O Direito Obrigacional e o Direito Real são ramos que guardam enormes diferenças, mas que também provocam dúvidas e questionamentos. Por serem estudados inicialmente de forma separada, ainda que comparados, ensejam o equivocado pensamento de que não podem coexistir.
Apesar das grandes diferenças, os dois ramos revelam um relacionamento bem promíscuo, ao ponto de surgirem dúvidas sobre quem impulsiona a existência do outro. Mesmo com tantas discussões acerca do tema, que não são objetos deste texto, buscaremos sanar as dúvidas de maneira simples.
Como sabemos, a propriedade faz parte da natureza do Homem. Não é a toa que está garantida pela Constituição Federal no seguinte artigo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XXII – é garantido o direito de propriedade; (BRASIL, 1988 online)
A propriedade, ao longo da história, mudou o mundo. As riquezas do solo, a questão da nacionalidade, a cultura e todas as coisas impulsionam as relações. O ser humano sempre busca satisfazer seus interesses por intermédio dos bens disponibilizados pela natureza ou derivados desta.
A título de exemplo, durante o feudalismo, os servos do torrão cuidavam dos feudos em troca de pedaços de terra para que pudessem usar. A Hipoteca, hoje instituto de Direito Real, teve origem histórica na Grécia e na Roma Antiga. Enfim, obrigações pessoais e reais eram comuns ao longo do progresso histórico das sociedades.
Veremos, dentre outras, as figuras híbridas, isto é, aquelas obrigações que tanto envolvem o Direito das Obrigações quanto o Direito Real: ônus reais, obrigações “propter rem” e obrigações de eficácia real.
Primeiramente, observaremos a terminologia para entendermos o instituto. “Ônus” traz a ideia de obrigação, dever, pendência e encargo. Quanto à palavra “real”, imediatamente aponta que se trata de uma coisa tutelada pelo Direito Real.
Maria Helena Diniz, citada por Gomes de Aquino (2009), leciona:
são obrigações que limitam a fruição e a disposição da propriedade. Representam direitos sobre coisa alheia e prevalecem erga omnes.
Logo, o uso, a habitação, o usufruto, a hipoteca, o penhor, dentre outros, são exemplos de ônus reais. Em todos eles existem limitações por parte do proprietário sobre a coisa, cada qual com sua particularidade. Assim, por estarem taxados no Código Civil, integram o Direito das Coisas, mas que, por sua natureza, verifica-se a existência de obrigações.
Quanto às obrigações propter rem (própria da coisa) são parte de ônus real, conforme entendimento do STJ (grifo nosso).
Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Encargos condominiais. Legitimidade. Obrigação propter rem. 1. O entendimento desta Corte é tranqüilo no sentido de que os encargos de condomínio constituem ônus real, devendo o adquirente do imóvel responder por eventual débito existente. Trata-se de obrigação propter rem. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no Ag: 667222 SP 2005/0045397-8, Relator: Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Data de Julgamento: 17/11/2005, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24/04/2006 p. 394)
Aqui existe o detalhe da bilateralidade e da onerosidade em virtude do bem. O devedor está vinculado a essa obrigação, pois esta recai nele. Difere do puro ônus real, porque existe a limitação por força de gravame do titular da coisa. O vínculo recai sobre o bem.
Por fim, nas obrigações de eficácia real, que também integram ônus reais, deve-se observar sua oponibilidade perante terceiros, ressalvado o direito à prestação. Citamos o Artigo 576 do Código Civil:
Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro. (BRASIL, 2002, online)
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1oO registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da respectiva circunscrição, quando imóvel.
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2oEm se tratando de imóvel, e ainda no caso em que o locador não esteja obrigado a respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão observado o prazo de noventa dias após a notificação. (BRASIL, 2002, online)
Ou seja, a eficácia desse contrato é real, pois mesmo que o bem seja alienado, e exista cláusula de vigência, esta deverá ser respeitada. Ela é oposta a terceiros, ainda que haja transmissão, uma vez que constituem obrigações contraídas em razão do contrato. Eis a diferença para as obrigações propter rem.
E por qual razão a obrigação de “eficácia real” não é simplesmente “real”? Porque apenas sua eficácia o é? Ora, um dos princípios norteadores do Direito das Coisas é a taxatividade, isto é, direitos reais só podem ser determinados por previsão legal, nunca por vontade das partes. Por isso tal obrigação não é real, e sim sua eficácia, pois inexiste previsão legal que determine isso.
Segue abaixo o entendimento de Maria Helena Diniz, citada por Gomes de Aquino:
De acordo com Maria Helena Diniz as obrigações terá eficácia real quando, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, se transmite e é oponivel a terceiro que adquira o direito sobre determiando bem, pois certas obrigações resultantes de contratos alcançam, por força de lei, a dimensão de direito real.
Estas obrigações não podem ser consideradas como de natureza real, pois, pelo princípio da tipicidade a eles inerentes, toda limitação ao direito de propriedade que nao esteja prevista em lei como direito real tem natureza obrigacional.
Em suma, os três institutos apresentam características peculiares e específicas. O Direito Real segue o princípio da taxatividade, enquanto o Direito Obrigacional segue o princípio da autonomia das partes. Acontece que existem situações em que os dois ramos se entrelaçam, podendo ter natureza real, mas eficácia obrigacional, ou vice-versa.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 09 set. 2015
______. Lei nº 10.406, de 10 de março de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 set. 2015
______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 667222 - SP (2005/0045397-8). Órgão Julgador: 3ª Turma. Agravante: KAOR TIBA e outro. Agravado: Condômínio Chácara Alto de Boa Vista. Relator: Carlos Alberto Menezes Direito. Distrito Federal, 17 de novembro de 2005.
GOMES DE AQUINO, Leonardo. Ônus reais. Figuras híbridas ou intermediárias: obrigações proptem rem. Obrigações com eficácia real. Sub-rogação real. Âmbito Jurídico, 2009. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7150>. Acesso em: 09 set. 2015.