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Responsabilidade civil do proprietário por dano causado por acidente em veículo automotor

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 por Ingrid Carvalho
“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei”Manoel Bandeira
O transporte sempre teve especial relevância na humanidade. Tanto é dessa forma, que em muitos Estados transportar bens ou pessoas era atividade essencial não incumbida aos particulares. Ora, o veículo automotor dá especial relevo às querelas relativas aos transportes, no passo que é o meio urbano grande utilização e vinculado a inúmeros sinistros.
Os acidentes de trânsito eventualmente geram responsabilização para diversas pessoas, como deveres jurídicos decorrentes de obrigações que surgem por imposição legal. Dessa forma, quem causa dano no trânsito acaba por ter o dever de indenizar, mas convém fazer o questionamento: até que ponto incidirá a responsabilidade do proprietário por danos causados em veículos de via terrestre?
Nem sempre o condutor do veículo é o proprietário. Por outro lado, o proprietário tem deveres com o bem e com a própria sociedade ao deixar outrem guiar seu automóvel. A escolha do condutor, portanto é questão fundamental para fixar a responsabilidade civil, bem como a culpa ou não dele pela realização do acidente.
A responsabilidade civil, com o dever de indenizar parte de três pressupostos essenciais e indispensáveis para existir. Assim, os pressupostos para a responsabilização civil são: a existência de dano, nexo causal e culpa. Gonçalves (2012, p.51) inclui a ação ou a omissão como pressupostos, dizendo que os pressupostos são: a ação ou omissão, entendida como a presença de conduta que enseje dano, culpa ou dolo do agente, dando-se pela responsabilidade subjetiva, relação de causalidade, como sendo a relação causa e efeito entre a ação e o dano e o dano propriamente dito.
A ação ou omissão, cumpre dizer, que pode ser própria ou de terceiro. Na realidade esse pressuposto é para afastar fatos jurídicos em sentido amplo.
Entende-se por dano como a perda patrimonial ou ético-afetiva, o que se estende pelo dano material, como perda patrimonial propriamente dita, dano moral, quanto há ferimento ao patrimônio ético da dignidade protegida constitucionalmente, seja este a dor, o sofrimento íntimo, a honra, a imagem ou outra garantia da pessoa humana que não o patrimônio e o dano estético, que é aquele decorrente propriamente da imagem visível e da aparência em relação aos outros.
Já por nexo causal, entende-se como aquele vínculo subjetivo e jurídico que existe entre o causador do dano e o sofredor do evento. Para explicar o nexo causal, Ayrão (2010, p.15) explica que há diversas teorias sobre o tema.
O autor elenca 3 (três) teorias úteis para compreender o nexo causal:
1) A teoria da condição sine qua non, seja esta aquela que diz que se dá o nexo causal quando a conduta é imprescindível para a ocorrência do evento danoso; a implicação dessa teoria no ponto de vista prático é a redução ao infinito do nexo causal, pois toda conduta seria reflexo inevitável de outra. Por exemplo: Se há uma batida em veículo automotor, foi indispensável o condutor, mas foi indispensável também que ele tenha comprado um veículo, que também foi produzido por uma fábrica, assim o fabricante também foi indispensável e isso seguiria em uma linha infinita.
2) A teoria da Causalidade adequada, é aquela na qual este vínculo se perfaz como o desdobramento de uma conduta, sendo este desdobramento extraordinário da realidade comum; a consequência dessa teoria é a não vinculação de pessoas com condutas relevantes para a ocorrência do fato, confundindo com a existência de culpa.
3) A teoria da Necessidade da Causa, sendo esta aquela que diz: “Segundo essa subteoria, o evento causador do dano – ou eventos, pois poderá ser mais de um – é aquele que, numa cadeia de eventos, puder ser considerado como imprescindível, necessário, para a deflagração do dano” (p-18). A consideração que se faz nessa é que o vínculo se dá com a analise conjunta da imprescindibilidade da conduta e da extraordinariedade do evento.
Assim, a teoria adotada atualmente é a da necessidade da causa, sendo aquela na qual a conduta é imprescindível para a ocorrência do dano, mas sendo também reflexo extraordinário do ato do agente. Dessa forma, culpa e nexo causal ganham aproximação lógica dentro desse sistema, mesmo mantendo-se institutos de direito diferentes.
