As tutelas de urgência no novo CPC: Um comparativo com o Código de Processo Civil de 1973

Introdução

O Novo Código de Processo Civil entrará em vigor em março 2016 estabelecendo uma série de mudanças em relação ao Código de Processo Civil em vigor, datado de 1973. O Novo Código tem o intuito de agilizar o processo e deixá-lo mais simples sem, contudo, afetar a eficiência do provimento jurisdicional.

Muitos processualistas atualmente discutem se o Novo Código teria conseguido realmente alcançar seus objetivos ou se somente teria criado procedimentos mais burocráticos e ineficientes na tentativa de resolver os problemas do judiciário. Críticas à parte, uma das principais inovações trazidas pelo Novo Código se dá em relação ao tratamento unitário das tutelas de urgência, afastando-se consideravelmente de seu antecessor, ainda em vigor.

Entretanto, para entender essas mudanças e o motivo delas serem tão necessárias é preciso entender, primeiramente, como é ordenado o Processo Cautelar e a Tutela Antecipada no atual Código.

Conceitos

Apesar de ambas seguirem o rito da cognição sumária e serem classificadas como tutelas de urgência, havendo a possibilidade de fungibilidade entre os dois institutos jurídicos, é importante saber a diferença entre tutela cautelar e tutela antecipada. Como assevera Daniel Amorim, em seu livro “Manuel de Direito Processual Civil” são espécies diferentes de um mesmo gênero, qual seja, a tutela de urgência.

Tutela de urgência pode ser conceituado como medidas de urgência, como o próprio nome indica, que visam afastar o risco de prejuízo às partes quando da demora de um processo. Em certas situações, é necessário que o provimento jurisdicional seja realizado de maneira mais célere possível, sob pena de dano irreparável. Nesses casos, para evitar que uma das partes receba uma vantagem indevida em virtude da demora do processo, que precisa seguir as formalidades das garantias do contraditório e ampla defesa, o legislador preocupou-se em criar a figura da tutela de urgência, que subdivide-se em tutela cautelar e antecipada. Assim, a tutela cautelar e a tutela antecipada visam afastar uma situação de risco, entretanto, o fazem de maneiras distintas.

A tutela antecipada nada mais é do que uma antecipação do direito do autor, que é concedido em caráter provisório.

Já a tutela cautelar seria a tomada de medidas para assegurar, por meios indiretos, que o processo tenha fim sem qualquer perigo de dano às partes. Os doutrinadores, em geral, denominam a tutela cautelar de “instrumento do instrumento”, pois o processo é o instrumento pelo qual o direito do autor é garantido, sendo a tutela cautelar o instrumento que asseguraria esse processo.

Marcus Vinícius Rios Gonçalves, em seu livro “Novo Curso de Direito Processual Civil” diferencia de maneira descomplicada os dois tipos de tutela de urgência:

“A forma mais fácil de distinguir a tutela antecipada da cautelar é compará-las com o provimento final do processo. Se a medida coincidir, no todo ou em parte, com esse provimento, se já satisfizer, total ou parcialmente, o autor, terá natureza antecipada. Se não houver coincidência e se a medida tiver por fim apenas proteger o provimento final, sua natureza será cautelar.”

Assim, colocando em termos práticos: O autor da ação teve seu nome indevidamente colocado em algum cadastro de inadimplentes, de modo que teve dificuldades de fazer negócios que envolvessem análise para concessão de crédito. Ele entra na justiça para solicitar que seu nome seja retirado do cadastro. Observe que caso o autor tenha que esperar o fim do processo com o seu trânsito em julgado para que tenha seu nome limpo, ele poderá ter grandes prejuízos financeiros e morais. Desse modo, ao solicitar a antecipação de tutela, ele garante que o seu pedido principal seja concedido o mais rapidamente possível, através de uma cognição sumária, de modo a não causar-lhe nenhum prejuízo enquanto a ação estende-se. De modo distinto, a tutela cautelar ocorre, por exemplo, quando o autor verifica que o devedor tenta transferir todos os seus bens para um terceiro, com o objetivo de cair em insolvência e livrar-se da obrigação. Dessa forma, o autor entra com um processo cautelar autônomo ou incidental solicitando o arresto dos bens do devedor para garantir que, ao final do processo, a obrigação do devedor possa ser efetivamente quitada. Na tutela cautelar o objetivo não é antecipar o pedido do autor, mas tão somente tomar providências para assegurar o resultado final do processo.

