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Regulamentação das taxas de conveniência no Brasil
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 por Ingrid Carvalho
A cobrança de taxa de conveniência é uma execução habitual na venda de ingressos para shows e eventos. Tão popular, porém tão insatisfatória, sua aplicação gerou o apelido de “taxa de inconveniência” entre os consumidores.
Em tempos de evolução tecnológica, existe uma linha tênue que separa a necessidade da comodidade. Essa visão de comodidade está presente em diversos setores do mercado, especialmente quando o assunto é lazer. Locomover-se para comprar ingresso para um show, teatro, cinema e ainda ter que enfrentar fila é uma opção desagradável e, se possível, dispensável. Assim surgiu o serviço de taxa de conveniência – que rapidamente se expandiu nesses segmentos.
Além das bilheterias tradicionais, normalmente instaladas no local do evento, existem outros meios de aquisição de credenciais, tais como internet, telefone ou pontos de vendas alternativos. A ideia de promover comodidade é excelente, porém gera-se um custo cuja origem é a conhecida taxa de conveniência. Como o próprio nome sugere, a taxa de conveniência, eventualmente tratada como taxa administrativa, taxa de administração e taxa de serviço, é a remuneração paga às empresas que realizam o intermédio entre consumidores e a venda de ingressos.
Essa relação deve proporcionar vantagens reais e comodismo ao consumidor, mas nem sempre essa finalidade é preponderante. O número de casos em que a cobrança da referida taxa passou a exercer um papel inconveniente é relevantemente alta, tanto é que virou alvo de discussões em diversos órgãos de defesa do consumidor e na esfera jurídica.
Existem várias empresas que operam nesse ramo, chamadas de “ticketeiras”. Não há delimitação específica prevista em lei sobre suas atribuições, por isso elas realizam cobranças de tarifas distintas, de acordo com políticas institucionais próprias. É essencial esclarecer que, normalmente, os acordos celebrados entre a produção dos eventos e a “ticketeiras” é que cada parte recebe integralmente sua fonte de renda, ou seja, valor do ingresso e taxa de conveniência, respectivamente. Com isso, incidem sobre o consumidor dois custos diferentes sobre o mesmo objeto de consumo.
Sob a ótica de que esse serviço deve ser adquirido de maneira facultativa, com o objetivo de proporcionar beneficio ao comprador, não há controvérsias sobre sua legalidade. Entretanto, essa prática passou a ser questionável por ter gerado distorção no fluxo de comercialização e danos aos princípios de direito do consumidor. A seguir, analisar-se-á os principais problemas identificados.
Inexistência de bilheteria oficial
São recorrentes os casos nos quais os consumidores tem apenas a opção de compra por meio das “ticketeiras”, o que configura um erro estrutural na distribuição. O correto seria existir uma bilheteria oficial livre de incidência de taxas administrativas. O cliente tem o direito de realizar a aquisição tradicional, que é ir até o ponto de venda comprar o seu ingresso.
Ainda sobre a bilheteria oficial, ela deve dispor de todas as opções de ingressos igualmente aos que as “ticketeiras” fornecem. Há casos em que o comprador chega às bilheterias oficiais, mas não encontra ingressos, embora ainda estivessem disponíveis para compra por telefone ou pela internet. A vinculação obrigatória do ingresso à taxa de conveniência configura venda casada, que é uma prática de comercialização abusiva, segundo art. 39 do CDC, além de ferir outras premissas de relação de consumo como: C/C , art. 51, § 1º, III, CDC, e art.. 36, III e IV, da Lei nº 12.529/2011.
Limite da taxa de conveniência sobre o valor do ingresso
Embora o Código de Defesa do Consumidor verse sobre todas as relações de compra, não há uma legislação especifica para determinar os limites de atuação das “ticketeiras”. Na ausência de legislação Federal, alguns estados buscaram sanar esta lacuna.
O pioneiro na normatização da taxa de conveniência foi o estado do Rio de Janeiro, que aprovou a Lei estadual nº 6.103/2011, parcialmente alterada pela Lei estadual nº 6.321/2012. Segundo sua redação, “A taxa de conveniência não pode ultrapassar o limite de 10% (dez por cento) do valor de face dos ingressos. (NR)”.
