Administrativo
Quem tem medo do TCU? Entenda a atual celeuma em volta do julgamento das contas presidenciais de 2014
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 por Ingrid CarvalhoDomingo, dia 4 de outubro, o Advogado-Geral da União (AGU), João Inácio Adams, acompanhado de outros dois ministros (José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Nelson Barbosa, ministro do Planejamento), afirmou, em coletiva de imprensa, algo inesperado (ou nem tanto): que apresentaria um pedido de afastamento do relator do julgamento das contas do Governo Federal de 2014, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.
Segundo o AGU, o relator teria antecipado publicamente o voto que deverá apresentar na sessão de julgamento das contas, ao manifestar sua opinião acerca do tema. Seria uma irregularidade grave, a justificar a suspeição do ministro Augusto Nardes. Invoca, para tanto, o art. 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). Segundo esse dispositivo, é vedado ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.
Augusto Nardes, em resposta, disse que o Governo Federal está querendo “cercear a liberdade do TCU” e “intimidá-lo”.
“O Governo está tentando intimidar a mim e ao Tribunal de Contas da União, mas não vamos nos acovardar”, afirmou o ministro. “Realizamos um trabalho técnico de forma eficiente e coletiva na análise das contas”, justificou. Segundo a nota publicada pelo TCU segunda-feira (5), o ministro Nardes “apenas disponibilizou, na quinta-feira passada, minuta de relatório e do parecer prévio aos demais ministros, uma vez que o Regimento Interno do TCU exige que a distribuição dessas peças aos seus pares se faça em até cinco dias antes da data da sessão”.
Depois de o TCU já ter adiado por três vezes o julgamento das contas, que era para ter sido realizado, inicialmente, no mês de junho, o ministro Luís Inácio Adams surpreende com esse pedido de afastamento, que já fora apresentado ontem, segunda-feira (5), mas que só deverá ser apreciado amanhã, quarta-feira (7), no mesmo dia do julgamento das contas.
E por que tanto medo do TCU? Possui ele competência para esse temor?
O Tribunal de Contas da União é o órgão auxiliar do Poder Legislativo que visa realizar o controle externo da Administração Pública Federal, seja Direta ou Indireta. Ou seja, o TCU não só fiscaliza órgãos federais, como também autarquias, empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista), fundações públicas e até mesmo entidades do terceiro setor que percebem recursos federais, como os serviços sociais autônomos. Isso tudo para aferir que os recursos públicos estão mesmo sendo bem utilizados, corretamente aplicados, ou seja, cumprindo seu papel de realizar o interesse público.
Consoante o caput do art. 70 da Constituição Federal, “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.
Diz-se de controle externo, pois é o controle dos atos administrativos de um Poder (no caso, o Executivo), por conta de outra esfera de Poder. Além disso, a função legislativa (editar leis, atos normativos que inovam no ordenamento jurídico) não é a única função típica do Legislativo. Este também tem a função de fiscalizar os atos do Executivo. Assim, no âmbito da União, o Congresso Nacional também tem a função de aferir se os recursos públicos estão sendo corretamente empregados e se a Lei Orçamentária está sendo devidamente aplicada.
O TCU é composto de nove ministros, que gozam das garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, incluindo as três garantias básicas de todo magistrado (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos). Apesar disso, o TCU é órgão de controle externo auxiliar do Legislativo, não um órgão do Judiciário. Seus ministros, apesar de parecerem, não são magistrados. Daí se dizer que ele exerce competência apenas judicialiforme. Seus “julgamentos” (que na verdade devem ser entendidos por “exame”, “análise”) possuem caráter administrativo, mas garantem o contraditório e a ampla defesa. Mas seus ministros não possuem o mesmo poder dos magistrados (por exemplo, não podem ordenar a quebra de sigilo bancário).
A esfera de competência do TCU está descrita no extenso art. 71 da Constituição Federal que, em seu inciso I, já afirma ser de sua competência “apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento”. Esse parecer deverá ser enviado ao Congresso Nacional, que este sim decretará como aprovadas ou rejeitadas as contas do Presidente da República (art. 49, IX, da Constituição).