Por fim, cumpre salientar que a responsabilidade civil, em regra, tida por subjetiva, depende da existência dos elementos de dolo ou culpa (culpa latu sensu). Por dolo entende-se pela conduta voluntária visando o fim de causar o evento e por culpa como a conduta realizada com imperícia, falta de conhecimento técnico, imprudência, atitude com excessos, sem os devidos cuidados e negligência, conduta que inobserva o mínimo necessário para se ter segurança.
Assim, para se perquirir se houve responsabilidade civil ou não, faz-se necessário averiguar se ocorreu o suprimento dos três pressupostos acima descritos, senão vejamos. No caso do acidente causado pelo condutor e a responsabilidade do proprietário, separa-se:
1) O dano – quando um acidente causar dano, seja este perda patrimonial ou dano de outra ordem, poderá ser indenizável. No caso de acidentes em via terrestre é comum a existência de dano material, pelos prejuízos causados pelo sinistro, dano moral, por exemplo com a morte ou lesão grave de algum dos envolvidos e mesmo danos estéticos, por comumente deixar lesões que desfiguram e tornam a imagem exposta de maneira negativa. Há quem defenda que dano estético decorre do dano moral, mas a jurisprudência adota como elemento distinto.
2) O nexo causal – o nexo causal do motorista é fácil notar, pois ele é quem se encontra com a relação direta com o bem e com o sinistro. A do proprietário merece destaque posterior
3) A conduta culposa – A conduta culposa dá-se quando o condutor deixa de tomar os cuidados adequados, por exemplo: dirige embriagado ou desrespeita as normas de trânsito. A do proprietário seguirá os comentários abaixo.
Geralmente se entende o nexo causal do proprietário em razão da conduta de entregar o veículo à pessoa não idônea ou imprudente para dirigir. Há de se tomar cuidado, pois facilmente, por essa ideia, se cairia na redução ao infinito, descrita por Ayrão (2010). Portanto, para fixar o nexo causal, segundo as teorias modernas, faz-se imprescindível conciliar também a questão da conduta culposa do proprietário.
Para tal, entende-se que há o dever inerente de ser proprietário do veículo em escolher bem os condutores. A má escolha enseja responsabilidade, comumente chamada culpa em eligendo, ou culpa na escolha. GONÇALVES (2012, p.52) define culpa em eligendo como culpa na escolha do representante, já culpa em vigilando como falha nos deveres de fiscalização. Ambas tem proximidade e são os termos usados para fixar a responsabilidade do proprietário.
Existindo a culpa na escolha, isso implicará inevitavelmente em nexo, que por consequência fixará a responsabilidade civil do proprietário. Assim, a ocorrência do evento pressupõe a culpa do proprietário na escolha, que só pode ser afastada com a comprovação de alguma excludente, sejam estas a culpa exclusiva da vítima ou ausência de culpa latu sensu.
Analisando frente à realidade constitucional brasileira, é esperado para a responsabilização civil o suprimento também dos pressupostos da boa-fé objetiva, consagrados constitucionalmente com as condutas que respeitam a dignidade humana. Dessa forma, com o fenômeno da constitucionalização do direito civil, os questionamentos acerca da manutenção ou não de uma obrigação devem estar adequados ao ordenamento (Tepedino, 2004). Portanto, a responsabilização do proprietário pode não ser vista como absoluta tal qual discutido na doutrina brasileira.
O assunto da responsabilidade do proprietário mostra que a escolha do condutor é fundamental, mas que o proprietário pode se esquivar quando demonstrar que tomou todas as precauções na escolha do condutor. Nesse sentido, Azevedo (2008, p. 64), diz:
Em contrapartida, só é possível ao réu produzir prova de força maior ou culpa da vítima, no intuito de se escusar da responsabilidade pelo dano. Entretanto, há julgado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “o proprietário do veículo se exonera da responsabilidade pelo dano se provar que tudo fez para impedir a ocorrência do fato.
Seguindo nessa ordem, cabe analisar a jurisprudência acerca do tema.
