ações iniciadas no momento da denúncia das agressões. Por desconhecimento de seus direitos, medo, insegurança, dificuldades financeiras e emocionais, muitas mulheres acabam voltando à delegacia pedindo para “retirar a queixa”, ou desistindo da representação na justiça. Com o apoio dos Centros de Atendimento, as mulheres sentem-se fortalecidas para a efetiva superação da situação de violência (CEDIM, 2005).

Os Centros de Atendimento trabalham em parceria com a Polícia Civil, especialmente nas DEAMs, Polícia Militar, Defensoria Pública, Casas-Abrigo, Secretarias de Trabalho e Ação Social e serviços de emergência hospitalar, integrando uma rede para atendimento a mulheres. A reversão do quadro de invisibilidade da violência doméstica demanda também a atuação dos profissionais de saúde. Pesquisas indicam as seqüelas observadas na saúde física e mental apresentadas por mulheres que vivem em situação de violência. As que sofrem danos físicos decorrentes da violência de gênero tendem a

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ocultar a origem desses danos, quando atendidas nos serviços de saúde. Cabe aos profissionais das unidades de emergência, quando detectado que se trata de mulher vítima de violência, encaminhá-la a um Centro de Atendimento. É de fundamental importância que esta mulher receba o atendimento psicossocial e jurídico a que tem direito (CEDIM, 2005).

A mulher que sofreu violência ao chegar aos serviços de saúde, em especial Pronto Socorro, foi e está muito humilhada, é provável que não deseje se expor mais ainda inclusive porque está amedrontada e confusa. Portanto, ao abordá-la não seja evasivo (a). Respeite os limites humanos. Caso perceba que a mulher está relutando em assumir ou relatar a violência que sofreu, bem como revelar seu agressor, o profissional de saúde deverá conversar em local que garanta a privacidade dela; ou solicitar ajuda encaminhando-a (por escrito) a profissional ou serviços especializados no trato de tal questão, em sua instituição ou em outro local (BRITO, 1997).

Ao diagnosticar violência doméstica, seja firme e solidário. Oriente a mulher “a fazer valer” os seus direitos. Apresente-lhes caminho que possibilitem quebrar o “ciclo da violência”. No entanto, nem sempre você encontrará receptividade. Seja tolerante e não imponha o que você considera a “conduta certa”. Mesmo considerando que a mulher em situação de violência encontra-se em condição de vulnerabilidade, cabe exclusivamente a ela decidir o que fazer. Respeite o direito dela à autonomia. Apenas faça a sua parte, sobretudo saiba encaminhá-la adequadamente e com presteza. Os encaminhamentos, internos e externos, devem ser por escrito e registrados no prontuário. Em casos de violência contra a mulher, um documento médico adequadamente preenchido, como o prontuário, é um testemunho que serve para combater a impunidade e pode salvar vidas (MINAYO; SOUZA, 2003).

Para concluir esta reflexão sobre o cuidar da mulher que sofre violência conjugal na perspectiva analítico do mundo da técnica, em que os profissionais de saúde se encontram envolvidos no cotidiano assistencial, ressaltamos que o importante é estarmos atento para não sermos escravizados por este modo de ser da técnica, nos deixando envolver pela dureza e frieza próprias desse mundo que impõe apenas uma interpretação da realidade. Os profissionais de saúde podem ajudar as mulheres a se protegerem da violência doméstica, mesmo que não estejam ainda prontas para abandonar o lar ou disponham a informar às autoridades sobre os parceiros abusivos. Quando as pacientes têm um plano de proteção pessoal, elas têm mais condições de lidar com as situações violentas (OLIVEIRA, 1998).

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Heidegger (1999), explica que é no cotidiano do trabalho que o ser humano se mostra “antes de tudo” e “na maioria das vezes”, nas situações que envolvem o mundo circundante (mais próximo ou doméstico), o mundo humano (da convivência com as demais presenças) e o mundo próprio (relação do indivíduo consigo mesmo). Todavia, não cabe retirar o valor que a técnica trouxe e traz para a humanidade, mas chamar a atenção que, na cotidianidade viver no modo de ser da técnica faz o ser humano perder o sentido verdadeiro da palavra proximidade, assim como, também, negar a existência do cuidado autêntico. Tal negação leva o ser humano a um processo de desumanização e de embrutecimento das relações. Sendo o principal compromisso dos profissionais de saúde o de cuidar do outro no modo de ser da preocupação, é necessário que o façamos a partir do desafio permanente de sair da existência inautêntica, buscando assumir um poder-ser autêntico nas possibilidades que o atendimento oferece. Isso significa assumir uma atitude compreendendo que o cuidar do outro faz parte da constituição humana.

Nesse sentido, Heidgger (1997) considera-se que “o cuidado significa um fenômeno ontológico’ existencial básico”, isto é, a base possibilitadora da existência humana. Partindo dessa concepção, ressalta-se que o cuidado deva estar presente em tudo, e colocá-lo dessa forma significa:

“Conceder direito de cidadania a nossa capacidade de sentir o outro, de ter compaixão com todos os seres que sofrem humanos e não humanos, de obedecer a mais a lógica do coração, do que a lógica da conquista e do uso utilitário das coisas” (BOFF, 1999).

Ao observarmos o mundo apenas pelas lentes da tecnologia, excluímos a possibilidade de reconhecer o seu esplendor. Entretanto, quando vemos o mundo em termos de cuidado mais do que com a atitude tecnológica, reconhecemos que todos os entes estão numa condição de inter-relacionamento. O cuidado de enfermagem é terapêutico e humano, e, portanto, sua operacionalização ocorre numa relação de ajuda terapêutica ou de educação para a saúde (SILVA, et.all.,  2001).

Para acabar com a violência contra as mulheres é preciso coordenar estratégias entre muitos setores da sociedade e nos níveis comunitário e nacional. Em alguns países, os programas de saúde reprodutiva assumiram a liderança na resolução dos problemas de violência contra as mulheres. Mas os esforços não podem se limitar ao setor de saúde. Uma verdadeira agenda de mudanças deve incluir a potencialização de mulheres e meninas; a imposição de maiores custos aos agressores; o atendimento das necessidades das vítimas; a coordenação das respostas institucionais e individuais; o envolvimento da

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juventude; o trabalho com os homens; e a mudança de certas normas comunitárias (LEMAY, 1994).

