“Quem só de direito sabe, nem de direito sabe” (Atribui-se à Rui Barbosa)
Os crimes podem ser realizados individualmente, mas comumente são realizados por conjuntos de pessoas. Em certos momentos, há a tipificação da reunião de pessoas para cometer crimes, o que pode configurar tanto um mero concurso de agentes, quanto a formação de um crime de organização criminosa. Assim, este texto busca diferenciar essas possibilidades dentro do âmbito do direito penal, tomando por ordem de explicação as organizações criminosas, seguidas das associações criminosas e finalizando com o mero concurso de pessoas.
Homens vestidos de terno entregando robustas quantias em dinheiro vivo dentro uma mala preta para um político fumando charuto. Esta imagem certamente transparece bem a ideia advinda do senso comum para o que seriam organizações criminosas.
Na realidade, o imaginário popular é bastante rico, sendo a literatura verdadeiro fruto disso, no tocante ao crime organizado e suas ramificações, mas sempre resta a pergunta: o que seria de fato uma organização criminosa? Para se chegar a conclusão do que seria uma organização criminosa deve-se passar por diversos aspectos, afinal quem busca a resposta de uma pergunta jurídica somente pelo Direito, possivelmente nem na resposta jurídica chegará.
Do ponto de vista sociológico, inúmeros autores dizem haver grande dificuldade em definir organizações criminosas. Todavia, eles indicam elementos comuns, como a necessidade de busca pelo lucro, a atividade organizada em operações ilícitas, o uso frequente do aparelho estatal por meio de corrupção, entre outros. Certamente, do ponto de vista sociológico o conceito de organizações criminosas remete mais a ideia dos filmes. Dessa forma, lembra-se, por exemplo, da ideia por trás das organizações imortalizada nos livros de Mário Puzzo, com o Poderoso Chefão.
O objetivo desse texto não é propriamente perquirir sobre o conceito de organizações criminosas do ponto de vista sociológico, pois isso determinaria estudo bastantemente mais aprofundado. O ponto sociológico é apenas uma base para se chegar à finalidade, no caso a distinção jurídica entre organização criminosa, associação criminosa e crime em concurso de pessoas.
Como já se viu, organização criminosa é um termo bastante vasto do ponto de vista sociológico. Assim, é um verdadeiro desafio lógico trazer a ideia de organização criminosa para o âmbito do direito penal, fixando condutas objetivas a serem reprimidas. Mas ora, os grupos organizam-se de maneiras diversas para cometer crimes e os povos já perceberam que há premente necessidade em se combater tal situação.
Foi percebendo a globalização e a Transnacionalidade do crime, que cada vez mais se organizou, que vários países buscaram a criação de tratados para combater a criminalidade organizada. A formação desses tratados é que direta ou indiretamente modulou a formação da lei específica para o combate as organizações criminosas.
Favaro (2011) diz, em síntese, que a sociedade globalizada trouxe vários benefícios às pessoas, aproximando-as, gerando melhorias na comunicação e na própria qualidade de vida das pessoas. Por outro, essa melhoria que chegou às pessoas insertas na sociedade, também atingiu aqueles que, de uma forma ou de outra, atuam na ilegalidade e as margens da sociedade.
Foi percebendo tal razão que fundou-se a Convenção de Palermo, Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Esta tinha por objetivo fundar as bases para combater o crime transnacional, ou seja, aquele crime organizado que fere as fronteiras dos países, diria até como o crime organizado globalizado. De toda sorte, a definição de crime organizado transnacional foi útil para a fixação de termos para a definição jurídica de crime organizado em diversos países, dentre eles o Brasil.
Assim define a Convenção, que foi recebida no Brasil pelo Decreto 5.015 de março de 2004:
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) “Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
Tal regramento deu base para a criação da lei 12.850, de agosto 2013, implicando no conceito de organizações criminosas da lei brasileira como sendo grupo com mais de quatro pessoa ordenado e caracterizado pela divisão de tarefas de maneira estruturada para obter vantagem direta ou indireta, mediante a prática de infrações legais, conforme abaixo:
1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Assim, do ponto de vista legal, começa-se a ser possível notar diferença jurídica entre os três institutos tratados, pois está definido juridicamente, e não mais em termos abstratos sociológicos o que se considera organização criminosa.
Para se chegar em uma distinção segura entre organizações criminosas, associações criminosas e concurso de pessoas, deve-se definir então associações criminosas e concurso de pessoas.
