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Civil

Pinheirinho, o que poderia ter sido: uma análise crítica do instituto da desapropriação e da atuação do Estado

Redação Direito Diário

Publicado

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Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

1 INTRODUÇÃO

A intervenção do Estado na propriedade privada, objeto de estudo do Direito Administrativo, é assunto causador de grandes controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

Sabe-se, porém, que esse tema abrange a análise das servidões administrativas, limitações administrativas (em sentido estrito), tombamento, ocupação temporária, requisição administrativa e desapropriação.

O objeto deste artigo é justamente a análise da intervenção do Estado na propriedade privada, mais especificamente ao instituto da desapropriação. Com efeito, daremos enfoque sobre o direito de propriedade na ordem jurídica vigente, bem como os fundamentos que rendem ensejo à intervenção do Estado na propriedade. E mais adiante teceremos uma crítica, utilizando um caso concreto, da atuação do Estado, na figura de seus representantes, os quais, muitas vezes esquecem dos princípios fundamentais da Administração Pública e da sua razão de existir.

 2 PROPRIEDADE

Parafraseado Jean-Jacques Rousseau (2010, p. 80) em “o Discurso sobre a Origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens”:

O primeiro que, ao cercar um terreno, teve a audácia de dizer isto é meu  e encontrou gente bastante simples para acreditar nele foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos, quantas misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas e cobrindo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “ Não escutem esse impostor! Estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e a terra é de ninguém!

Como se nota, já em 1755, ano da primeira publicação do livro supramencionado, a relevância da propriedade como geradora de desigualdade já apresentava seu verdadeiro tom.

No entanto, como o escopo do presente trabalho não é discutir a desigualdade propriamente dita, mas sim entender o instituto da desapropriação e suas repercussões práticas, deixamos esta questão para trabalhos posteriores.

  

2.1 Conceito e Classificação

O Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) dispõe, no titulo II, dos direitos reais, no Art. 1.225, a classificação dos direitos reais, onde a propriedade é contemplada no inciso I:

São direitos reais:

I – a propriedade;

II – a superfície;

III – as servidões;

IV – o usufruto;

V – o uso;

VI – a habitação;

VII – o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII – o penhor;

IX – a hipoteca;

X – a anticrese.

XI – a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

XII – a concessão de direito real de uso. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007).

 

O ordenamento jurídico brasileiro prevê que toda limitação ao direito de propriedade que não esteja previsto na lei como direito real tem natureza obrigacional. Ao mesmo tempo, esse ordenamento proíbe que as partes criem direitos reais. Por essa razão se diz que predomina o sistema numerus clausus (taxativo) no Direito brasileiro.

O vocábulo “reais” deriva de “res” que significa coisa. Desse modo, a doutrina clássica define que o direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos.

No polo passivo dessa relação estão incluídos os membros da coletividade pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. No momento que alguém venha violar esse dever, o sujeito passivo, que até o momento da violação era indeterminado, torna-se determinado.

O Código Civil brasileiro não apresenta uma definição conceitual do instituto da propriedade. Faz uma descrição geral dos poderes do proprietário do qual pode se extrair algumas considerações. Com efeito, o art. 1.228 do CC/2002 dá ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Os elementos essenciais que modelam a faculdade do proprietário no art. 1.228 remete à ideia que o direito de propriedade seria o poder jurídico atribuído a determinada pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos em lei.

A organização jurídica da propriedade sofre alterações de acordo com o sistema político vigente em determinado país e isso vem ocorrendo desde a antiguidade até o tempo presente.

Em razão dessa afirmação, nos ensina Lacerda de Almeida (1908, p.37): “o direito da coisa é a expressão jurídica do estado atual da propriedade”. Como consequência, pode-se dizer que a configuração do instituto da propriedade recebe direta e profunda influência dos regimes políticos em cujos sistemas jurídicos é concebida. No Brasil, isso também ocorre.