O Supremo Tribunal Federal não tem muitos julgados recentes com a matéria, pois ela se afasta da discussão constitucional, merecendo destaque o julgado:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. REPARAÇÃO DE DANOS. II – E RESPONSÁVEL AQUELE CUJO NOME FIGURA COMO PROPRIETARIO DO VEÍCULO NO REGISTRO DE TITULOS E DOCUMENTOS, AINDA QUE PRATICADO POR OUTREM A QUEM FOI VENDIDO O AUTO MOTOR CAUSADOR DO ACIDENTE, EM CONFORMIDADE COM O QUE DISPOEM OS ARTS. 135 DO CÓDIGO CIVIL, C.C. O 129 N 7, DA LEI DOS REGISTROS PUBLICOS (LEI N 6.015/73). APLICAÇÃO DA SÚMULA N 489. PRECEDENTES DO S.T.F. (RE NS. 64.111, RTJ 47/760; E 61.578, RTJ 40/133). III – RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 89775, Relator(a): Min. THOMPSON FLORES, Primeira Turma, julgado em 08/04/1980, DJ 09-05-1980 PP-03231 EMENT VOL-01170-02 PP-00360)
Notório que não é razoável basear estudo por julgado do Supremo Tribunal Federal de 1980, anterior ao código civil atual (2002) e mesmo em momento anterior a realidade constitucional prevista. Por outro lado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem relevância no tema pela pertinência temática: a jurisprudência dominante no STJ, com julgado de 2015, faz manter a presunção de culpa do proprietário da escolha:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHO CAUSADA POR ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO PELOS DANOS CAUSADOS PELO CONDUTOR. PRECEDENTES. PRETENSÃO DE QUE SEJA FORMADA NOVA CONVICÇÃO ACERCA DOS FATOS DA CAUSA A PARTIR DO REEXAME DAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
Segundo a jurisprudência do STJ, o proprietário do veículo responde solidariamente pelos danos decorrentes de acidente de trânsito causado por culpa do condutor, pouco importando que ele não seja seu empregado ou preposto, ou que o transporte seja oneroso ou gratuito.
Assentada pela Corte de origem a premissa fática de que um dos demandados é o proprietário do automóvel, o qual confiou o bem ao condutor que culposamente deu causa ao evento danoso, a responsabilidade solidária daquele tem que ser reconhecida.
Modificar essa conclusão implicaria rever o quadro fático delineado no acórdão recorrido, o que é vedado pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
A qualificação jurídica dos fatos ou a fundamentação desenvolvida pelo demandante na petição inicial não vincula o órgão jurisdicional, já que os limites objetivos do processo são fixados a partir do pedido, de acordo com a pacífica jurisprudência do STJ.
Precedentes
Se o agravante não traz argumentos aptos a infirmar os fundamentos da decisão agravada, deve-se negar provimento ao agravo regimental.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 692.148/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 26/06/2015)
Esse entendimento já é balizado por outros anteriores, conforme se nota nos julgados do STJ – AgRg no AREsp: 234868 SE 2012/0201643-9, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 02/05/2013, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/05/2013 e no – REsp: 1044527 MG 2008/0058520 Relatora Ministra NANCY.
Da mesma forma há registro no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, conforme o Julgado:
PROCESSO CIVIL. CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM FACE DE DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MOTORISTA DO CAMINHÃO QUE OCASIONOU O ACIDENTE COLIDIU COM MOTOCICLISTA. FATO INCONTROVERSO. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL/2002. PRECEDENTES. AGRAVO CONHECIDO MAS NÃO PROVIDO.
1. Trata-se, na origem, de ação indenizatória movida em decorrência de acidente de trânsito, ocasionado por motorista de caminhão (preposto do promovido), que acarretou diversas lesões à vítima.
2. É fato incontroverso a ocorrência do sinistro, bem como a culpa do motorista do caminhão (preposto do promovido), mediante análise via prova pericial realizada, prova esta que acarreta a rejeição da tese recursal acerca da culpa exclusiva da vítima para ocorrência do acidente. Inexistem nos autos quaisquer indícios que imputem culpa da vítima para ocorrência do fato.