No presente caso, o TCU, ao apreciar as contas públicas referentes à gestão presidencial do ano passado, deverá levar em consideração algumas irregularidades apontadas. A desaprovação das contas seria um fato inédito para a história do TCU.
Qual o risco desse julgamento?
Entre essas irregularidades apontadas pelo TCU estão fatos de extrema gravidade, como as chamadas “pedaladas fiscais” e a edição de decretos que criariam gastos públicos adicionais sem a autorização do Congresso Nacional.
O que ficou conhecido por “pedaladas fiscais” diz respeito à prática de retardar os repasses públicos a instituições financeiras que deveriam custear programas sociais (como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida), de forma a maquiar as contas públicas em pleno ano de eleições. Assim, instituições como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil tiveram que usar recursos de seus próprios patrimônios para o custeio dos programas sociais, como se fosse um “empréstimo compulsório” ao Governo. Inclusive a Caixa Econômica chegou a ajuizar, nos últimos anos, ações em face da União requerendo partes desses valores. Além disso, provavelmente houve o atraso de repasses destinados também ao setor elétrico, em um ano marcado por apagões.
Assim, como o repasse criaria um gasto muito grande ao Governo Federal, com as “pedaladas fiscais”, há a aparência de um déficit primário menor. Apesar disso, o Governo afirma que tal prática está dentro da legalidade e que sempre fora realizada por governos anteriores, sem estes serem questionados pelo TCU por isso.
Ainda, decretos presidenciais que criem gastos não previstos no Orçamento só podem valer se forem submetidos ao Congresso Nacional e receberem a aprovação deste. Porém, a Presidente da República, Dilma Rousseff, teria editado alguns desses decretos sem passar pela apreciação do Legislativo. Apenas um deles autorizava um gasto de aproximadamente 15 bilhões de reais.
Assim, o risco para o Governo Federal da apreciação das contas de 2014 são no sentido que, se o TCU desaprová-las e o Congresso Nacional ratificar o parecer, haveria um fundamento jurídico para a instauração de um processo de impeachment da presidenta. Isso porque, segundo a Constituição Federal, em seu art. 85, VI, atos que atentem contra a lei orçamentária poderia constituir crime de responsabilidade. E o parágrafo único do mesmo artigo afirma que esses crimes serão definidos em lei especial, inclusive no que diz respeito ao processo de julgamento destes.
Como não houve uma legislação específica editada após a Constituição Federal de 1988, continua a vigorar a Lei nº 1.079/50. Nela, tanto as “pedaladas fiscais” quanto os decretos que criam créditos suplementares sem autorização prévia do Congresso poderiam ser enquadrados em algumas das hipóteses dos Capítulos VI e VII do Título I. Ou seja: constituir-se-iam em crimes de responsabilidade.
Assim, poderia a Câmara dos Deputados apresentar denúncia para que o Senado Federal, exercendo função atípica de julgamento, aprove (ou não) um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
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Atualmente, é comum a mídia fazer referência ao crime de peculato, tendo em vista, infelizmente, os frequentes casos de desvio de dinheiro no país. Dessa forma, torna-se necessário entender melhor esse tipo penal, a fim de que não existam dúvidas sobre o que é incriminado por ele.
Inicialmente, cabe explicar o significado da palavra peculato: ela encontra sua origem no Direito Romano, época em que a subtração de bens pertencentes ao Estado era chamada de peculatus ou depeculatus.
Como anteriormente ainda não havia a moeda como símbolo de comercialização, o patrimônio estatal era composto, assim, por bois e carneiros (pecus), representando a riqueza pública por excelência.
O tipo em epígrafe localiza-se dentro do Título XI – Dos crimes contra a Administração Pública e do Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral.
Assim, o sujeito ativo do crime é próprio, só podendo ser praticado por funcionário público, porém a participação ou coautoria de outro agente o qual não seja funcionário, mas que conheça a condição do autor possibilita a comunicação da elementar do crime.
