Introdução
Não é segredo para ninguém que a justiça do trabalho protege sobremaneira o empregado, devido a sua hipossuficiência na relação de emprego e as possibilidades de que o arbítrio do empregador poderia trazer danos aos seus interesses. Mas toda regra tem sua exceção, e a mesma justiça que protege o empregado pode trazer possibilidades de punição sérias em relação ao não cumprimento de suas obrigações. Uma destas possibilidades é o abandono de emprego.
O empresário tem gastos constantes para manutenção dos serviços prestados por seus empregados. Não seria justo então, aquele sofrer também o ônus de manter um empregado ineficiente, que gere altos custos para manutenção de sua atividade e não traga retorno para a empresa. Ademais, traz o legislador possibilidades de que o empregador possa rescindir o contrato de trabalho por justa causa em virtude de atos lesivos causados pelo empregado, conforme disposto no art. 482 da CLT.
Entre as possibilidades de demissão por justa causa, uma das mais polêmicas e controversas é a presente na alínea i) do supracitado art. 482, sendo este o abandono de emprego. Configura-se o abandono de emprego quando estão presentes o elemento material e o elemento subjetivo, o material seriam as faltas constantes e sem justificativa legal e o subjetivo o animus de não retornar as suas atividades.
Caracterização do abandono de emprego
Não há abandono de emprego diante de hipóteses de falta justificada ao trabalho, nos ditames do artigo 473 da CLT. A falta deve ser de forma continuada e sem justificativa plausível e legal. O ônus da prova é de quem alega, na maioria dos casos do empregador, conforme o disposto no artigo 818 da CLT.
O empresário deve comprovar as faltas constantes e sem justificativa, além da intenção de não retornar ao trabalho. Os meios de prova possíveis podem ser a apresentação de registros de ponto manual e/ou a oitiva de testemunhas, esta essencial nos casos em que o empregador não faz registro de ponto manual ou mecânico.
Métodos de prova
A legislação não foi clara quanto a quantidade necessária de dias para que configure abandono de emprego, nem de meios possíveis para que se prove a intenção em não retornar ao emprego. O entendimento adotado atualmente é jurisprudencial. Preleciona a Súmula 32 do Tribunal Superior do Trabalho: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer”. Fica então caracterizado o abandono de emprego quando as faltas são de forma continuada e superiores há pelo menos 30 dias, sendo estas não justificadas e não informadas ao empregador.
No que se refere a prova do elemento subjetivo, o empregador deve ter muita cautela no que se refere a sua comprovação. Deve este cumprir todos os requisitos para que possa aplicar a justa causa. Esta é uma modalidade de demissão ocasionada por motivo grave, as possibilidades de uma judicialização por parte do empregado são muito altas.
Se o empregado for flagrado exercendo atividade profissional em outro ambiente, ou prestando entrevistas de seleção em outros estabelecimentos, em horários incompatíveis com seu emprego anterior, pode-se concluir que tal indivíduo não tem interesse em retornar ao seu anterior status quo, configurando o animus abandonandi.
Procedimentos a serem tomados pelo empregador
Deve o empregador enviar cartas ou notificações (com aviso de recebimento) para a residência do empregado, onde solicita que este retorne ao trabalho ou justifique o motivo de suas faltas. Deve o empregador fazer isso pelo menos três vezes. Permanecendo inerte o empregado e transcorrido mais de 30 dias, fica caracterizada a intenção de não retornar ao trabalho. O disposto pode ser visto no seguinte julgado:
“ABANDONO DE EMPREGO. AUSÊNCIA POR MAIS DE TRINTA DIAS. CHAMAMENTO AO TRABALHO COMPROVADO. DESATENDIMENTO INJUSTIFICADO PELO EMPREGADO. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. O envio comprovado de telegramas ao reclamante, convocando-o para o trabalho, antes da ciência do ajuizamento da ação, após 42 faltas consecutivas, faz prova do animus abandonandi (elemento subjetivo). Com efeito, a ausência prolongada, que veio a completar mais de trinta dias (elemento objetivo), e o desatendimento injustificado do empregado ao reiterado chamamento para reassumir suas obrigações e retornar ao posto de trabalho, configuram abandono de emprego autorizador da dispensa por justa causa, a teor do art. 482, i, da CLT, o que torna inexigíveis as verbas rescisórias e a reintegração postuladas. Sentença mantida”. (TRT2 – Acórdão nº 20120544541 – Processo nº 02166006320095020084 – Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros – Data de Publicação: 25/05/2012)
Não conseguindo notificar o empregado, pode ainda o empregador enviar a notificação para a residência de familiares ou através de amigos que mantenham contato constante com o empregado. Pode ainda publicar o pedido de retorno em jornais de grande circulação. Contudo, tal possibilidade não vem sendo muito bem recebida pelo judiciário. Visto que não há como comprovar que o empregado vá ler o aviso, como também pode ensejar um dano moral em determinadas circunstâncias.