O estado de Alagoas aprovou a Lei nº 7686 de 23/01/2015, muito parecida com a do Rio de Janeiro, na qual também aponta o percentual limite de 10%. Já no estado de São Paulo, há projetos a respeito do tema em tramitação na Assembleia Legislativa, mas todos estão parados há alguns meses.
Em Santa Catarina, vigorou a Lei Estadual nº 16.005/13, de autoria do deputado Gelson Merisio. Foi revogada pela Lei nº 17.031/2016, também de autoria do deputado Gelson Merisio, com a seguinte alegação: “A atuação da lei referida mais atrapalhou que ajudou a relação mercado/consumidor dos serviços analisados.”
Nos estados em que não há uma lei específica, há clara tendência dos Tribunais de considerar as taxas questionadas abusivas e ilegais, como se pode conferir a partir das ementas selecionadas de julgados recentes dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que são os que possuem maior número de ações julgadas versando sobre o assunto, veja-se:
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CONSUMIDOR. COBRANÇA DE TAXA DE CONVENIÊNCIA E TAXA DE ENTREGA EM RAZÃO DE AQUISIÇÃO DE INGRESSO POR TELEFONE (CALL CENTER) PARA SHOW DE MÚSICA. ABUSIVIDADE DECLARADA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS EM DOBRO (ART. 42 DO CDC). SENTENÇA REFORMADA. CUSTAS E HONORÁRIOS PELO RECORRIDO. (RI 685.326, Rel. Juiz Evandro Neiva de Amorim, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal) RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPETIÇÃO EM DOBRO. TAXA DE CONVENIÊNCIA COBRADA EM VENDA DE INGRESSO PARA SHOW VIA INTERNET NO VALOR DE R$ 51,00. COBRANÇA INDEVIDA. SERVIÇO QUE É OFERECIDO NÃO APENAS PARA FACILITAR PARA O CONSUMIDOR, MAS PARA AUMENTAR A VENDA DE INGRESSOS, ESTÁ EMBUTIDO NO PREÇO E DEVE SER ARCADO POR QUEM VISA O LUCRO NO NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO. (RI 71005016787, Relª. Drª. Gisele Anne Vieira de Azambuja, 4ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 19.09.2014) REPARAÇÃO DE DANOS. SHOW DA MADONNA. ATRASO INJUSTIFICADO DE APROXIMADAMENTE QUATRO HORAS PARA O INÍCIO DO SHOW. DESRESPEITO COM O PÚBLICO. TAXA DE CONVENIÊNCIA. ABUSIVIDADE. DESCONTO DE ESTUDANTE NÃO DISPONIBILIZADO. CONFORMIDADE COM A LEI Nº 9.989/2006. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA TAXA DE CONVENIÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MINORADO. 1. Atraso injustificado do Show da Madonna que estava marcado para as 19h30min e somente teve início às 23h15min. 2. Abusividade da cobrança de taxa de conveniência, visto que não se verifica no caso concreto qualquer circunstância jurídica a justificar a cobrança de R$320,00 (dois ingressos), sendo a devolução em dobro, nos termos do art. 42 do CDC. 3. Da mesma forma, cabível o ressarcimento da quantia de R$600,00, resultado da diferença do ingresso VIP PACKAGE e do ingresso PISTA PREMIUM fornecido. Devolução simples, eis que assim determinada na sentença, e ante a inexistência de recurso da parte autora. 4. Incabível a exigência de disponibilização do desconto de estudante no show em questão, nos termos art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.989/2006. 5. Dano moral caracterizado, principalmente pelo caráter punitivo da indenização. 6. Quantum indenizatório minorado para R$1.500,00, a fim de se adequar a julgados idênticos desta Turma Recursal Cível. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (RI 71005341144, Relª. Drª. Fabiana Zilles, 1ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 24.02.2015) “
Inexistência de vantagem genuína na compra de ingressos via serviço de conveniência
Diferentes órgãos de defesa do consumidor foram convidados a avaliar as características dos serviços prestados. O primeiro deles foi o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec. Segue o trecho que dispõe sobre a cobrança de taxa de conveniência:
