Breves considerações sobre o “caixa dois”

O infame “caixa dois” é sempre foco de discussões quando se aproxima o período eleitoral. Apesar de ser o contexto com maior foco, sua aplicação não se restringe a gastos em campanhas políticas.

O “caixa dois” é o resultado contábil registrado de forma irregular, fora da contabilidade oficial de uma empresa, tornando-se uma das formas mais comuns de sonegação de tributos por não aparecer nos registros. Se usado para ocultar uma quantia proveniente da prática de outros delitos que entrou ilegalmente na empresa, configura uma forma de lavagem de dinheiro.

Explique-se que o “caixa dois” é uma forma de delito de falsidade ideológica. É previsto, como delito cometido contra a ordem financeira, no artigo 11 da Lei nº 7.492/86 (Lei do Colarinho Branco), com pena de um a cinco anos e multa. Dessa forma, é um crime próprio, com sujeito ativo previsto no artigo 25 da mesma lei.

Em se tratando de crime tributário, sua previsão está no artigo 1º da Lei 8.137/90, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.

No âmbito eleitoral, artigo 350 do Código Eleitoral, com pena de cinco anos de prisão, se o documento for público. Não há, todavia, previsão no direito penal para o que seria o “caixa 2 eleitoral”.

No Direito Penal

Para fins penais, assim estabelece o artigo 1º da Lei nº 7.492/86:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

Assim, o crime de “manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação” ocorrerá se a manutenção ou movimentação dos recursos ou valores for no âmbito de uma instituição financeira, nos termos da legislação em questão.

Crime contra a ordem tributária

Se essa atividade for concretizada em empresa não financeira, não será enquadrado no citado dispositivo, podendo ser um crime contra a ordem tributária previsto na Lei nº 8.137/90. O artigo primeiro da lei retro define como crime contra a ordem tributária o ato de suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social, litteris:

Art. 1º (…)

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Assim, mesmo que não seja uma instituição financeira, as outras empresas e também pessoas físicas estão sujeitas às penalidades resultantes da ocultação de verba.

Nas eleições

A outra modalidade de “caixa dois” é justamente aquela cometida por associado às eleições. As “doações” feitas para campanhas políticas podem advir de diversas fontes, que podem ser registradas na Justiça Eleitoral, mas que podem constituir crimes de lavagem de dinheiro, porque é ocultada a origem dessa verba. Além disso, há uma outra parte, que não é registrada, mas é gasta nas campanhas.

No âmbito eleitoral, o “caixa dois” é mais que uma forma de sonegação ou lavagem. Além do abuso do poder econômico, ele desiguala os concorrentes, viciando a própria democracia. Essas doações feitas nos bastidores das eleições terminam por, muitas vezes, criar as conhecidas bancadas no Congresso Nacional, que prezam pelo interesse dos financiadores de campanha e não pelo interesse geral.

Ressalte-se que é considerado crime eleitoral, conforme o artigo 350 do Código, omitir, em documento público ou particular, declaração em que deveria constar, inserir ou fazer inserir nele declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.

A Lei das Eleições prevê, inclusive, que qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, além de pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas relativas à arrecadação e gastos de recursos em desacordo com as normas desta Lei.

Sobre a criação do crime “caixa dois eleitoral”

Muito se debate quanto à criação de um crime específico que tipifique o “caixa dois eleitoral”, visando coibir o uso de dinheiro ou bens em campanhas políticas sem que seja declarado à Justiça Eleitoral.

Porém, como já debatido, é possível a aplicação da legislação eleitoral existente nesses atos, de forma que não é necessária uma nova tipificação. O que ocorre é a não aplicação das leis vigentes.

Diversos candidatos usam como propostas para seu governo a criação de diversas leis, principalmente as que tragam tipificação para crimes. Com o “caixa dois” não é diferente. Isso não traz, todavia, fortaleza para a legislação brasileira, deixando-a mais fraca, pois de nada vale a criação de novas leis e tipificação de mais crimes se não há efetivamente o cumprimento do que prezam as normas do direito pátrio.

Referências

BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Breves considerações sobre o "caixa dois" na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (lei n. 7.492, art. 11). Revista CEJ, V. 4 n. 10 jan./abr. 2000. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/254/524>. Acesso em 19 ago 2016.
BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral.
___. Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Brasília.
___. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Brasília.
___. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Brasília.
GOMES, Luiz Flávio. Caixa 2 eleitoral é crime? Jusbrasil. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/204315523/caixa-2-eleitoral-e-crime>. Acesso em 19 ago 2016.
MPF. PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO CEARÁ. Crimes contra o sistema financeiro. Disponível em: <http://www.prce.mpf.mp.br/conteudo/nucleos/criminal/crimes/inicial/crimes-contra-sistema-financeiro>. Acesso em 19 ago 2016.

Imagem

DEPARTAMENTO DE ESTADO; THOMPSON, Doug. Votos devem ser conquistados, não comprados. Disponível em: <https://share.america.gov/wp-content/uploads/2016/02/selling_votes.jpg>.
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