Breves considerações sobre conceitos jurídicos indeterminados

Os conceitos jurídicos indeterminados são conceitos aos quais o legislador não conferiu uma definição legal bem delimitada. Do ponto de vista linguístico, tal conceito não possui nenhum conteúdo claro. Ele somente adquire um sentido determinado após sua interpretação, a qual deverá levar em consideração e valorar as circunstâncias do caso concreto.

Exemplos clássicos de conceitos jurídicos indeterminados são os seguintes: “interesse público”, “boa-fé”, “função social”, “bem comum” e “bons costumes”.

Estes conceitos abertos são abstrações adotadas pelo legislador com a finalidade de conferir aplicador do direito certa margem de atuação [Spielraum] para resolver o caso concreto respeitando suas peculiaridades. Trata-se de uma verdadeira delegação legislativa ao juiz que deverá averiguar no caso concreto qual medida é juridicamente mais adequada.

O método legislativo dos textos abertos se contrapõe ao modelo legislativo casuístico. Enquanto este busca prever as situações fáticas precisas de incidência da norma e sua consequente jurídica, o método dos textos abertos apenas traz prescrições abstratas que serviram como guia para o intérprete do direito.

Conceitos jurídicos indeterminados são construídos a partir de exercícios de abstração. Como ensina Karl Larenz, mediante a eliminação de notas particulares podem ser formados conceitos de mais elevado grau de abstração aos quais se podem subsumir todos aqueles que lhe estão subordinados. Abstração traz consigo o bônus da simplificação e o ônus da imprecisão.

Basta imaginar o art. 421 do Código Civil de 2002, ao limitar a liberdade de contratar à função social, o legislador eximiu-se de regular precisamente um sem-número de situações concretas. Ao se “omitir”, o legislador viabilizou ao aplicador encontrar uma resposta jurídica para uma vasta gana de casos concretos que não encontrariam uma resposta clara caso se adotasse somente o método casuístico.

Por outro lado, traz um forte ônus hermenêutico para aquele atribuído a instrumentalizá-lo. Uma vez que o conceito não tem uma prévia definição – um prévio sentido – será dever daquele que for aplicá-lo conferir-lhe concretude. É o chamado processo de concretização. Concretizar nada mais é do que responder à pergunta “o que é isso?”, é o ônus necessário para que o outro saiba do que se fala.

Atrelada à primeira pergunta, vem a segunda pergunta necessária: “por que isso é assim?”, ou seja, a justificação. Como não poderia deixar de ser, em um regime político democrático as decisões de uma autoridade judicial não podem prescindir da fundamentação. Além de ser necessária para o controle externo da decisão, é indispensável para a sua legitimação. Não se pode admitir que uma decisão seja correta simplesmente porque emanou de uma autoridade, por isso consiste em um elemento indispensável para a validade da decisão que sejam expostos as razões que levaram àquela decisão.

Quando se fala de concretização de conceitos jurídicos indeterminados, o exercício de justificação é duplicado, pois o julgador também deverá se justificar sobre o sentido atribuído àquela expressão abstrata.

Como fica evidente, a adoção de textos abertos representa uma completa superação do ceticismo sobre o Juiz que existia no século XIX, cujo seu expoente foi a Escola francesa da Exegese. De “escravo da lei”, o juiz passa a ser cada vez mais visto como o criador do direito. Tal reconhecimento chega ao Brasil com certo atraso e deve se consolidar com o novo Código de Processo Civil.

O jurista alemão Karl Engisch classifica os conceitos jurídicos indeterminados em “conceitos jurídico indeterminados” [unbestimmte Rechtsbegriffe] (stricto sensu), “conceitos normativos” [normative Begriffe], “discricionariedades” [Ermessen] e “cláusulas gerais” [Generalklauseln].

a) Os conceitos jurídicos indeterminados stricto sensu são o contraponto aos conceitos jurídicos determinados, que já carregam clareza conceitual sobre seu significado, dispensando a concretização. Contudo, a abstração não é completa, pois há previsão da consequência jurídica da circunstância da qual o conceito abstrato é componente Exemplos: artigo 423 (“cláusulas ambíguas ou contraditórias”) e parágrafo único do artigo 575 (“manifestamente excessivo”) do Código Civil de 2002

b) Os conceitos normativos são o contraponto aos conceitos descritivos. Neste caso, o conceito, que ordinariamente seria bem determinado, ganha abstração ao ingressar no mundo jurídico. Tal fenômeno se dá em razão da carga valorativa que recai sobre o conceito que ordinariamente serviria apenas para prestar referência a algo do mundo. Exemplos: art. 5º, XI, da Constituição Federal de 1988 (“casa”)

c) As discricionariedades estão inseridas no contexto do direito administrativo, em especial no que tange aos atos administrativos. Trata-se de conceitos vagos que conferem ao administrador margem para agir conforme sua oportunidade e conveniência. Exemplos: art. 2º do Decreto-Lei nº 3.365/41 (“utilidade pública”) e art. 62, caput, da Constituição Federal de 1988 (“relevância e urgência”)

d) As cláusulas gerais são os conceitos mais vagos entre todos. Aqui o legislador emprega um conceito dotado de normatividade sem se referir claramente às circunstâncias de seu uso, seja a hipótese de incidência da norma (“Se X”), seja sua consequente jurídica (“então deve ser Y”). Exemplos: artigos 421 (“função social”) e 422 (“probidade e boa-fé”) do Código Civil de 2002.


Referências

 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. Ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 625.

 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

 ENGISCH, Karl. Einführung in das jurisdische Denken. 11. Auflage. Stuttgart: W. Kohlhammer GmbH, 2010, p. 188.

 Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

 Art. 575. Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.

Parágrafo único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade.

 “XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;” Ver precedentes do STF: MS 23.642-DF, rel. Min. Néri da Silveira; e HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma.

 Art. 2o  Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. Obs.: o rol do art. 5º do decreto é meramente exemplificativo.

 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

9 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

10 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.


 

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