Considerações acerca do procedimento das ações de família

Houve diversas modificações nas ações de família em geral, se comparado à forma que eram tratadas anteriormente, na vigência do CPC de 1973. Visando as problemáticas delicadas enfrentadas nesses tipos de ações, o legislador mudou o rito de determinados processos, como divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.

Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.

Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo.

No artigo 639, parágrafo único, pode ser observado que as ações de alimentos e as que versarem sobre interesse de criança ou de adolescente seguirão os procedimentos previstos em lei específica. Assim, aquelas mencionadas no caput não são taxativas, sendo o parágrafo único taxativo.

Dessa forma, as ações de alimentos que dependam de reconhecimento de filiação, de união estável, indenização, partilha de bens serão incluídas no caput e devem seguir o rito das ações de família.

Isso demonstra a preocupação do legislador com o devido processo legal, na medida em que diferentes litígios exigem formas diversas de procedimento a depender da matéria que envolve o litígio ou da realidade das relações entre as partes litigantes. Sendo este “devido” entendido como adequado.

Há divórcios em que o casal não mais tem interesse em manter a relação posterior à dissolução matrimonial, cada um deseja seguir sua vida separada, o que demanda uma forma diferente de lidar se comparado com um divórcio que exige a manutenção de relação em razão de filhos menores, uma vez que se mantém o poder familiar sobre o mesmo.

O conflito não se confunde com o litígio, pois aquele antecede ao litigio, este consiste na resistência de uma das partes. A preocupação do CPC de 2015 é pôr fim ao conflito. É um código muito mais próximo da realidade dos litigantes, adequando os procedimentos com as problemáticas enfrentadas em determinados litígios.

Anteriormente, havia uma audiência de reconciliação, uma grande intervenção estatal na vida privada, que visava reconciliar marido e mulher, sendo ignorado quais os dilemas enfrentados pelas partes.

Em tese, não há mudança estrutural no procedimento de ação de família: petição inicial, audiência de conciliação ou mediação, contestação, saneamento, audiência de instrução e julgamento, memoriais e sentença. Todavia, a distinção consiste em uma série de nuances que tornam o processamento das ações de família distinto do ordinário.

Uma delas é a possibilidade de magistrado suspender o processo, a qualquer momento, enquanto as partes se submetem a procedimento de autocomposição, conforme art. 694, parágrafo único, CPC.

Outra é a competência territorial voltada para o sujeito sensível da relação, podendo ser domicílio do guardião de filho incapaz ou o ultimo domicílio do casal, se não houver filho incapaz ou domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal. Anteriormente, o foro competente era onde residia a mulher, o que demonstraria um problema para a realidade de união homoafetiva, seja entre mulheres, seja entre homens.

A questão do foro de guarda compartilhada é outra distinção trazida, deverá ser no fixo do incapaz ou no do réu, em caso de guarda alternada. Não se admite em citação pessoal via procurador, deverá ser citada a parte somente, ainda que por aviso de recebimento (AR). Não pode ser pessoal em ação de estado ou nos casos em que o citando seja incapaz.

Art. 695 (…) § 3º A citação será feita na pessoa do réu.

No entendimento de Rafael Calmon, o porteiro poderá receber a citação pessoal, uma vez que o mesmo poderá recusar o recebimento se declarar, por escrito, que o destinatário da correspondência se encontra ausente, sob as penas da lei, pois se trata apenas de repasse para o citando, que deve ser a pessoa do réu, ao contrário do procurador, que recebe em nome do citando.

Os prazos entre atos processuais são menores entre a citação e audiência, entre o despacho inicial e a audiência.

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

Art. 695. (…) § 2º A citação ocorrerá com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da data designada para a audiência.

Uma inovação trazida nesse procedimento específico, objeto de críticas, é a entrega de mandado sem contrafé, ou seja, sem acompanhamento de petição inicial, sendo assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo, contendo apenas os dados necessários à audiência.

O escopo é evitar a potencialização do conflito nessas ações, o que na prática pode não ser necessariamente evitado, tendo em vista que, sendo assegurado ao réu examinar a qualquer tempo o acesso, os mesmos buscam as secretarias de vara, lotando-as, o que pode atrapalhar o andamento dos trabalhos da secretaria. Além de cecear o direito de defesa, dificilmente, a parte ré irá abrir mão de ir sem munição para se defender, o que exige a visualização da contrafé.

Ainda que disposta a conciliar ou mediar, a parte deve compreender exatamente o que deseja o autor da demanda, o que somente poderá ser feito com a leitura da inicial apresentada.

A audiência poderá ser segmentada em várias sessões para viabilizar a solução consensual, sem o prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito. A qualquer momento, o juiz poderá se acompanhar por especialistas para oitiva de incapaz, havendo suspeita de alienação parental ou para a tentativa de conciliação.

O julgamento parcial do mérito, inovação trazida não somente para as ações de famílias, é técnica de julgamento que poderá ser usada pelo juiz nas mesmas em casos de cumulações de pedidos. Um exemplo claro é quando não houver litígio acerca do divórcio, mas houver acerca da partilha, assim, o juiz julga o divórcio e segue o processo sobre a partilha de bens.

Essa técnica de julgamento é excelente para evitar o prolongamento do laço matrimonial, o que poderá repercutir nos bens, que já se encontra em litígio no exemplo usado. É possível haver o saneamento compartilhado em audiência, podendo haver a delimitação consensual das questões objetos de prova.

Assim, podemos ver que o procedimento, apesar de parecer o mesmo, a primeira vista, muda em determinadas especificidades. Buscando se adequar ao litígio especifico de ações de família, o procedimento é moldado conforme a necessidade existente.

Esse paradigma de se moldar o procedimento a necessidade das partes e de acordo com o litígio já se encontrava presente no CPC de 1973 e foi ampliado no de 2015, o que ocasionou em um novo procedimento específico para as ações de famílias.

Como visto, os atos processuais são os mesmos, todavia, há a possibilidade de adequação da prática dos mesmos para a especificidade do litígio familiar.

Referências

MELO, André Luis Alves. Novo CPC permite ações de família no juizado especial. In: Revista Consultor Jurídico, 2 ago 2016. Disponível em: <https://goo.gl/zyCHZZ>. Acessado em 03 abr 2017.


SCALABRINI, Natália. A especialidade do procedimento das ações de família no NCPC. In JusBrasil. Disponível em: <https://goo.gl/pH9nwB>. Acessado em 03 abr 2016.
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