Para finalizar, nos apropriamos de uma oportuna frase que expressa um momento de reflexão de Heidegger (1977), na qual o pensador assevera que “esquecer a mais importante característica de nossa existência tem custado ao homem um alto preço, o preço de um mundo dominado pela atitude tecnológica”.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A agressão psicológica é a violência contra a mulher mais comum; pois não deixa lesões físicas, são difíceis de superar e praticamente impossíveis de prevenir;

A violência física é considerada a forma mais grave, pois, muitas vezes pode levar a morte da vítima;

As repercussões à saúde da mulher podem deixar seqüelas irreversíveis, dentre elas destaca-se DST’s (Doenças sexualmente transmissíveis), HIV (Human lmunnedeficiency Virus), gravidez indesejada, distúrbios físicos e ginecológicos;

A violência contra a mulher é um problema de saúde pública e deve ser solucionada através da implantação de programas especiais direcionado pela Secretaria de Saúde e da qualificação de enfermeiros e profissionais os capacitado para identificar e tratar tal situação;

Há uma necessidade de se elaborar um prontuário impresso, sistematizado para atendimento a essas pacientes, a ser utilizado por hospitais da rede pública e conveniado;

Devem-se garantir o atendimento psicológico às mulheres vítimas de violência, pelas equipes de hospitais e rede do SUS;

O profissional de enfermagem deve promover através do Ministério da Cultura e Secretarias Estaduais e Municipais de Cultura, eventos culturais que incentivem e/ou dêem visibilidade à produção de mulheres no campo da comunicação escrita, falada e televisiva e expressão artísticas;

Incentivar programas e núcleos universitários e ONG’s (Organizações não governamentais), no sentido de elaboração de pesquisas que direcionem a inclusão de questões de gênero na política de comunicação dos governos municipais, estaduais e federais.

A Lei Maria da Penha foi um passo importante para o enfrentamento da

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violência contra a mulher.

O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia que foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1993, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira com arma de fogo deixando-a paraplégica e na segunda por eletrocução e afogamento.      O marido de Maria da Penha só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado.

A Lei 11.340/06, Maria da Penha, alterou o Código Penal em favor das mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. Desde sua entrada em vigor, o agressor passou a poder ser preso em flagrante ou preventivamente, e o tempo máximo de permanência na prisão aumentou de um para três anos.

O que a Lei traz de positivo:

Previsão expressa de que a mulher deve estar acompanhada de um advogado em todos os atos processuais (art. 27).

Reafirmação dos Direitos e garantias individuais da mulher e proteção à mulher agredida por outra mulher (relações homossexuais previstas no art. 5°, parágrafo único).

Devolução de poder à autoridade policial que agora poderá investigar, fazer inquirições ao agressor e à vítima culminando com um inquérito policial que deverá ser apreciado pelo Juiz em até 48 horas (em caso de medidas de urgência).

Previsão de formação de programas de recuperação e reeducação do agressor.

Previsão de implementação de disciplinas curriculares de Direitos Humanos e de combate à violência doméstica.

 

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Referencias Bibliográficas

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ALIAGA PP, AHUMADA GS; Marfull JM. Violencia hacia la mujer: un problema de todos. Rev. Chil. Obstet. Ginecol. 2003.

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BRITO, BENILDA REGINA PAIVA. Mulher, Negra e Pobre: a tripla discriminação. Teoria e debate, ano 10, No. 36, out/nov/dez 97.

CAMARGO, M. Violência e saúde: ampliando políticas públicas. Jornal da Rede Saúde. São Paulo, n 22, nov. 2000. Disponível em: <http://apsp.org.br/saudesociedade/XIII_2/artigos%20PDF/revista%2013,2%20artigo%208.pdf> Acesso em: 13 mar. 2007.

CASIQUE, LC. Violência perpetrada por companheiros íntimos às mulheres em Celaya. Tese [Doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (SP): USP; 2004.

DE CICCO. Enlaces de awid, 2004. Disponível em: <http://www.awid.org/go.php?list=enlaces&item=00090> Acesso em 16 mar. 2007.

DEL PRIORI, M. (Org.). (2001). Historia das mulheres no Brasil. 5 ed. São Paulo, 2001.

ELUF, LUIZA NAGIB – Crimes contra os costumes e assédio sexual / Luiza Nagib Eluf – Ed.condensada – São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.

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Penal

O Efeito Contrário da “Guerra” às Drogas: Aumento da Violência e Propagação do Preconceito

Redação Direito Diário

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  1. INTRODUÇÃO

Atualmente, determinadas condutas ainda são consideradas delituosas pelo simples fato da sociedade entender que a punição é o meio adequado para o Estado legitimar o seu poder perante o controle penal. No entanto, a criminalização, muitas vezes, não é o meio mais apropriado para a proteção dos bens jurídicos como ocorre no caso das drogas.

No Brasil a política criminal é baseada na repressão, visando tutelar penalmente o bem jurídico da saúde pública, entendendo que tanto o consumo de drogas, quanto a venda destas substâncias devem ser criminalizadas por causarem dependência física, bem como serem altamente lesivas a saúde dos usuários. Portanto, o Estado gasta uma quantia elevadíssima de recursos com o intuito de alcançar o fim dessa guerra, contudo, até o presente momento, não chegou a lugar algum, mas somente ocasionou numerosos crimes secundários, quais sejam: homicídios, tráficos de armas, corrupção, entre outros delitos mais graves que o próprio uso e o tráfico de drogas. Tratar o uso e a venda de drogas como entorpecentes ilícitos gera um impacto econômico relevante para o país, pois as organizações criminosas se sustentam através da venda, eis que a proibição valoriza de tal maneira estas substâncias no mercado.

A preocupação do combate as drogas é tão intensa que o bem jurídico tutelado por essa conduta delituosa, a saúde pública, acaba se tornando secundário em razão da segurança pública e a aplicação da lei penal prevalecer perante aquele bem jurídico, fugindo totalmente do contexto da criminalização das substâncias entorpecentes.

Vale destacar que a política proibicionista das drogas é um evidente fracasso, pois o Estado poderia investir os seus recursos em políticas públicas visando a prevenção do uso e venda das substâncias entorpecentes desde o princípio, como por exemplo, prover campanhas educativas dentro das escolas e colégios, bem como educar e advertir a população e não utilizar o direito penal como se fosse uma solução apropriada para a resolução do problema.

O consumo de entorpecentes representa claramente uma autolesão ao próprio dependente químico, uma vez que não é um comportamento socialmente lesivo a terceiros, mas tão somente ao próprio usuário. Tão verdade que algumas drogas são totalmente legalizadas como o cigarro e as bebidas alcoólicas, sendo que elas são tão lesivas quanto aos entorpecentes considerados ilícitos. Criminalizar a conduta de um consumidor o exclui e o marginaliza automaticamente da sociedade, impossibilitando o tratamento médico a fim de alcançar a sua cura.

Importante analisar a figura imposta ao traficante de drogas nos dias atuais. Essas pessoas normalmente são aquelas excluídas pela sociedade apenas por estarem comercializando algo que o próprio consumidor vai atrás para adquirir e suprir seu próprio vício. Observa-se que o traficante de drogas está na mesma posição que um comerciante de bebidas alcoólicas e cigarros, sendo que seus clientes tão somente o procuram visando sustentar a sua dependência em tais substâncias. Entretanto, ambos são tratados com diferenças pela coletividade por questões sociais, pelo preconceito de olhar o traficante como um ser perigoso que está colaborando com o aumento de consumo de drogas, estando ele apenas comercializando o seu produto igualmente o dono de um estabelecimento comercial que vende drogas consideradas lícitas no país.