O Idec considera essa taxa abusiva uma vez que acarreta cobrança manifestamente excessiva ao consumidor. ‘A cobrança da taxa deve ser comunicada previamente aos clientes em respeito ao direito à informação, garantido pelo artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor [CDC]’, diz a advogada do Idec Mariana Alves. ‘Ela somente se justificaria se de fato trouxesse alguma conveniência ao consumidor. Mas não traz, já que muitas vezes ele deve retirar os ingressos em determinado local, enfrentando fila, ou pagar outra taxa (a de entrega) para recebê-los em casa’, completa ela. Como não há nenhuma lei que regulamente o valor a ser cobrado pela taxa de conveniência, cada empresa adota um critério para a cobrança, mas geralmente é uma porcentagem do preço total do ingresso. ‘Isso torna a taxa desigual, pois quem compra um ingresso mais caro acaba pagando uma taxa mais alta do que aquele que compra um ingresso mais barato, embora o serviço seja idêntico. O que deve ser repassado ao consumidor é, no máximo, o custo do serviço, que deveria ser o mesmo para todos os consumidores’, afirma Mariana.” 7 “Em geral, o serviço é bom em todas as salas pesquisadas, mas em algumas houve problema de informação ao consumidor, por exemplo, em relação ao vídeo de segurança que deve ser exibido antes que a sessão comece, e de cobrança de taxa de conveniência, sem que seja oferecida, de fato, qualquer comodidade.”
Nesta análise, o Idec reafirma que a função da taxa é restrita a proporcionar comodidade aos consumidores, diferentemente do que tem sido aplicado. Na ausência de vantagens concretas, tais como a economia no tempo de deslocamento e permanência em filas e a eficiência no processo de credenciamento, a cobrança é indevida. Outra questão alarmante é a desigualdade gerada quando a cobrança da taxa é feita em cima do percentual de custo do ingresso, pois os valores oscilam de acordo com as características da credencial, ainda que o serviço prestado seja o mesmo.
A Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul – ADECON-RS também considera a cobrança de “taxa de conveniência” abusiva quando realizada sobre o percentual do ingresso. Ademais, aponta irregularidade quando a cobrança é efetuada por unidade adquirida, pois o cliente é forçado a pagar em multiplicidade e não por evento de compra.
Já a Fundação Procon de São Paulo se manifesta de forma contundente quanto a diversos pontos:
Sr. Paulo Arthur Lencioni Góes, representando o PROCON-SP na CPI supracitada, expressou (fls. 12-14) diversas das preocupações existentes quanto ao tema, podendo ser elas assim sintetizadas: i) são uma forma “fácil de ganhar dinheiro”, pois o consumidor quer adquirir o ingresso e, portanto, pagará os custos extras que lhe forem impostos; ii) a conveniência deveria ser opcional, mas em muitos casos é a única opção do consumidor, já que cobrada mesmo em guichês físicos; iii) a venda de ingressos online reduz os custos da empresa, que não precisa arcar com infraestrutura física ou mão-de-obra, então, além do investimento inicial, a tendência é a redução dos gastos e ampliação dos lucros, pois facilita-se o acesso ao produto; iv) o e-commerce é cada vez mais comum nas relações de consumo, sendo usual que os preços sejam mais baixos na internet comparativamente às lojas físicas, por ser o sistema vantajoso às empresas, conforme razões expostas no item anterior; v) ao invés de cobrar a conveniência por compra, cobra-se por unidade, então o consumidor que realiza a transação única para aquisição de mais de um ingresso paga diversas “taxas de conveniência” apesar de ter utilizado o serviço apenas uma vez, ou seja, paga por um único serviço várias taxas; vi) por ser o valor da taxa, muitas vezes, estipulado em percentual do valor de face do ingresso, o mesmo serviço é remunerado de forma diversa a depender da categoria adquirida, em outros termos, há prática de preços variados para remunerar a mesma prestação; vii) se a conveniência consiste na possibilidade de comprar o ingresso sem sair de casa, não há justificativa para que o consumidor precise retirar o ingresso no guichê, como ocorre frequentemente, afinal, para evitar a taxa de entrega, o consumidor deve realizar o deslocamento que a conveniência do uso do canal da internet prometia evitar, não se sustentando a conveniência prometida; viii) piora-se a situação quando o consumidor que já se desloca ao ponto de venda indevidamente precisa pagar uma nova taxa apenas para retirar o ingresso, o que não é minimamente razoável; ix) comumente, o consumidor se vê obrigado a realizar a compra pela internet – e, portanto, pagando a “taxa de conveniência” – por não abrirem simultaneamente as vendas nos pontos físicos; x) a taxa de conveniência é cobrada também nas bilheterias, ou seja, a única conveniência que se poderia alegar conceder ao consumidor (de comprar em casa) é inexistente neste caso; xi) o encarecimento desmedido dos ingressos pela cobrança da taxa de conveniência desestimula o acesso à cultura, direito fundamental dos cidadãos.