Destacam-se, nessa oportunidade, os tipos dos artigos 312 e 313 do Código Penal:
Peculato
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Peculato mediante erro de outrem
Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
O artigo 312 em seu caput descreve, primeiramente, o peculato na modalidade apropriação o qual se relaciona com o tipo do artigo 168 do Código Penal (apropriação indébita). O agente passa a se comportar como proprietário do dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, que antes era apenas possuidor. Ressalta-se que esta posse deve estar relacionada ao cargo do agente, faz, assim, uso do cargo para obter a posse.
Ainda no caput é previsto o peculato-desvio. O sujeito desse crime confere à coisa destinação diversa da inicialmente prevista, tendo como finalidade algum proveito próprio ou de terceiro. Essa modalidade de peculato é o exemplo clássico, sendo o caso, por exemplo, de dar destinação diversa as verbas públicas, beneficiando-se de alguma forma.
Já o parágrafo primeiro é a modalidade do crime em questão a qual a doutrina nomeia como peculato-furto. O agente não tem a posse do bem, mas a sua posição de funcionário público lhe proporciona uma situação mais favorável para a subtração dela.
A segunda parte da modalidade, peculato-furto, exige o concurso necessário, haja vista que a atuação do funcionário restringe-se à concorrência dolosa para a subtração efetuada por terceira pessoa.
Há também o peculato-culposo, o qual é uma exceção a teoria monista, uma vez que estão, necessariamente, presente pelo menos dois agentes: o funcionário que responde pela modalidade culposa e a pessoa que está cometendo delito dolosamente.
Neste caso, o funcionário infringe o dever de cuidado objetivo, inerente aos crimes culposos, deixando de vigiar, como deveria, os bens da Administração que estão sob sua tutela.
Ainda sobre o tema, cabe destacar o artigo 313 do Código Penal mais conhecido como peculato-estelionato. O funcionário público apropria-se, indevidamente, de dinheiro ou qualquer outra utilidade, prevalecendo-se de sua função, mediante o aproveitamento ou manutenção do erro de outrem. O erro é a falsa percepção da realidade pela vítima.
O peculato segundo o entendimento dos tribunais superiores
Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça não entende como possível a aplicação do princípio da insignificância nos casos de crimes contra a Administração Pública, incluindo-se o peculato, havendo, inclusive, entendimento sumulado sobre o assunto.
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. (SÚMULA 599, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017)
Além disso, veja-se julgamento recente:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PECULATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 599/STJ.
Apesar de o bem subtraído ser avaliado em R$ 35,00, o delito foi praticado contra Administração Pública, em que houve o valoração negativa dos maus antecedentes e ainda o reconhecimento da reincidência, o que obsta o reconhecimento da atipicidade material, consoante a Súmula 599/STJ (“O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.”) 2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 2.067.513/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)
Já o Supremo Tribunal Federal reconhece a aplicação desse princípio, como causa de exclusão da tipicidade, havendo, contudo, necessidade de identificar no caso concreto os vetores que legitimam o reconhecimento do fato insignificante.
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA – RELAÇÕES DESSA CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SUA DIMENSÃO MATERIAL COM OS PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO EM MATÉRIA PENAL – NECESSIDADE DE CONCRETA IDENTIFICAÇÃO, EM CADA SITUAÇÃO OCORRENTE, DOS VETORES QUE LEGITIMAM O RECONHECIMENTO DO FATO INSIGNIFICANTE (HC 84.412/SP, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) – DOUTRINA – PRECEDENTES – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ART. 68 DA LEI N. 9.605/98) – INOCORRÊNCIA, NO CASO, DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
(HC 150147 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12-04-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 23-04-2019 PUBLIC 24-04-2019)
EMENTA: AÇÃO PENAL. Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.
(HC 112388, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21-08-2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 13-09-2012 PUBLIC 14-09-2012)
Veja aqui um pouco mais sobre a (In)Aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos Crimes Contra a Administração Pública.
