“Não há como evitar a diversidade gritante que se nota entre os diversos efeitos da medida cautelar e da medida antecipatória: a primeira não vai além do preparo de execução útil de futuro provimento jurisdicional de mérito, enquanto a última já proporciona a provisória atribuição do bem da vida à parte, permitindo-lhe desfruta-lo juridicamente, tal como se a lide já tivesse sido solucionada em seu favor. É assim que a cautela não é satisfativa e a antecipação o é.” (JÚNIOR, 2007, p. 739)
Comumente ouvimos que as medidas cautelares não têm cunho satisfativo, ao contrário das antecipações de tutela. Será mesmo que esta última tem?
Nas ações cautelares, o objetivo de tal provimento jurisdicional é resguardar um direito, antecedente ou incidentalmente, para que ele possa ser discutido. Não há satisfação, pois ele está resguardado, senão pereceria, restando por prejudicar o andamento processual.
Em ações que há pedido de antecipação de tutela, objetiva-se trazer ao início da relação processual os efeitos da sentença, pois existe a presença suprema e extrapolada do fumus boni iures e do periculum in mora. Além deles, a prova necessita ser robusta, guardando verossimilhança com as alegações. Tais requisitos ultrapassam os limites das cautelares.
Para o magistrado deferir uma antecipação de tutela, ele precisa estar bastante convencido de que aquele direito tenha altas chances de ser certo. A proximidade com a verdade real, como formadora do seu convencimento motivado, é muito maior em relação à medida cautelar.
Apesar dessas considerações, não verificamos, na antecipação de tutela, o juiz formando totalmente seu convencimento, pois se o fizesse, não proferia decisão interlocutória, mas sim sentença. Então, como tal mecanismo processual poderia ter caráter satisfativo?
Primeiramente, o que vem a ser “satisfação”? O termo é subjetivo e pode ser aplicado em qualquer situação, dependendo do ponto de vista. Contudo, a perspectiva que se deve trabalhar é a jurídica. Donaldo Armelin, citado por Amaral (2012, online), leciona:
A primeira destas lições é aquela ensinada por Donaldo Armelin, entendendo por satisfativas as tutelas jurisdicionais que são exaustivas, definitivas, sendo em si o bastante, no sentido de não carecerem de qualquer complementação de atividade jurisdicional. Não visam a instrumentalidade, mas sim a exaustividade.
O autor também cita o seguinte jurista:
Acompanhando a lição do mestre, utilizando-se como exemplos os processos de conhecimento e de execução, vale a pena transcrever a lição de Barbosa Moreira, no sentido de que o processo de conhecimento, tendente à formulação da norma jurídica concreta que deve reger determinada situação, e o processo de execução, por meio do qual se atua praticamente essa norma jurídica concreta, tem um denominador comum: visam um e outro à tomada de providências capazes de, conforme o caso, preservar ou reintegrar “em termos definitivos” a ordem jurídica e o direito subjetivo ameaçado ou lesado. Por isso se diz que constituem modalidades de tutela jurisdicional “imediata” ou “satisfativa”.
Tutelas jurisdicionais satisfativas, pois, são aquelas que exaurem no sentido de trazerem efeitos definitivos.
Vejamos, hipoteticamente, a situação de um rapaz que, por ter um dia cansativo em seu trabalho, está em um restaurante para jantar. Quando o garçom serve seu farto pedido, o cliente finalmente começa a se deliciar. Enquanto ele não termina, não há satisfação. E se algum fato novo, que o impeça de continuar naquele ato, ocorra?
Não faria sentido ele estar satisfeito durante todo esse processo, correto? O rapaz só estaria satisfeito após exaurir seu jantar, isto é, terminá-lo em definitivo. Ele não vai mais jantar porque já jantou.
A mesma situação ocorre com o instituto da antecipação de tutela. O juiz concede liminarmente e, enquanto o processo estiver tramitando, os efeitos da sentença serão adiantados. Caso ocorra um fato novo, o magistrado poderá revogar ou alterar sua decisão liminar, uma vez que se trata de decisão interlocutória. Amaral continua:
As decisões interlocutórias não analisam o mérito, já que esse mister é destinado à sentença. Nesse sentido, Victor A. A. Bomfim Marins manifesta-se da seguinte maneira: é curial reconhecer que as decisões tomadas no curso do processo de conhecimento (interlocutórias) não atuam diretamente sobre o interesse (satisfativo) em conflito, até porque instrumentalizam o processo a satisfazê-lo por meio da sentença, agora sim, pronunciamento judicial definitivo. Destarte, os atos judiciais interlocutórios não podem satisfazer pretensão objeto do conflito a que não estão preordenados a dirimir. /…/ De modo que, turvar as águas entendendo satisfativas decisões que não têm aptidão para apreciar o mérito, é baralhar os conceitos – e as realidades – “data venia”.
O Novo Código de Processo Civil, inclusive, reforça esse raciocínio nos seguintes dispositivos:
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
[…]
Art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo. (BRASIL, 2015, online)
Ora, se fosse modalidade de tutela jurisdicional satisfativa, o Artigo 296 jamais existiria. Nesse diapasão, há correntes que entendem ser satisfativa pela simples situação fática apresentada ter sido atendida pelo juiz. Acontece que o instituto da tutela antecipada não deve ser analisado faticamente, e sim juridicamente.
O direito foi garantido por decisão interlocutória? Então não é definitivo, pois a decisão poderá ser alterada ou revogada, logo, tal mecanismo não é satisfativo.
Referencias:
AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Tutela jurisdicional satisfativa e tutela antecipatória. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3278, 22 jun. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22071>. Acesso em: 09 set. 2015.
BRASIL. Novo Código de Processo Civil de 2015. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 2015. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 09 ago. 2015.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 739.