Na visão do PROCON-SP, a cobrança de taxa de conveniência é direcionada, única e exclusivamente, ao lucro as empresas prestadoras de serviço. O sistema de venda de ingressos atual não visa a atender positivamente a demanda dos clientes, e sim ao rendimento desmedido das “ticketeiras”, apontando assim contra o art. 884 do CC.
Sobre a fundamentação jurídica existente
Até o momento, não há legislação federal especifica para tratar do tema. As manifestações acerca do assunto são formadas majoritariamente a partir da jurisprudência existente. Existem diversas Ações Civis Públicas e Ações Coletivas de Consumo ainda em tramitação nos Tribunais Estaduais. Destacam-se duas decisões proferidas em face das rés Livepass (Ação Coletiva nº 001/1.13.0073044-8 da 15ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre-RS) e Tickets for Fun (Ação Coletiva nº 001/1.13.0132348-0 da 15ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre-RS).
As referidas Ações Coletivas de consumo podem ser usadas como referência em outros processos, devido ao seu caráter erga omnes (arts. 93, II, e 103, I e III, CDC16) e pela natureza de seu objeto, projetando assim, seus efeitos por todo o território nacional.
Conclusão
Em suma, o tema disposto ainda é alvo de muitas reflexões e posicionamentos distintos. Contudo, o ponto de partida sobre a legalidade da cobrança da taxa de conveniência é analisar se o serviço proporciona uma real utilidade ao cliente. Se o mesmo, quando disponível, apresenta um diferencial de comodidade e natureza facultativa, pode ser relevado como uma cobrança regular.
Outro ponto considerável é a limitação dessa taxa. As empresas que prestam esse serviço não devem agir de maneira arbitrária, onerando o ato da compra, visando enriquecimento ilícito às custas do consumidor, conforme dispõe o art. 884 do CC. Diante das informações prestadas, o consumidor pode e deve observar a configuração da cobrança e questionar os seus direitos. Essas ações podem ser feita diretamente com a organização do evento, via órgãos de defesa do consumidor ou, em último caso, via ação judicial.
Referências: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10602246/paragrafo-1-artigo-39-da-lei-n-8078-de-11-de-setembro-de-1990 http://www.consumidor.mppr.mp.br/arquivos/File/consultas_e_pareceres/taxaconveniencia.pdf http://economia.estadao.com.br/noticias/suas-contas,mudanca-na-taxa-de-conveniencia-depende-de-lei-federal,116030e http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/69d90307244602bb032567e800668618/14ffa9a5a3b6b194832579650060ea20?OpenDocument https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=280608 https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=333848 https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=8&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwimj_Gc05fSAhUHvJAKHXosBGcQFgg7MAc&url=http%3A%2F%2Fwww.mpsp.mp.br%2Fportal%2Fpage%2Fportal%2Fcao_consumidor%2Fboletim_consumidor%2FInicial%2520da%2520ACP.rtf&usg=AFQjCNHc7k6pjaUonif3fIeUYrIA6Lwtbg&sig2=VHxlIroK1Q4aUFccK9XErw&bvm=bv.147448319,d.Y2I
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Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações
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5 meses atrásem
1 de setembro de 2024A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
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Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024
Publicado
5 meses atrásem
27 de agosto de 2024A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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