Processo Cautelar e Tutela Antecipada no Código de Processo Civil de 1973

É interessante notar que até dezembro de 1994 não havia a previsão no código processual de tutelas antecipadas genéricas. Isso não quer dizer que a tutela antecipada fosse desconhecida do ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário, já havia a previsão de algumas ações de procedimentos especiais em que era possível solicitar a antecipação de tutela. É o caso das ações possessórias de força nova e nas ações de alimentos, do procedimento especial, em que era possível a concessão da antecipação de tutela devido a expressa previsão legal. Porém, para as ações de conhecimento de procedimento comum, não havia nenhuma previsão legal para a concessão da tutela antecipada. De modo que, por muitas vezes, devido à urgência do pedido, a parte autora escolhia ajuizar, mesmo que indevidamente, uma ação cautelar, já que nela era possível a concessão de liminar. Os juízes, apesar de saberem que a tutela cautelar não era a adequada para postular o pedido autoral, compreendiam a insuficiência do ordenamento jurídico e aceitavam a ação como cautelar, concedendo a liminar.

Em 13 de dezembro de 1994, com a promulgação da Lei n° 8.952, instituiu-se o art. 273 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a concessão da tutela antecipada, expandindo a sua extensão para todas as ações de conhecimento, assim como também corrigindo o uso equivocado da tutela cautelar:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Verifica-se, desse modo, que a tutela antecipada somente ocorre quando já há o processo de conhecimento formado, de forma incidental. E, ao contrário da tutela cautelar, não há a formação de um processo autônomo.

Porém, um dos assuntos mais importantes no que se refere à tutela antecipada somente foi estabelecido em 2002 pela Lei n° 10.444, que introduziu o parágrafo 7° ao artigo 273 do Código de Processo Civil:

§7° – Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

O supracitado parágrafo expressa a fungibilidade dos tipos de tutela, em que há a possibilidade de o juiz conceder uma tutela de urgência diferente da requerida pelo autor, desde que presentes os requisitos, por considerá-la mais adequada à resolução do conflito. Então, por exemplo, caso o autor solicite a antecipação de tutela, porém o juiz, verificando a presença de “fumus bonis iuris” e o “periculum in mora”, compreender que a tutela de urgência mais adequada seria uma medida cautelar, ele pode aplicar essa medida cautelar sem que esse procedimento possa ser considerado “ulta” ou “extra petita”.

Ao contrário da tutela antecipada, que é disciplinada somente em um artigo do Código de Processo Civil, a tutela cautelar é regulada no Livro III no Código de Processo Civil. Essa necessidade de ser regulada por um Livro dá-se pois houve a disciplina de procedimentos cautelares específicos, tais como o arresto, sequestro, caução, dentre outros, que expressam um rol não exaustivo das medidas cautelares as quais a parte pode dispor para assegurar o fim do processo.

Ao contrário da tutela antecipada que somente pode ser requerida quando já formado o processo de conhecimento de maneira incidental, a tutela cautelar pode ser requerida de maneira preparatória ou incidental, conforme entendimento retirado do art. 796 do Código de Processo Civil:

Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.

Antes da promulgação da Lei n° 10.444/2002 havia o entendimento de que a tutela cautelar somente se dava através da formação de um procedimento autônomo, que ocorreria de maneira paralela ao processo principal. Entretanto, com a inclusão do parágrafo 7° ao art. 273 do Código de Processo Civil passou-se a prever a possibilidade de a tutela cautelar também ser concedida de maneira incidental dentro do processo de conhecimento.

Desse modo, a tutela cautelar pode ser requerida:

  1. De maneira preparatória, com a parte tendo o dever de propor a ação principal no prazo de 30 dias após a efetivação da medida cautelar.
  2. De maneira incidental, através da formação de um processo autônomo.
  3. De maneira incidental, dentro do processo de conhecimento sem a necessidade de propositura de um processo autônomo.

Segundo as palavras de Freddie Didier Jr:

“Não há mais necessidade de instauração de um processo com objetivo exclusivo de obtenção de um provimento acautelatório: a medida cautelar pode ser concedida no processo de conhecimento, incidentalmente, como menciona o texto legal.”

Ocorre que a necessidade de formação de um processo autônomo para obter a tutela cautelar sempre foi motivo de críticas pela sua inefetividade: A parte autora somente entrava com o processo cautelar autônomo para solicitar a concessão de uma liminar. Sendo ela deferida, as partes perdiam o interesse no processo autônomo, já que o pedido já havia sido concedido e o resultado final do processo já estava assegurado. Assim, o processo autônomo seguia paralelo ao processo principal, porém de maneira preguiçosa, com as partes somente praticando os atos extremamente necessários para a manutenção da liminar. Com a reforma do art. 273 para a inclusão do parágrafo 7°, observou-se que o processo autônomo perdeu grande parte de seu uso,  pois atualmente não há mais a necessidade de ajuizar um processo paralelo ao principal para solicitar uma liminar, uma vez que ela pode ser concedida dentro do processo de conhecimento de maneira incidental.

