Tem bens no exterior, mas não declarou à Receita? Entenda a Lei da Repatriação, seus principais pontos, vantagens e desvantagens

Essa semana assistiu a um dos atos políticos mais importantes do ano (e não só porque o ano acabou de começar): a sanção presidencial à Lei nº 13.254/2016, a chamada Lei da Repatriação. Trata-se de um diploma legal que visa repatriar ativos irregulares de brasileiros, pessoa física ou jurídica, no exterior, ou seja, recursos, bens ou direitos transferidos e mantidos em outro país por residentes ou domiciliados no Brasil sem estarem declarados na Receita Federal ou declarados incorretamente. A nova lei começou a vigorar quinta-feira, dia 14, data em que foi publicada no Diário Oficial da União.

A medida, definida como Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), fora proposta em projeto de lei (PL 2960/2015) de iniciativa da Presidência da República com pedido de urgência (art. 64 da Constituição Federal), como parte do pacote de medidas proposto em setembro pelo então Ministro da Fazenda Joaquim Levy para reajustar as contas públicas. Veio inclusive para substituir outro projeto de lei que já tramitava no Senado e que também tratava da repatriação, mas que não conseguia ganhar impulso suficiente.

Não obstante o pedido de urgência, o projeto de lei só fora aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro e pelo Senado Federal em dezembro, positivando-se somente nesta semana que se encerra. Vitória bastante tardia do ex-ministro Joaquim Levy, que era bastante criticado por não conseguir ter força para efetivar suas propostas. Vitória também tardia do senador Delcídio do Amaral, um dos maiores defensores do projeto no Senado que só o viu se transformar em lei detrás das grades.

O polêmico projeto fora amplamente discutido no Congresso Nacional, chegando a receber mais de 20 emendas apenas no Senado. Mesmo assim, fora sancionado pela presidente Dilma Rousseff, apesar de ter recebido 12 vetos presidenciais. Com a medida, o Governo Federal espera arrecadar até o final deste ano R$ 21 bilhões, e a médio prazo um valor de até R$ 150 bilhões, pois estima que haja cerca de R$ 400 bilhões em ativos irregulares no exterior. Além disso, é uma chance para os brasileiros regularizarem seus bens no exterior antes que possam sofrer maiores consequências.

Porém, como a União conseguiria arrecadar tanto dinheiro assim repentinamente? Ou melhor: do que exatamente trata a Lei da Repatriação?

Principais pontos

Todos os recursos irregulares, mas de origem lícita, que foram transferidos até o dia 31 de dezembro de 2014 para o exterior poderão ser regularizados se forem trazidos de volta ao Brasil (ou seja, repatriados) com o pagamento de apenas 15% de multa e incidência de apenas 15% de imposto de renda, além da anistia para eventuais crimes relacionados à expatriação desses bens.

Vê-se que o objeto desta lei aborda basicamente estes pontos:

– Recursos irregulares: não declarados ou declarados incorretamente para a Receita Federal. É como se este órgão não tivesse conhecimento desses bens expatriados.

– De origem lícita: a lei não visa repatriar recursos advindos de crimes. Este é um dos maiores desafios para a efetivação da nova lei, pois muitos bens são expatriados justamente com o intuito de lavar-se dinheiro fruto do tráfico de drogas ou de armas, de extorsão, de crimes contra a Administração Pública (que inclui corrupção), além de outros. Esse recursos não podem sequer ser regularizados pela Receita Federal. Assim, visa a Lei de Repatriação aqueles bens expatriados para fugir dos períodos de desvalorização cambial aqui no Brasil e das consequências ou possíveis consequências dos planos econômicos dos anos 80 e 90, além de heranças recebidas no exterior, venda de bens locados em outro país e outros fatos sem origem ilícita.

É aqui onde reside uma das maiores polêmicas quanto à nova lei. A dificuldade em separar ativos de origem lícita de ativos de origem ilícita facilitaria em demasia a entrada destes últimos (origem ilícita), ponto que fora inclusive bastante salientado pela oposição no Congresso.

– Transferidos até o dia 31 de dezembro de 2014: dinheiro expatriado depois dessa data não está sujeito ao benefício. Tanto é que a conversão dos bens repatriados dar-se-á com a taxa de câmbio dessa época, em que o dólar valia R$ 2,44, o que acaba sendo mais um estímulo para que os brasileiros repatriem e regularizem esse dinheiro.