Muito comum a criminalização das drogas afetar jovens pobres da periferia, os quais são direcionados para o sistema prisional unindo-os com grandes quadrilhas e facções criminosas, não havendo outro caminho a não ser a cursarem a escola do crime, ou seja, jovens carentes primários, pequenos traficantes, acabam sendo atirados ao cárcere onde estarão no meio de criminosos de todas as espécies, aumentando, portanto, a probabilidade de serem reincidentes de delitos mais graves dos quais haviam cometido anteriormente, tornando-se mais ameaçadores para a sociedade.

É totalmente explícito que a criminalização das drogas falhou, devendo, assim, o Estado pensar em não combater essa guerra, mas sim controlá-la antes que mais jovens acabem se entregando para o mundo do crime praticando condutas mais severas, além de agentes estatais corrompidos e policiais mortos. Logo, a modificação da lei é uma alternativa viável para apresentar bons resultados, até porque não havendo lesão a bem jurídico alheio, a criminalização do consumo e venda de drogas não se afigura legítima.

 

2) A QUESTÃO DAS DROGAS SOB O ASPECTO DA DOGMÁTICA PENAL

 

2.1) Conflito como elemento essencial da tipificação penal

 

O jurista argentino, Eugenio Raúl ZAFFARONI, a fim de corrigir a tipicidade penal, criou a chamada tipicidade conglobante, a qual surgiu da junção da tipicidade material e a antinormatividade, afastando a ideia de que a tipicidade é meramente formal. A tipicidade material se preocupa em analisar a relevância da lesão ou do perigo de lesão que determinada conduta causou ao bem jurídico de terceiro[1], enquanto a antinormatividade é a contrariedade do fato com uma norma jurídica específica[2].

A teoria conglobante afirma que não é possível em um mesmo ordenamento jurídico haver a existência de normas que proíbem certas condutas, sendo que há outras que permitem, ou seja, o que é permitido por uma norma não pode ser proibida por outra, devendo o sistema normativo ser considerado em sua globalidade.

Segundo o autor, a atuação do poder punitivo apenas deve atuar quando realmente houver um conflito, isto é, no momento em que a conduta de um suposto ofensor for antinormativa e efetivamente violar algum bem jurídico penalmente tutelado[3]. Logo, inexistindo lesão ao bem jurídico, não é possível falar em conflito e não havendo conflito, não há crime.

 

2.2) A inexistência do conflito no uso de drogas e a polêmica sobre a sua presença no tráfico.

 

É possível observar que a posse de drogas para consumo próprio está previsto no artigo 28, caput, da lei 11.343/2006 com as seguintes penalidades: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade e III – medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. No entanto, no artigo 5º da Constituição Federal é clara a garantia tanto da intimidade quanto da liberdade do cidadão. No ponto de vista da tipicidade conglobante, não seria possível sanções em decorrência da posse de drogas para consumo próprio, uma vez que uma norma não pode ser normativa e antinormativa no mesmo ordenamento jurídico.

De acordo com o princípio da lesividade, para ocorrer a intervenção penal há a necessidade da lesão de algum bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico. Nesse caso, o usuário de drogas faz uso de substâncias ilícitas por livre e espontânea vontade, causando prejuízos a sua próprio saúde, não ofendendo em nenhum momento à integridade e/ou a bens jurídicos de terceiros.

Os problemas de saúde resultantes do consumo de drogas devem ser tratados, mas não pelo Direito Penal, pois foge totalmente de sua competência, pois inexiste lesão a bem jurídico tutelado penalmente. As drogas fazem mal a saúde da mesma forma que diversas outras substâncias também fazem, no entanto, são consideradas lícitas, portanto, o maior mal dos entorpecentes está na própria criminalização que resulta violência como mecanismo necessário para o desenvolvimento da referida atividade.

Resta evidente a ilegitimidade da tipificação do delito previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006, devido a inexistência de lesão a bens jurídicos[4]. O usuário de entorpecentes não viola a saúde coletiva, em razão dele estar adquirindo drogas para o próprio consumo individual e, acerca do bem jurídico da saúde pessoal, a autolesão não pode ser considerada como delito até porque o Direito Penal não pode e nem deve ser utilizado para obrigar as pessoas a atuarem em seu próprio benefício.

A criminalização do uso de drogas viola de forma incontestável a intimidade do usuário por tornar pública uma conduta que diz respeito tão somente a sua pessoa, além de lesionar a sua liberdade em razão de ficar impedido de praticar certas condutas que causarão danos apenas a si próprio.

A aplicação do jus puniendi estatal ao consumir de drogas é algo completamente desproporcional a sua conduta, pois esse problema é social e eminentemente de saúde pública, por conseguinte, um usuário de alucinógenos deveria ser visto pela sociedade como uma pessoa que necessita de ajuda e não de punições.

A ideia da tipicidade conglobante também pode ser aplicada nos casos dos traficantes de entorpecentes, uma vez que no ordenamento jurídico brasileiro é permitido a venda de diversas substâncias também consideradas como drogas, sendo que tais produtos fazem mal à saúde e causam dependência da mesma forma, ou até pior, das substâncias proibidas no país.

As condutas imorais praticadas pelos cidadãos não devem ser interferidas pelo Direito Penal, eis que o poder punitivo deve atuar pela conduta praticada e não o que ele representa socialmente. O traficante de drogas está vendendo o seu produto igualmente a um comerciante de bebidas e cigarros, contudo, são vistos pela sociedade como verdadeiros criminosos por estarem supostamente contribuindo com o aumento do consumo das substâncias ilícitas. O que ninguém enxerga, ou não querem enxergar, é que os traficantes são procurados pelos usuários de drogas de forma consciente e espontânea, não havendo qualquer tipo de coação para os consumidores adquirirem seus produtos.

Importante ressaltar que a justificativa dos usuários de drogas procurarem os traficantes pelo fato de já estarem viciados é insensato, uma vez que no Brasil os dependentes químicos tanto de bebidas alcoólicas quanto de cigarros, também já estão viciados e não são influenciados para se dirigirem a um comércio e adquirirem mais substâncias a fim de suprir o vício. Além do mais, se o Estado investisse verbas em políticas públicas ao invés de gastar milhões no combate às drogas o número de dependentes químicos diminuiria de forma significativa, não havendo mais necessidade da procura intensa ao referido comércio.

Portanto, a intervenção punitiva estatal é inadmissível quando o agente resolve auto lesionar o seu próprio bem jurídico, uma vez que a violação ocorre de forma totalmente consciente pelo ofensor, não sendo uma conduta considerada negativa a ele. Dessa forma, no caso de um usuário de substâncias entorpecentes, não há cabimento o Estado interceder em seu comportamento, em razão do consumidor estar ofendendo tão somente a sua própria saúde e não a de terceiros. Logo, havendo autolesão a qualquer bem jurídico, a atuação do poder punitivo deverá ficar inerte em virtude de não estar presente a tipicidade penal[5].

Ainda, é possível observar que tal ideia também se aplica nos casos dos traficantes de drogas, devido eles serem procurados para realizar a venda das substâncias ilícitas, tendo os consumidores plena consciência que no momento em que adquirirem os alucinógenos estarão prejudicando apenas a si mesmo, além disso, estarão vendendo produtos equiparados a muitos outros que são considerados lícitos no mercado.