Inclusive, a mesma crítica pode ser dirigida a disciplina da tutela antecipada no Código de Processo Civil: Por vezes, com a concessão da liminar já resolvia-se o conflito, e o interesse do autor em continuar o processo restringia-se a manutenção da liminar, visto que o seu pedido inicial já fora concedido antecipadamente. Os processos, assim, estendiam-se por anos sem qualquer manifestação das partes. É exatamente essa situação que o Novo Código de Processo Civil tenta evitar, conforme explica o desembargador do Rio de Janeiro Aluisio Mendes, durante o Congresso Brasileiro sobre o Novo CPC:

“O problema é que temos um sistema em que a tutela provisória sempre depende da principal, quando, na realidade, a resolução com a provisória já encerra o conflito. Isso trouxe preocupação que já existia em outros países quanto ao aprimoramento do sistema para fazer a estabilização da tutela de urgência ou provisória”

O Novo Código de Processo Civil atento aos problemas decorrentes da sistematização de 1973 cria novos procedimentos para a concessão da tutela antecipada e cautelar, com o intuito de tornar o processo mais eficiente e célere.

As Tutelas de Urgência e Evidência no Novo Código de Processo Civil

O legislador resolveu reunir a tutela cautelar e a antecipada em um único livro, o Livro V do Código de Processo Civil de 2015, denominado “Da Tutela Provisória” que subdivide-se em: Título I – Disposições Gerais; Título II – Da Tutela de Urgência; Título III – Da Tutela de Evidência.

Portanto, as tutelas de urgências e seus respectivos procedimentos foram ordenados em um único Título, demonstrando que houve uma maior aproximação entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Ademais, não há mais a previsão de capítulos específicos, com procedimentos e requisitos específicos para todas as medidas cautelares típicas. Ao contrário, elas foram citadas de maneira genérica, restritas somente ao art. 301 e ainda com a previsão das chamadas medidas cautelares inominadas:

Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

Ainda sobre a tutela cautelar, já não há mais a previsão de um processo autônomo para a concessão das medidas cautelares. Conforme já anteriormente citado, o processo cautelar autônomo já não era mais quase utilizado devido a sua maior complexidade, fazendo com que as partes optassem por solicitar a concessão da tutela cautelar de modo incidental no próprio processo de conhecimento. Desse modo, o legislador reconhecendo a ineficiente do procedimento, resolveu retirar esse instrumento já tão pouco utilizado, optando por buscar a tutela de urgência no mesmo processo em que pretende conseguir a tutela definitiva.

No Código de Processo Civil de 1973 somente a tutela cautelar poderiam ser requerida de maneira antecedente – antes da propositura do processo principal -,  com a parte tendo o dever de propor a ação principal no prazo de 30 dias após a efetivação da medida cautelar. No Novo Código, porém, houve uma extensão às tutelas antecipadas da possibilidade de serem requeridas de maneira antecedente.

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

E é justamente no procedimento de requerimento da tutela antecipada em caráter antecipada que houve as maiores modificações, em relação ao Código de Processo Civil anterior, ainda em vigor. Primeiramente, em relação à petição inicial que somente precisará limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e a indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo do dano ou do risco ao resultado útil do processo. Caso a tutela antecipada seja concedida, o autor tem o prazo de 15 dias para aditar a petição inicial com o restante de sua argumentação e a confirmação do pedido de tutela final, sob pena de, não realizado o aditamento dentro do prazo previsto, o processo ser extinto sem resolução de mérito, consequentemente fazendo com que extingua-se também a tutela antecipada.

O segundo ponto interessante no procedimento de requerimento da tutela antecipada em modo antecedente é a estabilização da tutela. Na hipótese de inércia do réu, em que ele não recorreu da decisão de conceder a tutela antecipada, a tutela antecipada torna-se estável, extinguindo-se o processo, porém conservando os efeitos da tutela. Observa-se que, nesse caso, não há a formação de coisa julgada, de modo que, qualquer das partes, no prazo de até 2 anos da concessão da tutela, poderá rever tal decisão, através da propositura de uma nova ação.

Analisando o tema “Tutelas de Urgência” no Novo Código de Processo Civil, pode-se perceber que o legislador estava ciente dos problemas enfrentados no Código em vigor, e faz profundas mudanças, procurando uma maior celeridade sem, contudo, prejudicar a segurança jurídica.


Referências

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Còdigo de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processo Civil 3: Execução e Processo Cautelar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil - Volume 4: Processo Cautelar. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2014.

Tutelas de urgência e de evidência são explicadas à luz do Novo CPC. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/28278/tutelas-de-urgencia-e-de-evidencia-sao-explicadas-a-luz-do-novo-cpc>. Acesso em: 11 ago. 2015.
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