A Constituição brasileira de 1988 recepcionou essa ideia. Concomitantemente em que limitou o poder do Estado ao assegurar o direito da propriedade ao cidadão, gerou limitações a esse direito prevendo regulamentação de hipóteses da ingerência estatal nos bens de domínio particular quando for necessário para se alcançar o bem comum.

Não existe, de fato, um conceito uno de propriedade. Vários doutrinadores construíram algumas definições na tentativa de padronizar conceitualmente esse instituto. Ressaltamos aqui dois desses doutrinadores e suas definições: “O direito de propriedade é aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa determinada em regra perpetuamente, de modo normalmente absoluto, sempre exclusivo e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar” (GONÇALVES, 1952, p. 58) e “Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ou qualquer direito patrimonial” (MIRANDA, 2001, p. -).

Os conceitos são muitos e variados, não sendo ponto deste trabalho entrar no mérito dessa discussão conceitual. Entretanto, apesar da grandeza dos acima mencionados, faz-se necessário apresentar a notável definição feita por Caio Mario da Silva Pereira acerca da propriedade (PEREIRA apud TARTUCE, 2014, p. 830):

Direito real por excelência, direito subjetivo padrão, ou “direito fundamental”, a propriedade mais se sente do que se define, à luz dos critérios informativos da civilização romano-cristã. A ideia de “meu e teu”, a noção do assenhoramento de bens corpóreos e incorpóreos independe do grau de cumprimento ou do desenvolvimento intelectual. Não é apenas o homem do direito ou business man que a percebe. Os menos cultivados, os espíritos mais rudes, e até crianças têm dela a noção inata, defendem a relação jurídica dominial, resistem ao desapossamento, combatem o ladrão. Todos “sentem” o fenômeno propriedade. […] A propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha.

É de fato uma definição única e não poderia ser excluída deste trabalho, visando o bom entendimento da propriedade.

A partir de todas essas construções, pode-se definir a propriedade como o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido pelo art. 5.º, inc, XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade.

 

2.2 Características

A propriedade na legislação pátria possui características bem definidas que asseguram com clareza os direitos de quem detém o título de posse. A propriedade tem caráter de exclusividade.

Art. 1.231 – A propriedade presume-se plena e exclusiva até prova em contrário.

Entende-se por esse artigo que o legislador quis dizer que o proprietário que possuir o título de posse detém em suas mãos todas as faculdades inerentes ao domínio da propriedade.

O direito do proprietário é absoluto quando se diz que pode usar, gozar e dispor de sua propriedade da maneira que quiser, podendo exigir da posse de sua propriedade as utilidades que a mesma esteja em condições de oferecer. Apenas deve obedecer às limitações de interesse público.

Vale mencionar que, em se tratando de coisa imóvel, o direito do proprietário estende-se à totalidade da coisa. Contudo deve respeitar os limites que a ordem jurídica impõe a essa propriedade. Dentre esses limites há a função social da propriedade.

A exclusividade é outra característica do direito de propriedade. Isso quer dizer que o titular da propriedade tem o poder de afastar qualquer ameaça a essa propriedade.

A propriedade é perpétua, admitindo-se ser irrevogável; pois a mesma não se extingue pelo não uso. O direito do proprietário não estará perdido a não ser que ocorra uma das hipóteses de perda da propriedade prevista na lei.

3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE

Em primeiro lugar, a desapropriação é uma forma drástica (ou supressiva) de intervenção na propriedade privada (e, em alguns casos, pública), pois o Estado retira o bem do proprietário originário. Trata-se de uma prerrogativa do Estado, razão pela qual o particular, respeitados os limites normativos, deve se sujeitar à desapropriação.

Em segundo lugar, o Poder Público, por meio da desapropriação, adquire de maneira originária a propriedade do bem. A desapropriação é forma de aquisição originária da propriedade, pois independe da vontade do titular anterior. O bem desapropriado não pode ser reivindicado posteriormente e libera-se de eventuais ônus reais, devendo os credores se sub-rogarem no preço pago pelo Poder Público (art. 31 do Decreto-Lei 3.365/1941).