 

3) AS POSSIBILIDADES PARA ABORDAGEM DA QUESTÃO DAS DROGAS NO ESTADO DEMOCRÁTICO

 

3.1) Guerra às Drogas

 

Atualmente, o Brasil vive o cotidiano da criminalização da pobreza, pois a proibição só amplia a desigualdade social, a repressão, e a exploração da classe trabalhadora. Alguns indivíduos são recrutados ou seduzidos, e encontram na comercialização das drogas seu meio de sobrevivência. A juventude negra e pobre que vive nas periferias e favelas do país é a principal vítima da chamada “Guerra às Drogas”, que é a grande justificativa para ações policiais que matam diariamente dentro dessas comunidades de baixa renda.

O discurso utilizado para justificar a guerra às drogas é o vício que elas geram aos seus usuários, bem como condutas violentas ou antissociais e autodestrutivas. Possuem o intuito de diminuir a oferta das drogas prescritas para aumentar seu preço e reduzir as oportunidades de consumo. Acreditam que a criminalização minimizará a violência, gerando proteção social e ao bem jurídico da saúde pública.

O fundamento de que a repressão causará a dificuldade de acesso as drogas e assim diminuirá a quantidade de usuários e traficantes é totalmente falho, tornando necessário o reconhecimento da adoção de novas medidas para a redução do consumo.

O preconceito e o moralismo do senso comum predomina quando se trata em acreditar que as drogas, algum dia, realmente terá fim através da violência, não se preocupando se esta guerra está gerando morte de inocentes, corrupção de policiais e o aumento da criminalidade.

O comércio das substâncias consideradas ilícitas é um negócio altamente arriscado, com punições agressivas, porém, muito lucrativo. Dessa forma, jamais faltará pessoas com o interesse de correr esse risco, uma vez que possuem ciência que sempre haverá compradores, tornando referido mercado cada vez mais interessante devido o lucro astronômico, graças a proibição[6].

Resta claro que repressão das drogas tem sido um tremendo fracasso, em razão destas políticas estarem matando mais do que pretende combater, além disso, está havendo um alto custo financeiro e social por parte do governo, mas sem resultados favoráveis.

O problema das drogas só vem aumentando no país e aparenta não haver solução[7]. O governo vem gastando uma quantia elevadíssima a fim de combater o tráfico, no entanto, os resultados não estão sendo nada positivos, pois, além de estar somente aumentando o consumo das substâncias entorpecentes, diversas pessoas, mais especificamente os marginalizados, estão sendo encarcerados juntamente com grandes criminosos, quando não são mortos.

Grande parte dos prisioneiros no Brasil estão detidos pela prática do delito de tráfico de entorpecentes, contudo, apenas os pequenos traficantes, ficando evidente que o sistema penal não pretende reduzir os danos gerados pelo consumo das drogas, mas sim visa mostrar à sociedade com o seu discurso moralista que o encarceramento em massa gerará mais segurança a todos.

Relevante hipocrisia em pensar que encarcerando os traficantes de drogas haverá redução do uso e do comércio dos entorpecentes, uma vez que dentro dos sistemas prisionais tem tanta droga quanto nas próprias ruas.

Há milhões de pessoas envolvidas no tráfico e uso de drogas no país, mas são registradas pelo sistema de controle penal somente a criminalização seletiva, da minoria, devido a sua vulnerabilidade, caracterizando a chamada cifra oculta, pois os delitos que ocorrem na realidade são muito maiores do que são registrados nas estatísticas pelo sistema penal[8].   Logo, as condutas praticadas pela classe dominante são realizadas de forma obscura, enquanto o marginalizado é visto como uma ameaça, gerando insegurança na população, muito embora o comportamento de ambos sejam os mesmos.

O Sistema Penal deveria ser aplicado de forma igualitária para todas as pessoas, sem distinção social, porém, a realidade é outra, uma vez que o próprio Direito Penal seleciona os indivíduos que serão criminalizados. Dessa forma, é possível observar que o direito igualitário é um mito, pois o Estado seleciona parte da sociedade para ser submetida a sua coerção, objetivando impor uma pena[9].

O estereótipo utilizado no discurso da guerra às drogas apenas tem como função sustentar o elevado lucro que esse mercado proporciona, com a ajuda do senso comum, não havendo preocupações que a repressão atualmente está matando mais que o próprio consumo de entorpecentes, além de estar gerando superlotação carcerária, porém, não existindo nem sinal da redução do consumo e/ou do comércio das drogas[10].

 

3.2) Regulamentação do uso e venda de drogas

 

A política proibicionista e criminalizante das drogas afeta principalmente a população marginalizada, além de aumentar o índice de criminalidade de forma absurda.

O que a sociedade não enxerga, ou não quer enxergar, é que a violência não está relacionada às drogas, mas sim a própria proibição, tão verdade que os usuários, principalmente os desfavorecidos, lotam os presídios acusados de tráfico de entorpecentes.

A legalização das drogas precisa vir juntamente com a sua regulamentação, sendo necessário definir regras claras de produção, respeitando o cultivo caseiro. É indispensável colocar a saúde e a segurança das pessoas como prioridade, bem como concentrar as ações de forças de segurança contra atores violentos do crime organizado, não aos pequenos traficantes como vem acontecendo diariamente.

Ressalta-se que maioria das pessoas envolvidas no tráfico de drogas são crianças e adolescentes, uma vez que eles buscam o reconhecimento social e tentam suprir as suas necessidades materiais através do lucro alcançado através deste comércio. Os menores infratores entram nas escolas, normalmente com ensinos precários em decorrência de serem jovens de periferias, e abandonam por não conseguirem sequer ter esperança que naquele espaço adquirirão experiências para alcançar seus sonhos, quando possuem um sonho, pois já nascem em famílias desestruturadas e em favelas, crescem sabendo que são seres invisíveis, não encontrando motivos para lutar. A visto disso, seguem o caminho mais fácil, em razão de não terem mais o que perder, pois o pouco que tinham a sociedade/Estado já os tirou.

Portanto, o principal foco é regular o mercado de drogas para colocar o governo no controle a fim da qualidade do produto, assim como o preço, também estarem incluídos no radar dos reguladores. Dessa maneira, o Estado terá controle sobre quem utiliza e quanto utiliza de entorpecentes, podendo os usuários serem indicados para atendimento físico e psicológico, além de receberem orientações fundamentais a respeito das consequências que as drogas podem trazer para a vida de um consumidor.

Sobre a questão das drogas em geral, a sociedade é um tanto hipócrita, pois maior parte das pessoas que faz discursos exaltados contra tais substâncias, faz uso diário do álcool e do cigarro. Os que se entorpecem de diferentes formas, seja com o cigarro, seja com o álcool, ou ainda com remédios vendidos livremente nas farmácias, são todos vítimas de uma dependência. Atualmente, há diversos problemas relacionados a essas drogas no país, no entanto, não existe mortes causadas pelo desejo de comprar e não ser permitido, pois são produtos legalizados.