Por associações criminosas entende-se o crime contra a paz pública no qual 3 ou mais pessoas se renuem para cometer crimes específicos. Na realidade, o crime de associação criminosa é o antigo crime de formação de quadrilha ou bando.
O crime de quadrilha ou bando fora alterado pela lei de organizações criminosas, a 12.850, nomeando-o agora de associação criminosa e dando essa estruturação típica, mas mantendo-o tipificado no art. 288 do código penal.
Na realidade, a organização criminosa decorre da ideia de associação criminosa. Todavia, é uma associação criminosa estruturada, ou uma associação criminosa transnacional. Dessa forma associação criminosa e organização criminosa têm vários pontos em comuns.
Merece destaque, para fins de ponto em comum, a permanência. O grande ponto que faz uma associação criminosa é a ideia de permanência, de continuidade. Assim, pouco importa se o grupo é especializado em sequestros ou se faz diversos crimes, desde que se reúna continuamente para cometer crimes, já é suficiente para configurar a associação. Este requisito se transpõe para as organizações criminosas.
Convém dizer ainda que a permanência não se confunde com a habitualidade propriamente dita. Habitual é algo que ocorre repetidamente, corriqueiramente. A permanência tem ligação com o ânimus, com a vontade de se manter em conluio constante para cometer crimes. Assim, a quadrilha pode ser pegar já no primeiro crime, mas se já estivesse claro o intuito de se manter em atividade como quadrilha, já é suficiente para configurar o crime de quadrilha.
Por outro lado, o problema prático em se conhecer da permanência sem habitualidade é a questão da prova. Como provar que havia o intuito de se manter em conluio constante? Esta é uma questão que afeta ao direito processual e não ao direito material.
Por fim, para terminar as distinções, convém falar um pouco sobre o concurso de agentes. Na realidade, o concurso de agentes se dá quando duas ou mais pessoas se reúnem para cometer um ou mais crimes. Não há confusão com a associação criminosa, pois no mero concurso de agentes não há a permanência.
Isso não implica dizer que não há organização. Na realidade, vários crimes realizados em concurso de pessoas foram extremamente organizados, mas feitos sem permanência, quando outros podem ser extremamente desorganizados, mas com a permanência necessária para configurar o crime de associação.
A título exemplificativo, o furto ao banco central de Fortaleza (foi furto, pois não ocorreu violência ou grave ameaça, conforme o art. 155 do Código penal). Neste caso, houve trabalho de engenharia, a manobra de várias pessoas e alta organização. Todavia, foi-se juntado para realizar tão somente um crime, portanto, mero concurso de agentes e nunca uma associação criminosa ou mesmo uma organização criminosa.
Convém dizer ainda que o concurso de pessoas pode se dá para vários crimes, desde que não haja permanência. Por exemplo, pode-se unir um grupo para roubar os bancos da cidade A, cidade B e da cidade C. Após tais operações o grupo se dispersa. Evidente que não haverá a associação criminosa, ou mesmo uma organização criminosa, mesmo que exista bastante organização para a realização dos crimes.
Dessa forma, conclui-se, por óbvio, que existem várias formas de tipificar o concurso de pessoas no direito penal, podendo gerar crimes autônomos ou não. Os crimes autônomos que chamam a atenção são certamente a organização criminosa, introduzido por lei recente, e a associação criminosa, antigo crime de formação de quadrilha.
REFERÊNCIAS ________. GLOBALIZAÇÃO E TRANSNACIONALIDADE DO CRIME. In: ANAIS DO XVII CONEPDI. BRASÍLIA, 2008. p 8214-8237. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, 1/ Cezar Roberto Bittencourt 19 Ed. Ver. Ampl. E atual – São Paulo: Saraiva, 2013. HAGAN, Frank E. Introduction to Criminology Theories, Methods, and Criminal Behavior Eighth Edition, E-book. SAGE Publications, Inc. 2013. p. 360- 403. MATOS, George Mazza. ; SANTIAGO, N. E. A. . Organizações criminosas, manifestações de rua e obtenção de vantagem de qualquer natureza : ativismo ou garantismo?. In: Gisele Mendes de Carvalho. (Org.). in ANAIS do XXIII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, PARAÍBA1ed.: , 2015, v. 1, p. 487-506. OLIVEIRA, Adriano. Crime Organizado: É possível definir. In: Revista Espaço Acadêmico, n- 34, março, 2004. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/034/34coliveira.htm e acessado em: 04 de março de 2015.