Em decisão bem peculiar, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela condenação de empresa fabricante de anticoncepcional devido à falha do produto. O fabricante prometia que o medicamento envolvido no caso impossibilitaria a ocorrência de gravidez pelo período de três anos. Ocorre que a consumidora engravidou dois anos após fazer o implante do produto subcutâneo, mesmo fazendo o uso correto do produto.
A tese utilizada pela autora arguiu que a propaganda no site da empresa gerava a certeza de que, por meio da utilização do produto, seria impossível a concepção por três anos. Porém, após dois anos da implantação subcutânea do medicamento, houve a concepção. Nos autos do processo foi devidamente comprovado que nenhuma conduta da autora prejudicou a ação do anticoncepcional e, portanto, a falha foi exclusivamente do produto.
A seu turno, foi alegado em sede de defesa que é de conhecimento comum que nenhum tipo de método contraceptivo oferece 100% de proteção, constando expressamente tal informação na bula. Por conseguinte, a expectativa da impossibilidade de gravidez ao fazer uso do produto não foi incentivada pela ré.
Em primeira instância, ficou sentenciado que a ré deveria arcar com as despesas oriundas da gravidez e do parto, com o pagamento das despesas do filho da autora até seus 18 anos (limitadas a R$ 1.000,00 por mês) e com indenização a título de danos morais no valor de R$ 150.000,00. Colha-se trecho da decisão judicial:
“A posição da ré chega a surpreender. Ao colocar no mercado um produto contraceptivo que admite não ter eficácia plena (100%), ao apurar que a gravidez da consumidora ocorreu e se deu naquele percentual reduzido de probabilidades, sua conduta deveria ser outra. Deveria, numa conduta de boa-fé objetiva, assumir a falha do medicamento. O caso estava dentro daquele reduzida chance de engravidar, representando uma falha do produto. E a palavra “falha” foi utilizada pelo próprio assistente técnico. Insista-se: o parecer técnico trazido pela ré não foi capaz de descrever qualquer conduta da autora ou da colocação do Implanon que pudesse servir de causa para a gravidez. Nesta linha, a falha do produto estava naquela ocorrência de baixa probabilidade. Pior ainda: a gravidez ocorreu ainda no segundo ano de utilização do implante, fato que não mereceu qualquer explicação plausível! (…) Ora, quem faz publicidade com a mensagem “03 ANOS SEM PREOCUPAR COM A GRAVIDEZ” veicula a idéia de eficácia plena do produto. Se o consumidor pode se despreocupar – não necessita adotar outras cautelas – a mensagem não pode ser outra: não há o mínimo risco de gravidez.”
Após interposição de recurso, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou parcialmente a decisão do juízo a quo, reduzindo os danos morais para o montante de R$ 40.000,00 e substituindo o ressarcimento de despesas mensais pelo pagamento de uma pensão mensal no valor de um salário mínimo.
O STJ, então, reafirmou o entendimento do TJSP, uma vez que os ministros mantiveram a condenação por danos morais e materiais, tendo ajustado somente o valor a ser pago mensalmente como pensão. Ficou definido que o valor de cada pensão vencida seria equivalente ao do salário mínimo vigente à época do vencimento. Cabe ainda transcrever algumas das palavras utilizadas pelo relator, Min. Raul Araújo, em seu voto, litteris:
A responsabilidade da recorrente não decorre, ao menos no caso concreto, da incompletude ou da falsidade das informações prestadas, mas sim da existência de possível defeito no produto, cuja eficácia não conseguiu comprovar. Assim, afasta-se a ocorrência das excludentes de responsabilidade alegadas. (…) Sustenta a recorrente, no ponto, não ter decorrido a gravidez da primeira recorrida de defeito de fabricação ou informação do produto, mas sim do índice de falibilidade inerente a todos os métodos anticoncepcionais. Nos termos acima expostos, foi apurado pela perícia que a conjunção de fatores relacionados com a quantidade de substância ativa e a espessura da película que envolve o medicamento poderia alterar sua eficácia, resultando em defeito no produto, conclusão que não foi afastada pela recorrente, como lhe cabia.
Com efeito, conforme ressaltado na decisão do STJ, a empresa não conseguiu comprovar que houve qualquer tipo de erro na prescrição ou na aplicação do produto, bem como alguma conduta prejudicial da autora que pudesse diminuir o efeito do contraceptivo (culpa exclusiva da vítima). Foi arguido que a autora não leu a bula e que, por isso, não detinha o conhecimento acerca da possibilidade de engravidar, ainda que com o medicamento implantado. Contudo, tal argumento não prosperou. Detentora do ônus da prova, a empresa falhou ao tentar construir alicerce probatório solido o suficiente que ensejasse o afastamento de sua condenação.
Por fim, cumpre ainda salientar que, em casos similares a este, é comum o proferimento de decisões negando os pedidos de indenização, principalmente pela falta de provas de que a falha foi do produto em si e não da forma como o cliente utilizou o produto. Todavia, já houve entendimentos no sentido de condenar empresas ao pagamento de danos morais e materiais por situações semelhantes ao aqui analisado. No Rio Grande do Sul, por exemplo, em 2011, uma consumidora conseguiu, em primeira instância, uma indenização de 50 salários-mínimos a títulos de danos morais. Além disso, como danos materiais, foi arbitrada pensão de um salário mínimo mensal do nascimento da criança até que seus 18 anos fossem completos. Segue, inclusive, link da sentença nas referências abaixo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201401039376 (acessado em 14/04/2016) http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Empresa-ter%C3%A1-de-pagar-por-danos-a-mulher-que-engravidou-usando-anticoncepcional (acessado em 14/04/2016) http://www.conjur.com.br/2011-jul-20/mae-filho-serao-indenizados-falha-anticoncepcional (acessado em 14/04/2016) http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-comarca-caxias-sul-rs.pdf (acessado em 14/04/2016) https://lh4.googleusercontent.com/ZBQZQek9tnQXbbgySnRDostXGoqGs2Tfyy9GqLxQ88was1KAM_UtvTwudDEBUMvQjQH0c1-_pkLbJTjH-4iBpO9INAs5E1LPhspMCOTXu2qHK3oIQPM (acessado em 20/04/2016)