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Referências:
Apesar do nome, o poder de polícia não está diretamente relacionado à atividade dos policiais. Em vez disso, trata-se de um conceito fundamental no direito administrativo, ligado à capacidade do Estado de limitar ou condicionar a liberdade e a propriedade privadas para proteger o interesse público.
A administração pública tem como um de seus princípios basilares a supremacia do interesse público sobre o particular. Isso garante a observância da ordem das relações sociais, assegurando que a coletividade e o bem comum não sejam prejudicados pelo interesse individual.
Nesse sentido, os poderes administrativos são os instrumentos pelos quais a Administração Pública exerce suas funções e atinge seus objetivos. Dentre esses poderes, destacam-se o poder hierárquico, o poder disciplinar, o poder regulamentar e, finalmente, o poder de polícia.
Poderes Administrativos
O poder hierárquico se refere à estrutura organizacional da Administração Pública, estabelecendo uma relação de subordinação entre os diversos níveis da hierarquia administrativa. Por meio dele, a autoridade superior pode dar ordens, fiscalizar, coordenar e corrigir as atividades dos subordinados, garantindo a eficácia e eficiência na prestação dos serviços públicos.
Já o poder disciplinar permite à Administração Pública aplicar sanções aos servidores públicos que cometam infrações funcionais. O objetivo é manter a ordem, a disciplina e a ética no serviço público, assegurando que os servidores cumpram suas obrigações e ajam de acordo com os princípios da administração.
Enquanto isso, o poder regulamentar poder autoriza a Administração Pública a elaborar normas complementares às leis, de modo a facilitar sua execução e garantir seu cumprimento. Através de decretos, portarias e instruções normativas, a Administração pode detalhar as disposições legais, adaptando-as às necessidades práticas da gestão pública.
Por fim, o poder de polícia é a capacidade da Administração Pública de intervir na esfera privada para proteger o interesse público. Esse poder se manifesta através de atos administrativos que impõem restrições, condições ou proibições ao exercício de direitos individuais, visando à preservação da ordem pública, da saúde, da segurança, da moralidade, do meio ambiente e de outros valores coletivos.
Veja aqui um pouco sobre os atos administrativos.
O Poder de Polícia
Esse poder consiste em uma ferramenta para frear ou reprimir abuso dos direitos individuais. Ele é aplicado, por exemplo, quando o indivíduo recebe uma multa de trânsito, tem sua atividade comercial interditada, sua obra paralisada. Tudo isso para que o bem estar, a saúde, os direitos e bens coletivos não sejam prejudicados. O seu fundamento está na Constituição Federal e nas normas de ordem pública.
Pode ser preventivo, quando é usado de forma a evitar ações particulares que prejudiquem a coletividade, ou repressivo, se pune ações que já foram concretizadas. Também pode ser utilizado tanto na esfera administrativa quanto na judiciária. Na primeira esfera o objetivo é a manutenção da ordem pública geral, impedindo a violação de leis. Já na segunda esfera o objetivo concentra-se em reprimir a violação de leis, através de órgãos especializados como a polícia civil e militar.
A administração pública pode pôr em prática as suas decisões sem precisar recorrer ao Poder Judiciário. É o que se chama de autoexecutoriedade. Todavia, a Lei impõe limites quando à competência, forma, fins e objeto, que devem ser respeitados. O poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público, respeitando o princípio da proporcionalidade. Isso significa que não se pode ir além do que é necessário para que o fim seja alcançado.
O ato de polícia deve ser justo e necessário, sem se tornar arbitrário. É justo quando há uma proporção entre o dano coletivo a ser evitado e o direito individual. Se o indivíduo acredita que o ato foi arbitrário e desarrazoado, pode pleitear em juízo o reconhecimento disso com a consequente reparação necessária, seja moral ou material.