O objetivo da proibição das drogas fracassou, dessa forma, o Estado ao invés de ficar investindo valor exorbitante com o intuito de acabar com elas, deveria aplicar esse montante em políticas públicas, ou seja, educar e informar as pessoas sobre os danos causados pelas substâncias entorpecentes através de conhecimentos científicos e experiências presenciadas pelos próprios cidadãos que conseguiram vencer esse vício. Além de implantar mais rede de assistência, pública e privada, para dependentes químicos que necessitam de ajuda, pois muitas vezes não possuem o apoio e incentivo necessário para alcançarem a sua cura sozinhos.

 

3.3) Breve quadro comparativo

 

Atualmente, a lei de drogas que está vigente no Brasil é a nº 11.343/2006, onde há a despenalização dos usuários e a criminalização do comércio de entorpecentes previsto nos artigos 28 e 33, respectivamente. Muito embora a referida lei faça uma diferenciação entre o consumidor e o traficante, não há um critério objetivo que permita fazer essa análise, como a definição da quantidade máxima para cada substância permitida para posse e uso pessoal. Portanto, como não há um critério de diferenciação, quem decide é o juiz, levando a arbitrariedades e insegurança jurídica, até porque o tráfico de drogas é considerado um delito equiparado ao hediondo.

Como bem salientado nos capítulos anteriores, a atual política proibicionista do Brasil em relação as drogas está totalmente fracassada, uma vez que passados mais de 100 (cem) anos de proibição, essa guerra apenas teve consequências extremamente negativas, quais sejam: milhares de mortes desestruturando diversas famílias, encarceramento em massa, a suposta proposta de proporcionar melhoria a saúde pública com a criminalização também falhou, eis que o número de doenças relacionadas ao uso das substâncias ilícitas de forma inapropriada aumentou de forma significativa, em razão das drogas injetáveis sem os cuidados necessários, bem como devido os entorpecentes proibidos não estarem sendo reguladas pelo Estado e sendo vendidas misturadas com diversas substâncias prejudiciais desconhecidas, a tornando mais nociva aos consumidores.

Nos Estados Unidos da América a situação não é muito diferente do Brasil, uma vez que em 40 anos de combate aberto, e nos 90 anos de proibicionismo, o único êxito que o país conseguiu foi uma movimentação bilionária em sua economia, os quais não tiveram proveito nenhum devido ao aumento gradativo do consumo das drogas, além da violência atrelada ao crime organizado[11].

É possível observar que nos países proibicionistas o que mais impulsiona o tráfico de drogas é a própria proibição, a ilegalidade dos entorpecentes, criando uma economia ilícita de grande proporção, ou seja, gerando relevante interesse econômico as pessoas em decorrência do lucro exorbitante que este comércio proporciona.

Enquanto na Holanda desde os anos 80 é possível os usuários de cannabis, mais conhecida como maconha, adquirirem estas substâncias nas chamadas Coffeeshops, podendo ser consumidas dentro do próprio estabelecimento ou levá-las para casa. Dessa forma, o consumidor para suprir o seu vício sabe onde encontrar os entorpecentes e não tem necessidade de se arriscar a comprar com grandes traficantes em locais perigosos e nem tampouco correr risco de conhecer e ter acesso as drogas mais lesivas a saúde. Além disso, é possível a comercialização de até 5g (cinco gramas) da maconha, não sendo considerada tal conduta delituosa, resultando em uma diminuição significativa dos números de detentos no país[12].

A história mostrou que a criminalização das drogas não obteve êxito em minimizar os consumidores das substâncias entorpecentes, por essa razão o país da Noruega resolveu descriminalizar o uso da maconha, cocaína e da heroína, a fim de tratar as drogas como questão de saúde pública e não um quesito criminal, pois viu que os usuários constantemente eram presos e logo após retornarem ao convívio social voltavam para o sistema prisional. Logo, acreditou ser mais eficaz ao invés de prendê-los, tratá-los em clínicas médicas, por entender que os consumidores são pessoas doentes e não criminosas, além disso, dentro dos presídios eles não estariam longes do seu vício[13].

Os Noruegueses buscam o resultado satisfatório que Portugal obteve com a descriminalização das drogas, quais sejam, a diminuição expressiva de mortes por overdose, bem como das doenças transmissíveis através das seringas para aplicação das substâncias injetáveis, além dos delitos relacionados aos entorpecentes. Portugal foi surpreendido por não haver o aumento do consumo após a descriminalização e também não virou um país de turismo de drogas[14].

Diante da comparação entre os países que criminalizam o uso e comércio das drogas com os quais que descriminalizam tais condutas é evidente perceber que a violência acontece tão somente em razão da própria proibição, além disso, a justificativa da necessidade de penalizar estas atitudes por causa do bem jurídico da saúde pública é totalmente falha, pois serve apenas para camuflar o preconceito e moralismo da sociedade perante estas pessoas.

 

  1. CONCLUSÃO

A forma que o Brasil atualmente tem tratado a questão das drogas restou clara que é totalmente inapropriado, uma vez que a sua justificativa para continuar um país proibicionista está falido em decorrência de estar gerando mais malefícios à sociedade do que benefícios.

A violência está aumentando diariamente de forma significativa principalmente nas classes marginalizadas, eis que uma das principais finalidades da criminalização das drogas é o controle social das classes etiquetadas como perigosas. A sociedade apenas enxerga a prática do uso e comércio dos entorpecentes nas periferias, havendo uma relevante militarização dentro destes locais a fim de combater definitivamente com as drogas. Inúmeras mortes de inocentes ocorrem dentro das favelas devido o confronto existente entre traficantes, policiais, usuários e até mesmo supostos traficantes, fatos que normalmente sequer geram repercussão ou indignação social, pois o senso comum acredita que quanto mais indivíduos destas comunidades forem mortos mais perto do fim das drogas estaremos.

O consumo e venda das substâncias entorpecentes é dominada pelo preconceito, pois a maioria das pessoas que defendem a sua proibição são usuários de diversas outras drogas vendidas no mercado que também prejudicam a saúde tanto quanto as substâncias ilícitas.  Além disso, há uma discriminação muito grande contra os traficantes perante a sociedade, pois entendem que eles são os verdadeiros responsáveis pelos danos causados a saúde pública através do comércio das drogas, todavia, não pensam que o único responsável pelos transtornos causados é tão somente a proibição.

Imaginar que sem a proibição das drogas o seu consumo vai aumentar é uma ideia equivocada, pois os países que decidiram legalizar\descriminalizar as substâncias entorpecentes não tiveram aumento significativo no nível de consumo, ou seja, não há correlação entre a legalização/descriminalização e aumento nas taxas de uso. Ademais, é nítido que a proibição do uso das drogas dificulta o acesso dos consumidores a tratamento médico, sendo necessário, portanto, de uma alocação de recursos eficientes, onde o Estado invista dinheiro nos serviços de saúde a fim de começar tratar os usuários de drogas como pessoas doentes que necessitam de ajuda e apoio, deixando de lado o preconceito existente e entendendo que puni-las não é a solução, pois, assim, elas se sentirão reconhecidas como cidadãos e amparadas pelo Estado, facilitando em alcançar a cura e tendo ciência que após o tratamento não terão dificuldades de se inserirem na sociedade novamente.