– Pagamento de 15% de multa e de imposto de renda: sobre esses bens serão pagos apenas 30% (15% de multa + 15% de IR) pelos brasileiros que os trouxerem de volta ao país. Trata-se de um valor bem menor que o anterior, em que se pagava multa de 225% sobre o valor do bem irregular repatriado. Além disso, a alíquota de 15% do imposto de renda é bem menor da prevista para grandes montantes.

– Anistia de crimes: é lógico que não se trata de qualquer crime que tenha alguma relação com a expatriação dos ativos, mas apenas aqueles indicados no art. 5º, §1º, da Lei da Repatriação. Dentre eles, estão inclusos sonegação fiscal, evasão de divisas, falsidade de documento público ou particular, falsidade ideológica e até mesmo lavagem de dinheiro, mas desde que seja, por óbvio, para ocultar ou dissimular bens advindos dos outros crimes previstos no supracitado dispositivo legal. Além disso, a lei ainda prevê que esses crimes só serão anistiados se ainda não estiverem definidos em sentença penal transitada em julgado, o que não esconde a polêmica pelo fato de se perdoar crimes tão vis para a sociedade.

Deve-se frisar também que os bens de que trata a lei são aqueles mantidos exclusivamente no exterior e por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas ou residentes no Brasil.

Veto presidencial

Conforme já destacado, a lei foi de iniciativa da Presidente da República, mas sofrera inúmeras alterações no Congresso. Por isso, o então projeto de lei, depois de aprovado pelo Senado, ainda sofrera 12 vetos presidenciais. Os principais dispositivos vetados foram aqueles que diziam respeito a:

– Repatriação de joias, metais preciosos e obras de arte não declarados. O veto proíbe que isso ocorra, pois estes bens são de difícil avaliação e por isso são facilmente utilizados para lavar dinheiro.

– Repatriação de recursos repatriados em nome de terceiros ou laranjas. Com o veto, os bens devem retornar apenas se estiver no nome do real beneficiário deles, como forma de evitar fraudes.

– Divisão do montante arrecadado através da multa (15%) com os Estados e Municípios, em vez de ser destinado apenas aos dois fundos de compensação para a reforma do ICMS. Essa foi uma alteração do projeto original feita pela Câmara dos Deputados. Porém, o Governo entrou em acordo com o Senado para, compensando-se o veto a essa alteração, propor uma emenda constitucional que garanta o que estava no projeto original, ou seja, a destinação desses recursos arrecadados aos fundos do ICMS. Apesar disso, o montante arrecadado com o imposto de renda obedecerá, por óbvio, à disciplina do art. 159, inciso I, da Constituição, que prevê percentuais destinados aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Esse foi um dos vetos mais polêmicos, pois, como se não bastasse ser mais um ponto de divergência direto com a Câmara dos Deputados, trata de uma das questões políticas mais sensíveis atualmente, que é a destinação de verbas federais para auxílio de Estados e Municípios.

– Proibição de repatriar recursos somente a condenados criminalmente por sentença transitada em julgado. Outra alteração feita pela Câmara dos Deputados e vetada pela presidente Dilma Rousseff. O veto faz com que a proibição se estenda mesmo àqueles condenados apenas em primeira instância. Porém, conforme já salientado anteriormente, a proibição somente aos condenados por sentença penal transitada em julgado permanece para quem cometeu os crimes previstos no art. 5º, §1º, da Lei da Repatriação.

– Prazo de 30 dias para que a Receita Federal regulamentasse a lei. Devido às alterações realizadas no projeto de lei original, o prazo de 30 dias não seria razoável, segundo fundamentação do Governo. Assim, com o veto, o prazo para regulamentação fora estendido para o dia 15 de março de 2016.

Referências:
http://g1.globo.com/globo-news/globo-news-em-pauta/videos/t/todos-os-videos/v/dilma-sanciona-projeto-para-resgatar-recursos-enviados-de-forma-ilegal-para-o-exterior/4739556/
http://www.conjur.com.br/2016-jan-13/lei-repatriacao-sancionada-vetos-dilma
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/01/lei-cria-programa-para-repatriar-dinheiro-licito-de-brasileiros-no-exterior.html
http://www.valor.com.br/brasil/4391450/lei-da-repatriacao-e-sancionada-sem-recursos-estados-e-municipios
http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=1E7E580659D1BC942B5D6A1B72F10C22.proposicoesWeb1?codteor=1384000&filename=PL+2960/2015
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13254.htm
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