Da Flexibilização Legal para a Aceitação de Última Vontade do Testador
Estaremos aqui para nos debruçar um pouco sobre as possibilidades de flexibilização das formalidades que circundam o testamento para que sejam atendidas as vontades reais do testamenteiro. Isso foi motivado também por recente caso noticiando pelo sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça (vide notícia aqui), uma vez que não existem outras “formas especiais” de testamentos sem os que são previstos pelo art. 1.886 do atual Código Civil.
Uma das questões envolvidas foi se seria possível ou não flexibilizar o reconhecimento de testamento feito por instrumento particular dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva, onde o testamenteiro rubricou as páginas do documento e o mesmo fora assinado por três testemunhas (todos advogados). Ocorre que filhos do falecido que não foram contemplados pela parte disponível do patrimônio no testamento contestaram a validade alegando, entre outras coisas, condições mais do que delicadas do internato do pai.
O Testamento é o instrumento pelo qual uma pessoa registra a sua vontade para que seja cumprida com o advento da sua morte. São três os testamentos considerados ordinários: o público, o cerrado e o particular.
Quanto ao primeiro, para assim ser considerado, é necessário que seja escrito por um tabelião (ou substituto legal) em seu livro de notas. Quanto ao segundo, é o testamento o qual o próprio testador (ou por alguém através de pedido seu) faz em caráter de sigilo e é posteriormente aprovado por tabelião com a presença de duas testemunhas e só poderá ser aberto pelo juiz após a morte do testamenteiro. Por fim, quanto ao terceiro, este é feito pelo próprio testamenteiro com a presença de três testemunhas e estes devem subscrever.
Por se tratar de uma manifestação de vontade post mortem, o testamento deve ser analisado com a atenção redobrada pelo magistrado, uma vez que a divisão de herança é algo passível de muitas discussões e desavenças entre os herdeiros. Além disso, vícios são capazes de anular o testamento, sendo o caminho mais certo a ser tomado. Se há elementos desde a origem que comprometem a real manifestação de vontade, não é admissível que o ato fraudulento produza os efeitos legais.
Há diversas jurisprudências que tratam sobre o assunto, como passo a colacionar a seguir:
ANULATÓRIA DE TESTAMENTO. Vício de consentimento no momento da lavratura da escritura pública. Testador que havia sofrido acidente vascular cerebral pouco tempo antes e que faleceu um mês após a celebração do ato. Elementos probatórios seguros que indicam que o falecido não gozava de suas plenas faculdades mentais na época. Sentença de procedência confirmada. Apelo desprovido. (TJ-SP – APL: 06114251119968260100 SP 0611425-11.1996.8.26.0100, Relator: Milton Carvalho, Data de Julgamento: 22/08/2013, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/08/2013).
RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO PARTICULAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ARTIGOS 458 E 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ATO JURÍDICO PERFEITO. OFENSA NÃO CONFIGURADA. ASSINATURA DO TESTADOR. REQUISITO ESSENCIAL DE VALIDADE. ABRANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cuida-se de procedimento especial de jurisdição voluntária consubstanciado em pedido de abertura e registro de testamento particular. 2. Cinge-se a controvérsia a determinar se pode subsistir o testamento particular formalizado sem todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, no caso, a assinatura do testador e a leitura perante as testemunhas. 3. A jurisprudência desta Corte tem flexibilizado as formalidades prescritas em lei no tocante às testemunhas do testamento particular quando o documento tiver sido escrito e assinado pelo testador e as demais circunstâncias do autos indicarem que o ato reflete a vontade do testador. 4. No caso dos autos, o testamento é apócrifo, não sendo, portanto, possível concluir, de modo seguro, que o testamento redigido de próprio punho exprime a real vontade do testador. 5. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1444867 DF 2013/0344880-0, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 23/09/2014, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/10/2014)
Agora, para se chegar à vontade real do testador, temos alguns meios aos quais os magistrados podem se valer para garantir a persecução daquilo disposto no testamento:
CIVIL. TESTAMENTO PÚBLICO. VÍCIOS FORMAIS QUE NÃO COMPROMETEM A HIGIDEZ DO ATO OU PÕEM EM DÚVIDA A VONTADE DA TESTADORA. NULIDADE AFASTADA. SUMULA N. 7-STJ. I. Inclina-se a jurisprudência do STJ pelo aproveitamento do testamento quando, não obstante a existência de certos vícios formais, a essência do ato se mantém íntegra, reconhecida pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova, a fidelidade da manifestação de vontade da testadora, sua capacidade mental e livre expressão. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (Súmula n. 7/STJ). III. Recurso especial não conhecido.(STJ – REsp: 600746 PR 2003/0188859-4, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 20/05/2010, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2010).
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOESPECIAL. NULIDADE DE TESTAMENTO. PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL.VÍCIOS FORMAIS INCAPAZES DE COMPROMETER A HIGIDEZ DO ATO OU POR EMDÚVIDA A VONTADE DO TESTADOR. SÚMULA N. 7/STJ. 1. A análise da regularidade da disposição de última vontade (testamento particular ou público) deve considerar a máxima preservação do intuito do testador, sendo certo que a constatação de vício formal, por si só, não deve ensejar a invalidação do ato, máxime se demonstrada a capacidade mental do testador, por ocasião do ato, para livremente dispor de seus bens. Precedentes do STJ. 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem envolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. 3. No caso concreto, o Tribunal de origem, com suporte em ampla cognição das provas produzidas nos autos, assentou, de modo incontroverso, que a escritura pública de testamento reflete as disposições de última vontade do testador. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no REsp: 1073860 PR 2008/0155213-8, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 21/03/2013, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/04/2013).
É importante lembrar que, dos bens do de cujos, a metade dos bens da herança pertence aos herdeiros necessários (a chamada “legítima”). A metade restante é chamada de “metade disponível” a qual o testador pode deixar para quem assim quiser segundo ao seu desejo. Para ilustrar melhor: existindo herdeiros necessários, os bens do falecido são divididos em uma metade chamada “legítima” e a outra metade que fica disponível (a expressão da última vontade pode dispor ressalvadas vedações legais).
Em havendo cônjuge e bens que se comunicavam pelo matrimônio há uma outra situação: A metade dos bens é chamada de “meação” que é de direito do cônjuge sobrevivente. Os outros 50% são divididos entre a “legítima” (25% da totalidade dos bens do de cujos) e a “metade disponível” (os 25% restantes).
Desta feita, podemos inferir que o magistrado deve se utilizar ao máximo da cautela, fazendo com que todas as provas produzidas possam lhe garantir o livre convencimento para garantir a real vontade do testador. Sendo o momento da partilha um dos mais delicados e suscetíveis de desavenças entre os herdeiros, não devem ser admitidas fraudes sobre a manifestação de vontade daquele que assim testou. Se todos os requisitos formais estiverem presentes, não haverá dúvidas da validade do documento.
Entretanto, caso as circunstâncias da lide tenha alguma precariedade levantada e sendo possível identificar a vontade real do autor do testamento, o magistrado poderá “flexibilizar” a aceitação do testamento com o único intuito de se garantir o cumprimento verdadeiro daquilo que representa o disposto no documento.