O investimento em políticas públicas efetivas pelo governo visando a prevenção e o tratamento dos dependentes químicos, na perspectiva de integração social, minimizaria de forma contundente os problemas relacionados ao uso de substâncias entorpecentes, através de programas e projetos de promoção à saúde realizado pelo Estado, mostrando a sociedade que o uso das drogas apenas trará resultados negativos a vida do usuário. Existindo a necessidade de implantação de projetos dentro das próprias escolas com o intuito de prevenir que as crianças algum dia se tornem consumidores, as incentivando que estas substâncias causará grandes transtornos no futuro, inclusive no âmbito familiar.

A partir da análise da necessidade de investimento em políticas públicas ao invés de gastos milionários na proibição das drogas, é possível observar que não haveria sequer a possibilidade de existir traficantes de entorpecentes, pois não teriam produtos a serem vendidos, em razão das substâncias estarem sendo regulamentadas pelo próprio governo, extinguindo este mercado negro.

Os consumidores se tornam viciados, pois não possuem qualquer estrutura para dirimirem a possibilidade de não entrarem para o mundo das drogas, até porque a maioria das pessoas começam o uso dos entorpecentes quando adolescentes por diversão e não conseguem mais parar, enquanto os traficantes se aproveitam da proibição para venderem seus produtos que rendem lucros significativos, pois têm ciência que a clientela dificilmente vá acabar, em razão da precariedade de investimentos nas periferias.

Portanto, afirmar que os traficantes de drogas causam relevante lesão ao bem jurídico da saúde pública ao venderem os entorpecentes, é algo a se pensar, pois se hoje existe este comércio, é devido a própria proibição, o Estado prefere permanecer inerte do que providenciar investimentos realmente eficazes para amenizar tal situação.

 

[1] “A afetação do bem jurídico pode ocorrer de duas formas: de dano ou lesão e de perigo. Há dano ou lesão quando a relação de disponibilidade entre o sujeito e o ente foi realmente afetada, isto em quando, efetivamente, impediu-se a disposição, seja de forma permanente (como ocorre no homicídio) ou transitória. Há afetação do bem jurídico por perigo quando a tipicidade requer apenas que essa relação tenha sido colocada em perigo.”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 488).

[2] “(…) a conduta que se adequa a um tipo penal será, necessariamente, contrária à norma que está anteposta ao tipo legal, e afetará o bem jurídico tutelado. A conduta adequada ao tipo penal do art, 121 do CP será contrária à norma “não matarás”, e afetará o bem jurídico vida humana (…)”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 398).

[3] “Para bem entender a questão é preciso refletir sobre o próprio poder punitivo e sua representatividade como elemento de força extrema e geração de danos, o que conduz à percepção de que somente pode ser habilitado quando efetivamente haja um conflito, ou seja, quando se constate que a conduta do agente produziu dano sensível à bem jurídico de terceiro”. (TASSE, Adel El, Manual de Direito Penal: Parte Geral. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 214).

[4] “Nas frestas da impossibilidade de definição científica da droga, constituem-se os discursos ideológicos (médico, moral, jurídico, geopolítico) sobre o mal a ser combatido, sobre as vítimas e os corruptores, enquanto o que realmente diferencia a droga lícita da ilícita é, antes de tudo, o processo de criminalização (criação de leis) para proteger o bem jurídico saúde pública (outra invenção discursiva que serve para qualquer fim). Paradoxalmente, é a criminalização o que mais provoca riscos à saúde e danos ainda maiores do que os supostos efeitos primários das substâncias ilícitas. A saúde pública não passa de uma abstração, a menos que seja possível comprovar racionalmente que o genocídio é um “bom remédio” à saúde pública: são inúmeras as mortes por overdose, contaminações por HIV e outras doenças infecto-contagiosas (decorrentes das condições de uso em regime proibicionista) e as incontáveis mortes de usuários, traficantes, policiais e vítimas do acaso nessa “guerra sem fim”. (ARGUELLO, Katie. O fenômeno das drogas como um problema de política criminal. Revista da Faculdade de Direito UFPR, [S.l.], v. 56, set. 2013. ISSN 2236-7284. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/33496. Acesso em: 11 out. 2018).

[5] “Com isso, na medida que exista uma autorização prévia do ofendido dentro do nível de disponibilidade existente sobre o bem jurídico, sendo ele capaz de manifestar aceitação, não havendo nenhum vício quanto à vontade e a ação do agente se dê nos exatos limites da concordância havida, ocorre típica hipótese de ausência tipicidade por não ocorrência de conflito entre os envolvidos, o que não habilita qualquer possibilidade punitiva que caso ocorresse seria baseada em puro critério moral, ou seja, na concepção de que dentro de estrutura moral dominante poderia se considerar o ajuste havido como não positivo”. (TASSE, Adel El, Manual de Direito Penal: Parte Geral. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 214 – 215).

[6] “Se o lucro for conveniente, o capital se torna corajoso; com 10% assegurados, vai a qualquer lugar; com 20%, se acalora; com 50%, torna-se temerário; com 100%, esmaga sob seus pés todas as leis humanas; com 300%, não há crime que não ouse cometer, mesmo arriscando o patíbulo”. (SILVA, Myltaynho Severino da. Se Liga: O livro das drogas. Rio de Janeiro: Record. 2003. p. 17).

[7] “É a própria ONU que aponta para o inegável fracasso na obtenção do inviável objetivo explícito de construir “um mundo sem drogas”. Em seu relatório de 2005, divulgado em Viena em 29 de junho daquele ano, o Escritório das Nações Unidas para as drogas em crimes (UNODC) afirmava que o uso de drogas em todo mundo crescera cerca de 8% em relação ao ano anterior, crescimento este liderado pela cannabis. Segundo o relatório, cerca de 200 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos – 5% da população mundial nessa faixa etária – teriam usado drogas ilícitas nos doze meses anteriores e seu mercado, movimentando em torno de 320 bilhões de dólares, teria superado os produtos internos brutos de 90% dos países”. (KARAM, Maria Lúcia. Proibições, Riscos, Danos e Enganos: As Drogas Tornadas Ilícitas – Escritos sobre a liberdade. v. 3. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 53).

[8] “As expectativas profissionais dos funcionários investigadores os induzem antes a ver um suspeito em um desabrigado do que em um próprio inspetor da polícia federal e antes a tirar suspeitos do mal afamado local da estação que do subúrbio residencial – rotinas, que, em dúvida, são funcionais e também inevitáveis, mas que do mesmo modo distribuem de modo seletivo as possibilidades de permanecer no setor obscuro”. (HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Porto Alegre: Fabris, 2005. p. 94-100).

