A chamada intervenção anômala da União tem sua previsão legal na Lei 9469, de 10 de julho de 1997. À época o instituto foi uma inovação, pois não havia até então instrumentos jurídicos que permitissem a intervenção judicial de um sujeito que não tivesse interesse jurídico na lide em questão.
O art. 5º, caput, da lei 9469 reza que a União poderá intervir em ações que envolverem suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, sejam elas autoras ou rés. Para que a intervenção ocorra basta que a decisão da causa possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica sobre o ente federal, independentemente de qualquer tipo interesse jurídico, como bem entente o Supremo Tribunal Federal.¹
Por seu turno, o paragrafo único amplia bastante a legitimação para este tipo de intervenção ao prever que qualquer pessoa jurídica de direito público pode se valer deste instrumento processual, repita-se, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica.
Peculiar também é a participação da pessoa jurídica interventora, que, em primeiro momento, será consideravelmente restrita. A pessoa jurídica de direito público somente poderá intervir para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria. Destaque-se que a lei utiliza a expressão “questões”, logo a controvérsia já foi posta. Não cabe ao ente público criar “questões” no processo, ao contrário, só poderá agir no sentido de solvê-las. Contestação, por exemplo, é absolutamente vedada ao interveniente anômalo.
Neste primeiro momento processual, o interveniente sequer é parte do processo, tanto que a intervenção da União em causas na Justiça Estadual não ensejará deslocamento de competência para a Justiça Federal, conforme pacificado pelo STF. Pela Constituição Federal, somente ocorre deslocamento se a União for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, ressalvada a competência da justiça especializada. Ou seja, só há deslocamento se houver interesse jurídico efetivo do ente Federal.
Contudo, o próprio parágrafo único do art. 5º da lei 9469 ressalva que a pessoa jurídica de direito público poderá recorrer. A partir do recurso o ente público passa a ser parte processual, ensejando, inclusive, o deslocamento de competência. Frise-se que a falta de interesse jurídico na relação processual base persiste após o recurso. Está-se diante de uma situação bastante atípica de legitimidade processual. Incomum também é o deslocamento de competência que aconteceria se a decisão recorrida fosse proferida por um juiz de Direito. Após o recurso da União, mesmo sem qualquer interesse jurídico federal, a competência passa a ser da Justiça Federal, devendo o respectivo órgão julgador federal ad quem julgar o recurso, como determina a própria lei 9469.
Todavia, convém questionar a constitucionalidade do instituto, uma vez que somente a Constituição Federal pode criar hipóteses de competência para a Justiça Federal. Uma lei infraconstitucional não poderia inovar desta forma em matéria de competência. O art. 109, I, da CF/88, por exemplo, só admite o deslocamento de competência se houver algum interesse jurídico do ente federal. A lei 9469, por sua vez, dispensa o interesse jurídico e ainda determina a competência da Justiça Federal em sede recursal, em uma flagrante usurpação de competência da Carta Política.
À parte do debate sobre sua constitucionalidade, o instituto é bastante peculiar e merece uma atenção especial.
Referências 1 Vide julgado de relatoria da Min. Cármen Lúcia: www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDecisao.asp%3FnumDj%3D221%26dataPublicacao%3D22/11/2011%26incidente%3D4121222%26capitulo%3D6%26codigoMateria%3D3%26numeroMateria%3D178%26texto%3D3834445+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=opera