Poder de Polícia na Jurisprudência
O Superior Tribunal de Justiça publicou súmula sobre a fiscalização dos Conselhos Regionais de Farmácia que mostra o exercício do poder de polícia. Vejamos:
Enunciado: Os Conselhos Regionais de Farmácia possuem atribuição para fiscalizar e autuar as farmácias e drogarias quanto ao cumprimento da exigência de manter profissional legalmente habilitado (farmacêutico) durante todo o período de funcionamento dos respectivos estabelecimentos. (SÚMULA 561, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2015, DJe 15/12/2015)
Podemos ver também o que diz o Supremo Tribunal Federal quando julga temas que envolvem o poder de polícia:
Súmula 397
Aprovação: 03/04/1964
Ramo do Direito: Processual Penal
Enunciado
O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.
Veja ainda esse julgado, em que a Corte Suprema decidiu pela possibilidade de delegação do poder de polícia por meio de lei a entidades administrativas de direito privado. :
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 532. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA E DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AFASTADAS. PODER DE POLÍCIA. TEORIA DO CICLO DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ATUAÇÃO PRÓPRIA DO ESTADO. CAPITAL MAJORITARIAMENTE PÚBLICO. REGIME NÃO CONCORRENCIAL. CONSTITUCIONALIDADE. NECESSIDADE DE LEI FORMAL ESPECÍFICA PARA DELEGAÇÃO. CONTROLE DE ABUSOS E DESVIOS POR MEIO DO DEVIDO PROCESSO. CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO IRREGULAR. INDELEGABILIDADE DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.
1. O Plenário deste Supremo Tribunal reconheceu repercussão geral ao thema decidendum, veiculado nos autos destes recursos extraordinários, referente à definição da compatibilidade constitucional da delegação do poder de polícia administrativa a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta prestadoras de serviço público.
2. O poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Em sentido estrito, poder de polícia caracteriza uma atividade administrativa, que consubstancia verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de delimitar a liberdade e a propriedade.
3. A teoria do ciclo de polícia demonstra que o poder de polícia se desenvolve em quatro fases, cada uma correspondendo a um modo de atuação estatal: (i) a ordem de polícia, (ii) o consentimento de polícia, (iii) a fiscalização de polícia e (iv) a sanção de polícia. […]
13. Repercussão geral constitucional que assenta a seguinte tese objetiva: “É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.”
(RE 633782. Órgão julgador: Tribunal Pleno Relator(a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 26/10/2020 Publicação: 25/11/2020)
O poder de polícia, em suma, é necessário para manter a boa ordem da sociedade, além de preservar o interesse público, devendo cada questão ser tratada com a particularidade que lhe for condizente. Contudo, não pode o ato público invadir a esfera do direito particular, prejudicando o indivíduo sob o argumento da proteção da sociedade. A linha é tênue, vista apenas caso a caso, mas, se ultrapassada, gera reparação de danos.
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Referências Bibliográficas:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
Direito Administrativo Brasileiro. 40ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
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Administrativo
Diferenças entre Motivo e Motivação dos Atos Administrativos
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2 meses atrásem
28 de julho de 2024Por serem palavras comuns na linguagem diária, assumindo, em alguns contextos, até mesmo significados idênticos, motivo e motivação, quando estudados na doutrina administrativista podem confundir algumas pessoas.
Ocorre que a diferença é bem simples e aqui vão algumas dicas para não fazer confusão:
Motivo é pressuposto, elemento, requisito do ato administrativo. Sua existência, portanto, é intrinsecamente ligada à existência da própria manifestação unilateral regida pelas normas do Direito Público que caracteriza o ato administrativo. Em dados momentos, o motivo é vinculado por lei e em outros ele é discricionário, assim como o objeto do ato. Assim, o motivo é o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo.
Já a motivação dos atos administrativos diz respeito à exteriorização ou não dos motivos do ato. Sua razão de ser está mais ligada ao elemento forma que ao elemento motivo, uma vez que a exteriorização, por escrito, dos motivos do ato condiz com a maneira com a qual ele se apresenta aos administrados e ao mundo jurídico: ou seja, com exposição de motivos ou não. É em por conta disso que a falta de motivação em atos para os quais ela é exigida configura vício de forma. A lei 9784, que versa sobre o Processo Administrativo na esfera federal elenca alguns dos atos para os quais é exigida a motivação. Veja-se:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
1oA motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
2oNa solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
3oA motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
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