[9]   “Não se trata de uma guerra contra coisas. Como quaisquer outras guerras, dirige-se, sim, contra pessoas. A nociva e sanguinária ‘guerra às drogas’ é uma guerra contra os produtores, comerciantes e consumidores das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas. Mas, não exatamente todos eles. Os alvos preferenciais da nociva e sanguinária ‘guerra às drogas’ são os mais vulneráveis dentre esses produtores, comerciantes e consumidores das substâncias proibidas. Os ‘inimigos’ nessa guerra são os pobres, os marginalizados, os não brancos, os desprovidos de poder. (KARAM, Maria Lucia. Por que precisamos dar fim à guerra às drogas. 07 abr. 206. Disponível em: http://www.justificando.com/2016/04/07/por-que-precisamos-dar-fim-a-guerra-as-drogas/. Acesso em: 24 out. 2018).

[10] “O tráfico de drogas ilícitas aparece como um delito cuja repressão se opera muito mais pela ótica econômica do que pela suposta saúde pública que se pretende defender no discurso jurídico. Talvez no plano econômico se possa enfim entender a criminalização das drogas enquanto estratégia de poder, voltada para o encarceramento (controle) das classes perigosas, bem como para fomento da ilegalidade das classes dominantes”. (ZACCONE, Orlando D’Elia Filho. Acionista do nada: quem são os verdadeiros traficantes de drogas. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.70).

[11] GOMES, Vinicius. Guerra contra as drogas: os EUA querem realmente vencê-la? Revista Fórum. 21 mar. 2014. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/digital/139/guerra-contra-drogas-os-eua-realmente-querem-vence-la/. Acesso em: 01 nov. 2018.

[12] PASSOS, Fernanda dos. As políticas de drogas do Brasil e da Holanda. 26 out. 2011. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/pol%C3%ADticas-de-drogas-do-brasil-e-da-holanda. Acesso em: 01 nov. 2018.

[13] WALLIN, Claudia. Ao invés de punir, Noruega oferece tratamento a viciados. RFI: As vozes do mundo. 20 dez. 2017. Disponível em: http://br.rfi.fr/europa/20171220-ao-inves-de-punir-noruega-oferece-tratamento-viciados. Acesso em: 01 nov. 2018.

[14] Idem.

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Empresarial

A Recuperação Judicial do Empresário Rural

Redação Direito Diário

Publicado

em

O agronegócio responde por cerca de 23,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro [1]. Na safra de 2017/2018, foram realizados investimentos na casa dos 147 bilhões de reais no setor de agricultura empresarial, alcançando patamar total de exportação de 219 bilhões de dólares no acumulado de 2018 [2]. Apesar do relevante impacto do setor na economia nacional, não é com segurança que o empresário rural lida com a situação de dificuldade econômico-financeira. Afinal, como deve lidar o empresário rural em uma situação de crise?

O Código Civil, nos termos do seu art. 966, caput, conjuntamente com seu art. 967, considera como empresa aquela que desenvolve atividade econômica organizada para a produção ou para a circulação de bens ou serviços, obrigando o empresário a inscrevê-la na Junta Comercial antes do início de suas atividades. O descumprimento desta obrigação inviabiliza a recuperação judicial do empresário em função do não preenchimento de requisito legal do pedido, nos termos do art. 51, V, da Lei nº 11.101/2005 (“Lei de Recuperações e Falências” ou “LRF”).

Ao empresário rural a lei confere tratamento diferenciado em relação às outras atividades empresárias, facultando a este (e não obrigando-o) que se inscreva no Registro Público de Empresas Mercantis caso pretenda receber tratamento equiparado ao do empresário comum, sujeito ao registro, nos termos do art. 971 do Código Civil.

Nesta linha, a LRF, em seu art. 47, aponta que a “recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor”, bem como o art. 1º da mesma lei afirma que “esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor”. Ou seja, para a LRF, o empresário rural pode ser caracterizado como devedor apto a requerer recuperação judicial.

A despeito do pacífico entendimento de que o empresário rural, para ter deferido o pedido de recuperação judicial, deverá possuir inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, há grande divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da interpretação do caput do art. 48 da LRF, o qual dispõe que “poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos […]”.

Para uma parcela da doutrina e da jurisprudência, o exercício regular da atividade empresária rural se inicia com a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Para outra, o exercício regular da atividade empresarial rural prescinde da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, iniciando-se a partir do momento em que presentes os requisitos para a caracterização de uma atividade como empresária (art. 966, caput, do Código Civil). Resta a dúvida, o empresário rural deve possuir inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis há mais de 02 (dois) anos para requerer recuperação judicial?

Para tanto, necessário saber se a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, para o empresário rural, é requisito constitutivo ou meramente declaratório da atividade empresária, bem como se há exercício regular de atividade sem a inscrição do empresário rural na Junta Comercial.

Para quem entende pela necessidade de o empresário rural possuir inscrição na Junta Comercial há mais de 02 (dois) anos na ocasião do pedido de recuperação judicial, defende-se que o registro possui natureza constitutiva do empresário; ou seja, que, tão somente após o registro, a atividade exercida pelo produtor rural passaria a ser de natureza empresária.

Nesse sentido, o Enunciado 202 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado nº 202 – O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial”.

Outro argumento para quem sustenta essa tese consiste na necessidade de se evitar que, em um breve espaço de tempo, uma pessoa natural se registre como empresário rural e requeira o benefício, sujeitando à recuperação judicial créditos contraídos em época em que inexistente a inscrição na Junta Comercial. Para Raquel Stajzn:

O prazo de dois anos de regular exercício da atividade, que se demonstra mediante a apresentação de certidão do Registro Público de Empresa, tem como função evitar oportunismos, isto é, a obtenção de vantagem ou benefício por quem, aventurando-se e assumindo riscos, exerça atividade econômica sem, para tanto, estar devidamente matriculado, na forma do previsto no Código Civil para qualquer empresário, pessoa natural ou jurídica” [3].

Em posição intermediária, Alfredo de Assis Gonçalves Neto reconhece a natureza constitutiva do registro para o empresário rural, mas afirma que o exercício regular de atividade pelo período mínimo de 02 (dois) anos é uma situação de fato, sem vinculação com a data de inscrição na Junta Comercial [4]. Assim, para o autor, não há necessidade de o empresário rural, na ocasião do pedido de recuperação judicial, possuir inscrição há mais de (02) anos, bastando a comprovação do exercício de atividade por esse período.

Por outro lado, para Manoel Justino Bezerra Filho [5], “a inscrição na Junta Comercial não é elemento regularizador da atividade, é apenas elemento de mudança da conceituação da atividade”. Para o autor, além disso, a natureza jurídica da inscrição não é constitutiva da atividade empresária, é meramente declaratória, incidindo sobre atividade que já se configurava como regular exercício.

Ivo Waisberg, no mesmo sentido, aponta que “é necessário que o empresário rural se inscreva no Registro Empresarial para que possa requerer a recuperação judicial – mas não há em local algum da lei exigência de que este registro tenha ocorrido há pelo menos dois anos [6]”. Waisberg complementa que, no caso do empresário não rural, cujo registro é tido como elemento de regularidade, a prova do exercício regular se dá pelo registro, ou seja, para os empresários cujo registro é obrigatório, a atividade sem registro seria irregular. Já para os empresários cujo registro é facultativo, a exemplo do empresário rural, a inscrição na Junta Comercial não seria elemento de prova da regularidade.

