As convenções, em regra, preservam a característica da irretrabilidade, de modo que o pactuado se reveste de força obrigatória entre as partes dado o estabelecido no contrato (pacta sunt servanda). Porém, orientado pela noção de segurança e pela vedação ao enriquecimento sem causa é que se prestigia a adoção da teoria da imprevisão.
Na lição de Gláucia Maria Gomes da Costa:
“essa teoria busca atenuar a responsabilidade do devedor, quando a superveniência de circunstância imprevisível que altere a base econômica objetiva do contrato gere, para uma das partes, uma onerosidade excessiva, e, para a outra, um benefício exagerado. A clausula rebus sic stantibus funciona como fator de limitação a autonomia da vontade”.¹
Interessante que se faça menção ao fato de que a clausula rebus sic stantibus – sua origem remonta a prática forense da Idade Média – teve ampla difusão nos séculos XIV a XVI e entrou em desuso no século XVIII. Os teóricos defensores da referida cláusula defendiam que as disposições pactuadas só poderiam ser executadas se mantidas as circunstâncias existentes ao tempo da avença.
A efervescência e a inconstância dos acontecimentos ocorridos no liberalismo do século XIX, trouxeram a cláusula de volta ao debate forense. As transformações que ocorriam no interior dos setores econômicos das sociedades influenciavam de forma significativa o contexto dos contratos.
“Acontecimentos estranhos aos ordinariamente vividos e usualmente previstos pelos contratos vieram demonstrar que durante a execução de contrato de longa duração é possível configurar-se uma situação excepcional, desvinculada da vontade das partes, sem que necessariamente concorram os elementos juridicamente reconhecidos como fortuitos ou identificados como vícios de vontade, causadores de desequilíbrio contratual e lesão”.²
Dessa forma, é que a partir da metade do século XX a clausula rebus sic stantibus ficou novamente esquecida e desenvolveu-se através de seus primados a Teoria da Imprevisão.
A doutrina aponta alguns pressupostos fáticos dessa teoria, dentre eles:
“a) contratos de execução continuada ou diferida; b) a ocorrência de evento extraordinário; c) mudança das circunstâncias; d) impossível; e) prestação excessivamente onerosa ou desequilíbrio entre prestações”.³
Feita essas observações introdutórias acerca da Teoria da Imprevisão, carece agora tecer algumas considerações sobre os contratos administrativos e por sua vez a incidência dessa teoria nesse tipo de contrato.
De forma elucidativa Alexandrino e Marcelo definem Contratos Administrativos como:
“ajuste firmado pela administração pública, agindo nesta qualidade, com particulares, ou com outras entidades administrativas, nos termos estipulados pela própria administração pública contratante, em conformidade com o interesse público, sob regência predominante do direito público”.4
O artigo 478 do Código Civil de 2002 prescreve a Teoria da Imprevisão da seguinte forma:
“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
A doutrina tem apontado a ocorrência da teoria da imprevisão particularmente em matéria de Contratos Administrativos, especificamente no art. 37, XXI, da CRFB de 1988 e nos arts. 57, §1º, II; e 65, II, “c” e “d”, e §§ 5º e 6º, todos da Lei 8.666/93.
Note-se que se vislumbra nesses dispositivos a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro entre as partes contratantes. A aplicação da teoria em estudo no campo do direito privado está vinculada a ocorrência de fato novo, não previsto pelas partes que ocasione um desequilíbrio nas prestações.
No entanto, na Lei 8.666/93, o legislador ao estabelecer a teoria da imprevisão para os contratos administrativos consignou sua aplicação, na forma do art. 65, inciso II, alínea “d” ao “desequilíbrio econômico-financeiro, que autoriza a adoção da teoria da imprevisão, pode ter origem em ‘fatos imprevisíveis’, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis”.5
Ocorre evidente ampliação dos requisitos para utilização da imprevisão na seara dos contratos administrativos, admite-se seu emprego em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe.
Não é possível neste ensaio encerrar todas as questões que envolvem os aspectos da teoria da imprevisão nos contatos administrativos, buscou-se trazer à evidencia as questões de maior relevância. Conclui-se, portanto, que o campo de atuação da imprevisão no contexto dos contratos administrativos é mais extenso do que aquele delimitado pelo Código Civil.
REFERÊNCIAS: 1 Teoria da Imprevisão nos Contratos Administrativos. Gláucia Maria Gomes da Costa. Rio de Janeiro 2009. 2 SPEZIALI, Paulo Roberto. Revisão contratual. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 95. 3 Idem, P. 99. 4 ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 18.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, MÉTODO, 2010. 5 Teoria da Imprevisão nos Contratos Administrativos. Gláucia Maria Gomes da Costa. Rio de Janeiro 2009. Créditos da Imagem: conexaowebsite.com.br 883 × 387