Consequências da aplicação da justa causa
A justa causa no direito do trabalho implica na perda das verbas indenizatórias devidas ao empregado. É devido a este somente o saldo de dias trabalhados, férias vencidas acrescidas do terço constitucional se o contrato de trabalho for superior a um ano.
Não gozará de férias proporcionais, quando inferior a um ano de trabalho. O entendimento é da súmula 171 do TST. Já que o próprio empregado ocasionou motivos determinantes para que a sua continuidade no emprego fosse obstada. Vejamos:
Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses (art. 147 da CLT) (ex-Prejulgado nº 51).
Sendo as férias uma conquista a ser adquirida, quando na modalidade proporcional é devida somente aquelas rescisões sem justa causa. Já que foi por falta do empregado que sua continuidade no serviço foi obstada, nos termos do PROCESSO Nº TST-RR-38823/91.3 (Ac. 3ª T-3696/92) FF/sn.
Voto:
A tese regional é no sentido de que a Constituição de 1988, ao estabelecer o abono de férias, não especificou se somente incidiria sobre férias cumpridas e não sobre férias indenizadas. Até porque, na hipótese, o não cumprimento ocorreu em virtude da rescisão do contrato de trabalho, o que frustrou o gozo das férias na forma convencionada, logo, devido o abono.
Mérito:
A Constituição vigente, em seu artigo 7º, inciso XVII, instituiu o abono de 1/3 e referiu-se ao gozo de férias. Todavia, não cabe interpretar, restritivamente, o referido preceito. Isto porque a intenção do constituinte não foi condicionar o recebimento do abono ao efetivo gozo de férias. Este raciocínio é amparado pelo artigo 147 da CLT, quando prevê que:
“o empregado que for despedido sem justa causa, ou cujo contrato de trabalho se extinguir em prazo determinado, antes de completar 12 (doze) meses de serviço terá direito a remuneração relativa ao período incompleto de férias, de conformidade com o artigo anterior.”
Do FGTS e do 13º salário
Fica proibido ao empregado levantar o saldo presente em seu FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e não goza da multa rescisória de 40% sobre este montante, conforme os arts. 20, I e 18, §1º da Lei nº. 8.036/90. Não é devida o pagamento do décimo terceiro salário, nem mesmo o proporcional, nos ditames do PROCESSO Nº TST-RR-1572-64.2010.5.04.0402 (Ac. 5ª Turma) BP/mb, onde a turma traz vários precedentes, entre eles:
“DISPENSA POR JUSTA CAUSA – FÉRIAS PROPORCIONAIS E DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO PROPORCIONAL – INDEVIDOS. Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses (art. 147 da Consolidação das Leis do Trabalho) – (Súmula n.º 171 desta Corte). Por outro lado, igual sorte merece o 13.º salário proporcional postulado. Visto que havendo despedida por justa causa, ou melhor, por ato ou falta grave do empregado, incabível revela-se o recebimento de 13.º salário proporcional a título de verbas rescisórias. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-44400-63.2005.5.04.0010, Ministro Relator Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT 19/4/2011).
Conclusão
A legislação é muito pertinente ao trazer tais punições ao empregado que abandona o emprego. Já que este é muito beneficiado nas questões de trato trabalhista devido a sua hipossuficiência. Sendo assim, essas disposições são um refreamento para que os direitos do trabalhador não tornem reféns os próprios empregadores. Para todo direito há um dever, para toda não prestação há uma sanção, como preleciona Miguel Reale.
O empregador espera que o empregado execute suas atividades com zelo e diligência. A previsão de medidas punitivas evitam uma possível má fé por parte do trabalhador. Sendo assim não pode este cogitar não trabalhar e receber verbas indenizatórias por sua relação de emprego. Gera uma certa segurança ao empresário e permite que este possa continuar gerando emprego e renda ao país.
Referências:
ANDRADE, Frederico Michel Dresdner de. Da configuração da justa causa por abandono de emprego e seus aspectos práticos. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38970/da-configuracao-da-justa-causa-por-abandono-de-emprego-e-seus-aspectos-praticos> Acesso em:19/07/2016
BRASIL. Súmulas do Trabunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_151_200.html#SUM-171> Acesso em: 19/07/2016.
BRASIL. DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em 19/07/2016.
BRASIL. LEI Nº 8.036, DE 11 DE MAIO DE 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036consol.htm> Acesso em 19/07/2016.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ªed. Rio de Janeiro. Saraiva. 2002.
PROCESSO Nº TST-RR-1572-64.2010.5.04.0402 (Ac. 5ª Turma) BP/mb.
PROCESSO Nº TST-RR-38823/91.3 (Ac. 3ª T-3696/92) FF/sn.