Ainda defendendo esta última tese, Fábio Ulhoa Coelho afirma que “[o] produtor rural pessoa física tem direito à recuperação judicial, mesmo que tenha providenciado o seu registro na Junta Comercial exclusivamente para preencher o requisito relacionado à empresarialidade da atividade econômica em crise [7]”.

Na jurisprudência, Tribunais como o TJ/BA [8] e o TJ/MT [9] já se manifestaram pela necessidade de inscrição do empresário rural no Registro Público de Empresas Mercantis há mais de 02 (dois) anos para o deferimento da recuperação judicial. O TJ/SP [10], por sua vez, possui sólido entendimento pela desnecessidade de inscrição do empresário rural por todo esse período, bastando a comprovação do registro na ocasião do pedido de recuperação judicial e a demonstração de exercício de atividade rural há mais de 02 (dois) anos.

O STJ, até o presente momento, não possui entendimento consolidado sobre a matéria, salvo decisões monocráticas isoladas [11]. Não obstante, a tendência é que as turmas da Segunda Seção do STJ se pronunciem sobre o tema em breve, haja vista a existência de diversos recursos sob a análise da Corte. Destaque-se, ainda, que já houve tentativa de afetação da matéria para o julgamento sob o rito de recursos repetitivos, a qual restou frustrada em virtude de a maioria dos Ministros ter entendido, no caso, que a questão ainda necessitaria ser objeto de discussões mais aprofundadas na instância superior antes de se chegar a um entendimento vinculante [12].

Ernani Pinheiro Soares – Coordenador da Sociedade Acadêmica Fran Martins.

Vitor de San Juan Faria – Estagiário em Mattos Filho Advogados.

[1] Segundo o portal de notícias da Globo, G1, o Agronegócio representou 23,5% do PIB nacional no ano de 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/participacao-do-agronegocio-no-pib-e-a-maior-em-13-anos-estima-cna.ghtml>. Acesso em: 23 jan. 2019.

[2] Dados retirados do relatório de Estatísticas e Dados Básicos de Economia Agrícola divulgado pela Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em novembro de 2018. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/assuntos/politica-agricola/todas-publicacoes-de-politica-agricola/estatisticas-e-dados-basicos-de-economia-agricola/copy_of_PASTADENOVEMBRO2018.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2019.

[3] STAJN, Raquel. Comentários ao art. 48. In: SOUSA JR., Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio S. A. de M. (Coord.). Comentários à Lei de Recuperações e Falência. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 225.

[4] Para Alfredo de Assis Gonçalves Neto: “A conclusão que sobressai logicamente é a de que, se dita inscrição é indispensável para a instauração da recuperação judicial (tanto da sociedade como do produtor rurais), o exercício regular de suas atividades pelo período mínimo de dois anos é uma situação de fato, suscetível de ser demonstrada por um meio de prova induvidoso, sem qualquer vinculação com a data de sua inscrição no álbum de empresário. Em se tratando de atividade rural, por conseguinte, a qualidade de empresário e de sociedade empresária submetidos ao direito de empresa prova-se com a obtenção a inscrição no referido Registro; já o período de exercício regular de suas atividades pode ser aferido independentemente da data em que a inscrição tenha ocorrido: pela apresentação do ECF ou, para os que não o possuem (empresário rural, microempresas e empresas de pequeno porte), pelo meio mais adequado que deixe inequívoca a regularidade do exercício de suas atividades”. GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Parecer jurídico juntado às fls. 482/502 dos autos do Agravo de Instrumento nº 2005580-50.2018.8.26.0000, interposto por “Tangará Importadora e Exportadora S/A” em face de “José Serra Netto – ME”, em trâmite junto à 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

[5] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005. Comentada artigo por artigo. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 157.

[6] WAISBERG, Ivo. A viabilidade da recuperação judicial do produtor rural. Revista do Advogado. São Paulo, v. 131, n. 36, pp. 83-90, out. 2016.

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Parecer jurídico juntado aos autos do Agravo de Instrumento nº 0126350-31.2015.8.11.0000, interposto pelo Banco Votorantim S.A. em face de José Pupin Agropecuária e Vera Lúcia Camargo Pupin, em trâmite junto à 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso.

[8] A título de ilustração, o seguinte precedente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA – TJ/BA. Agravo de Instrumento de nº 016232537.2016.8.05.0909. Terceira Câmara Cível. Relator Desembargador Ivanilton Santos da Silva. Data de Publicação: 04/04/2018. Contudo, em sentido contrário: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA – TJ/BA. Agravo de Instrumento nº 001339758.2016.8.05.0000. Primeira Câmara Cível. Relator Desembargador Mário Augusto Albiani Alves Junior. Data de Publicação: 09/03/2017.

[9] A título de ilustração, o seguinte precedente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO – TJ/MT. Agravo Regimental nº 0094921.12.2016.8.11.0000. Primeira Câmara Cível. Relatora Desembargadora Nilza Maria Pôssas De Carvalho. Data de Julgamento: 08/11/2016. Data de Publicação: 14/11/2016.

[10] A título de ilustração, os seguintes precedentes: (1) TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – TJ/SP. Agravo de Instrumento nº 2152473-10.2018.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Relator Desembargador Hamid Bdine. Data de Publicação: 09/11/2018. (2) TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – TJ/SP. Agravo de Instrumento nº 2062908-35.2018.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Relator Desembargador Hamid Bdine. Data de Julgamento: 04/07/2018. Data de Publicação: 12/07/2018. (3) TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – TJ/SP. Agravo de Instrumento nº 2005580-50.2018.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Relator Desembargador Alexandre Lazzarini. Data de Julgamento: 09/05/2018.

[11] Nesse sentido: “[a] inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis não é condição imprescindível para a concessão do benefício da recuperação judicial a produtores rurais. Isso porque, apesar de a Lei 11.101/05, em seu art. 48, impor que o devedor, para se beneficiar da recuperação judicial, demonstre o exercício regular de suas atividades há mais de dois anos, o empresário rural, de acordo com o art. 971 do CC, não está obrigado a inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis. Além disso, sabe-se que a qualidade jurídica de empresário não é conferida pelo registro, mas sim pelo efetivo exercício da atividade profissional, consoante o enunciado 98 da III Jornada de Direito Civil. Assim, como a inscrição do empresário rural no registro de empresas não é obrigatória, o exercício de suas atividades não pode ser tido por irregular em virtude, unicamente, da inexistência do registro”. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. Agravo em REsp 896.041/SP (2016/0086265-2). Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Data de Publicação: 12/05/2016.

[12] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. REsp 1.684.994/MT. Proposta de Afetação. Segunda Seção. Relator Ministro Marco Buzzi. Relator p/ o Acórdão Ministro Luís Felipe Salomão. Data de Publicação: 05/01/2017.

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