A questão da doação universal enseja muitas discussões doutrinárias: de um lado, o direito individual em dispor do seu próprio bem; do outro lado, o peso social para que essa conduta não acarrete prejuízos ao doador.
Nessa linha, saiu recente decisão sobre o caso de uma senhora casada no regime de comunhão universal que renunciou toda sua meação em favor do ex-marido à época da separação judicial, que foi consensual. Sua renúncia, inclusive, foi homologada por sentença e transitada em julgado.
Posteriormente ela voltou a morar na casa do ex-marido e acionou judicialmente, 20 anos depois, requerendo que fosse reconhecida a nulidade da sua renúncia sobre toda a meação que tinha feito. Isso se deve por conta da pretensão da propriedade de um apartamento no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, único bem imóvel do casal na partilha.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, entendeu que na época em que houve a renúncia ela tinha rendimentos de dois empregos, suficientes para sua subsistência. Dessa maneira, o seu pedido não poderia ser aceito, ainda que tenha voltado a morar no imóvel, afinal de contas, a doação foi livre e consciente, além de preenchidos os requisitos do negócio jurídico.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que o Artigo 548 do Código Civil (artigo 1.175 do CC/16) prevê a nulidade de doação universal se não for garantido ao doador o direito a um patrimônio mínimo. A inteligência da norma impede que se reduza sua situação financeira à miserabilidade, preservando um mínimo existencial à dignidade humana do benfeitor. Entretanto, isso não foi verificado diante do caso concreto.
Salomão ressaltou que se o doador preserva sua subsistência, não há que dar procedência à alegação de nulidade de doação. No caso, que tramita em segredo de justiça, a mulher trabalhava como professora estadual e tinha emprego em uma empresa de engenharia, o que justificou, inclusive, a falta de fixação de pensão alimentícia.
Além disso, o motivo que deu causa a seu retorno ao imóvel não ficou claro, isto é, se foi por motivos de necessidade ou se foi para ficar com os filhos. Mesmo assim, a situação econômica do doador somente é levada em consideração no momento em que abriu mão do patrimônio.
Por outro lado, a ministra Isabel Gallotti divergiu e foi acompanhada pelo ministro Marco Buzzi, que sustentaram o pensamento de que a conservação de bens ou renda suficiente para a subsistência do doador deve ter origem no próprio patrimônio dele ou em renda proveniente de ônus incidente sobre os bens doados (hipoteca ou penhor).
O caso é curioso por conta do lapso temporal em que levou para se discutir o imóvel, e só reforça ainda mais que a doação universal pura está caminhando para não ser admitida.
Referências: STJ, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/%C3%89-poss%C3%ADvel-doa%C3%A7%C3%A3o-total-dos-bens-quando-o-doador-tiver-fonte-de-renda-peri%C3%B3dica-para-sua-subsist%C3%AAncia>. Acesso em 27 de novembro de 2015.