Impedimento de Dilma Rousseff e a não perda dos direitos políticos

Os últimos dias foram marcados pela repercussão do processo de impedimento de Dilma Rousseff. O impeachment (impedimento, em português) é um instituto jurídico legitimado pela Constituição Federal de 1988. Usado como forma de punição ao chefe do Poder Executivo que tenha cometido ações consideradas ilícitas relacionadas ao cargo que exerce. Estas condutas são o que a Constituição chama de “crimes de responsabilidade”, elencadas no art. 85 da Carta Magna.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

A Lei nº 1.079/50 dispõe sobre estes crimes e sobre o rito do processo de impeachment do Presidente da República, ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador Geral da República, Governadores e secretários dos estados, desde o recebimento da denúncia ao julgamento.

Qualquer cidadão tem legitimidade para peticionar requerendo a instauração de processo contra o chefe do Poder Executivo nacional à Câmara dos Deputados, demonstrando que o mesmo cometeu uma das condutas consideradas como crime de responsabilidade.

Esta casa do Congresso Nacional tem competência privativa para autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República com a aprovação por dois terços de seus membros, seguindo o rito previsto em lei. Em seguida, o Senado Federal irá receber o processo e realizar o julgamento do mesmo.

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

(…)

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

O parágrafo único do art. 52 da CF é a polêmica do momento. O que o dispositivo traz é o quorum para a condenação, dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação por oito anos ao exercício da função pública. O entendimento do texto legal é de que a inabilitação pelo período mencionado ao exercício de qualquer função pública está ligada à destituição do cargo e que, em caso de condenação, ambas as sanções devem ser aplicadas.

O art. 33 da Lei no 1.079/50 também concede este entendimento, deixando claro que, em caso de condenação, o Senado deverá fixar o prazo da inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública. O art. 34 da mesma Lei trata sobre a destituição do cargo.

Art. 33. No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.

Art. 34. Proferida a sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto destituído do cargo.

Apesar de a leitura conduzir ao entendimento de que a condenação leva a ambas as penas, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser independente a destituição do cargo da inabilitação para o exercício da função pública em dezembro de 1993, quando julgou um mandado de segurança impetrado por Fernando Collor. O ex-presidente alegou ser a inabilitação acessória ao impedimento e que não haveria a possibilidade de incorrer nesta pena, tendo em vista a sua renúncia ao cargo.

O presidente do Senado Federal à época, Humberto Lucena, trouxe o entendimento de Michel Temer, quanto constitucionalista, de que a pena da inabilitação é autônoma, e não acessória a da destituição do cargo, como pode parecer a primeira leitura.

(…) que a decisão da inabilitação para o exercício de outro cargo público tem caráter político e não está sujeita à apreciação pelo Poder Judiciário; (…) que o Professor Michel Temer, em sua obra «Elementos de Direito Constitucional», afirma, verbis: «Se o Presidente da República renunciar ao seu cargo quando estiver em curso processo de responsabilização política, deverá ele prosseguir, ou perde o seu objeto, devendo ser arquivado? O art. 52, parágrafo único fixa duas penas: a) a perda do cargo; e b) a inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública. A inabilitação para o exercício de função não decorre da perda do cargo, como a primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilidade. Não é pena acessória. É, ao lado da pena da perda do cargo, pena principal. O objetivo foi o de impedir o prosseguimento no exercício das funções (perda do cargo) e o impedimento do exercício — já agora não daquele cargo de que foi afastado — mas de qualquer função pública, por um prazo determinado. Essa a conseqüência para quem descumpriu deveres constitucionalmente fixados. Assim, porque responsabilizado, o presidente não só perde o cargo, como deve afastar-se da vida pública durante oito anos para corrigir-se e, só então, poder a ela retornar. (…) que «a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública são, em realidade, penas autônomas, mas de aplicação conjunta, salvo na hipótese de impossibilidade absoluta de aplicação da primeira, por já ter o denunciado deixado definitivamente o cargo» (…) (STF, MS  21.689, 1993, p.  5).

Foi este entendimento, acatado pelo Supremo, que livrou Dilma Rousseff da pena de inabilitação a qualquer função pública por oito anos. Em verdade, o intento do Tribunal era evitar que Collor pudesse livrar-se dessa pena e retornar a vida pública, como, provavelmente, pretendia. Em sentença, elaborou-se este entendimento de a pena de inabilitação ser principal e independente, ao mencionar que o objetivo é proteger a coisa pública do mau ocupante do ofício.

O impeachment, como anotou Paulo de Lacerda, «tem como escopo principal, não tanto a punição do acusado, senão primeiramente a tutela das coisas públicas mediante a remoção do mau ocupante do ofício, que o exerce em prejuízo da nação» (in Princípios de Direito Constitucional Brasileiro, Rio, Livraria Azevedo — Editora, pág. 455). (…) Não basta, destarte, ver, apenas a perda do cargo, como efeito do impeachment. Tão importante como essa é a inabilitação de quem acusado por malversação da coisa pública quando exercia o cargo de que arredado. (STF, MS 21.689, 1993, p.  56).

É possível, todavia, observar que este entendimento poderia, também, servir de argumento para a aplicação da pena para Rousseff. Se a intenção é evitar que a renúncia possa, a qualquer tempo, ser ato praticado com escopo de evitar as penas em caso de condenação, é compreensível o entendimento de que, ainda que seja inviável a aplicação da destituição de cargo, tendo em vista o ato de renúncia do mesmo, não poderia aquele que cometeu crime de responsabilidade livrar-se da pena que o inabilita ao exercício da função pública. Assim, mesmo que as penas sejam independentes, não cabe deixar de aplicar a inabilitação em caso de comprovação de crime de responsabilidade, visando a proteção da coisa pública.

Corroborando com este último entendimento, interessante é a compreensão elaborada em sentença de que a perda do cargo é, em verdade, consequência óbvia da inabilitação.

Não disse «inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer outra função pública», tornando mais evidente que, se ela se referia expressamente à perda do cargo que já estaria abrangida pela inabilitação para o exercício de qualquer função pública (…) Não fora isso, e o normal seria dizer que a pena seria a de inabilitação, por certo prazo, para o exercício de qualquer função pública, o que abarcaria a perda do cargo de Presidente se o condenado, até a condenação (…). (STF, MS 21.689, 1993, p.  61).

O Ministério Público Federal proferiu o seguinte parecer:

A perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública são, em realidade, penas autônomas, mas de aplicação conjunta, salvo na hipótese de impossibilidade absoluta de aplicação da primeira, por já ter o denunciado deixado definitivamente o cargo. Admitir a aplicação isolada da pena de perda ou mesmo deixar de aplicar a de inabilitação, por renúncia do Presidente, após o recebimento da denúncia, frustra a finalidade do impeachment, tal como delineado na Constituição Federal. (STF, MS 21.689, 1993, p.  74).

Porém, é este mesmo entendimento de serem as penas independentes que legitima a votação separada, ocorrida dia 31 de agosto de 2016, para definir se Dilma Rousseff também sofreria a sanção da inabilitação. Mas não se pode, por razões claras de segurança jurídica, aplicar entendimento diverso daquele aplicado para Collor, de que são as penas autônomas, para este impeachment atual.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança n.º 21.689. Paciente: Fernando Affonso Collor de Mello. Relator: Ministro Carlos Velloso. Distrito Federal, 16 de dezembro de 1993. Disponível em: <http://goo.gl/dLdYGr>. Acesso em: 01 set. 2016.
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