3. Embora o recurso indique a ausência de responsabilidade civil, bem como a não comprovação do nexo de causalidade que obstaria o dever indenizatório, não prospera a tese pois trata-se de defesa genérica, não impugna especificamente os argumentos autorais, nem refuta os fatos analisados. Assim, a mera alegação de inexistência de responsabilidade civil não é suficiente para rejeição do pleito autoral. Atraiu para si o ônus da prova, e diante da não comprovação das alegações, acarretou a incidência do artigo 333, inciso II do Código de Processo Civil. Precedentes.
4. Assim, pela aplicação dos artigos 186; 927 e 932, inciso III, todos do Código Civil/2002, verifica-se que a parte promovida deve ser responsabilizada, diante da conduta ilícita do preposto (responsabilidade objetiva decorrente da culpa in eligendo).
5. Diante do exposto, não há razões para afastar o entendimento anteriormente adotado em decisão monocrática, mormente porque também amparado em vasta jurisprudência, devendo, pois, ser mantida a decisão proferida anteriormente.
6. Agravo Regimental conhecido e não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo Regimental, autuados sob o nº 0023584-47.2006.8.06.0001/50000., em que são partes as pessoas acima indicadas, ACORDAM os Desembargadores da 5ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em julgamento de sessão, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a decisão guerreada, tudo nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 05 de agosto de 2015. FRANCISCO BARBOSA FILHO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR TEODORO SILVA SANTOS Relator PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA(Relator(a): TEODORO SILVA SANTOS; Comarca: Fortaleza; Órgão julgador: 5ª Câmara Cível; Data do julgamento: 05/08/2015; Data de registro: 05/08/2015; Outros números: 23584472006806000150000)
Afastando esse entendimento, somente com a comprovação bastante segura da ausência de culpa, pois há tribunais que entendem que a presunção de responsabilidade em eligendo do proprietário não é absoluta, fica para referência o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DE VEÍCULOS -RESPOSABILIDADE CIVIL – MOTORISTA PREPOSTO -PROPRIETÁRIO CAVALO MECÂNICO – CULPA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – CARRETA ACOPLADA – PROPRIETÁRIO – CULPA INEXISTENTE. – A responsabilidade no nosso direito ainda é pessoal e é dirigida àquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a alguém ainda que exclusivamente moral, fica obrigado a indenizar. É de se destacar deste art. 186 do Código Civil atual o pronome aquele. Por força do dispositivo acima, não se vê o apelante Antônio Francisco de Souza autor de qualquer ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a alguém. O simples fato de ser proprietário dessa carreta e cedê-la em comodato ou não, não foi a causa do acidente. A cessão onerosa ou gratuita de sua carreta para que posse lhe atribuir culpa esta haveria de estar perfeitamente provada nos autos, sendo isso ônus do autor. A carreta não pode ser considerado como veículo porque não tem força própria. (Des.(a) Batista de Abreu, Data de Julgamento: 27/10/2010 Data da publicação da súmula: 17/12/2010)
Dessa forma, há a responsabilidade do proprietário na escolha do condutor, considerada verdadeira presunção de culpa e de nexo causal, quando não houver provas seguras e cabais que este tomou todos os cuidados necessários para a boa escolha do condutor.
REFERÊNCIAS: Ayrão, Vladimir Mariani Kedi. Breves Apontamentos sobre o Nexo Causal na Responsabilidade Civil,monografia de conclusão de curso, in Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010 AZEVEDO, Aline Passos de. Responsabilidade civil em acidentes de trânsito automobilístico – aspectos relevantes da legislação, doutrina e da jurisprudência.in Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 29, n. 1, p. 61-74, jan./jun. 2008 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade civil. 7ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Tepedino, Gustavo. NORMAS CONSTITUCIONAIS E DIREITO CIVIL. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, N° 4 e Ano V, N° 5 - 2003-2004
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Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações

Publicado
5 meses atrásem
1 de setembro de 2024
A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
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Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024

Publicado
6 meses atrásem
27 de agosto de 2024
A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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Especificações
- Livro
Manual de Direito Penal - Parte Especial - Volume único
Organizações e Associações Criminosas
REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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