Em terceiro lugar, a retirada da propriedade deve ser necessariamente justificada no atendimento do Interesse Público (utilidade pública, necessidade pública ou interesse social), sob pena de desvio de finalidade (tredestinação) e antijuridicidade da intervenção.

3.1 Breve Histórico

O tema relativo à intervenção do Estado na propriedade resulta da evolução do perfil do Estado no mundo moderno.

Com efeito, o Estado moderno não limita sua ação à manutenção da segurança externa e da paz interna, como que suprimindo as ações individuais. Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social (BIELSA, ANO, p. 146).

No curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não tinha esse tipo de preocupação. A doutrina do laissez faire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intangíveis os seus direitos, mas, ao mesmo tempo, permitia que os abismos sociais se tornassem mais profundos, deixando à mostra os inevitáveis conflitos surgidos da desigualdade entre as várias camadas da sociedade. Esse estado-polícia não conseguiu sobreviver aos novos fatores de ordem política, econômica e social que o mundo contemporâneo passou a enfrentar.

Desse modo, essa forma de Estado deu lugar ao estado do Bem-estar social, que emprega seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por uma intervenção decidida, algumas das consequências mais penosas da desigualdade econômica (DALLARI, 2013, p. 246).

Saindo daquela posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo foi assumindo a tarefa de assegurar a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu aspecto social, procurando a proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como um somatório de individualidades. Para tanto, precisou imiscuir-se nas relações privadas.

O grande dilema moderno se situa na relação entre o Estado e o indivíduo. Para que possa atender aos reclamos globais da sociedade e captar as exigências do interesse público, é preciso que o Estado atinja alguns interesses individuais. E a regra que atualmente guia essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular.

3.2 Intervenção Estatal

De forma sintética, podemos considerar intervenção do Estado na propriedade toda e qualquer atividade estatal que, amparada em lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros fatores exigidos pela função social a que está condicionada. Retira-se dessa noção que qualquer ataque à propriedade, que não tenha esse objetivo, estará contaminado de irretorquível ilegalidade. Trata-se, pois, de pressuposto constitucional do qual não pode afastar-se a Administração Pública.

A intervenção, por obviedade, revela um poder jurídico do Estado, calcado em sua própria soberania. É verdadeiro poder de império (ius imperii), a ele devendo sujeição os particulares. Sem dúvida, as necessidades individuais e gerais, como bem afirma Gabino Fraga (2000, p. 15), se satisfazem pela ação do Estado e dos particulares, e, sempre que se amplia a ação relativa a uma dessas necessidades, o efeito recai necessariamente sobre a outra.

3.2.1 Princípios Fundamentais

Princípios são os alicerces da ciência, mandamentos de otimização, dotados de maior grau de generalidade e abstração. Deles decorre todo o sistema normativo.

Norberto Bobbio (1994, p. 158-159) sustenta que os princípios gerais são normas como todas as outras. Sua natureza normativa resultaria não apenas da circunstância de serem extraídos das demais regras do Direito, através de um procedimento de generalização sucessiva, como também do fato de servirem ao mesmo objetivo: a função de regular um caso concreto.

Concernente à intervenção estatal, dois princípios surgem como fundamentais para justificarem a sua execução. O princípio da Supremacia do Interesse Público e o princípio da Função Social da Propriedade.

3.2.1.1 A Supremacia do Interesse Público

No direito moderno, a supremacia do interesse público sobre o privado se configura como verdadeiro postulado fundamental, pois que confere ao próprio indivíduo condições de segurança e de sobrevivência. A estabilidade da ordem social depende dessa posição privilegiada do Estado e dela dependem a ordem e a tranquilidade das pessoas.

No caso da intervenção na propriedade, o Estado atua de forma vertical, ou seja, cria imposições que de alguma forma restringem o uso da propriedade pelo seu dominus. E o faz exatamente em função da supremacia que ostenta, relativamente aos interesses privados.

Pode-se, dessa forma, extrair desse fundamento que, toda vez que colide um interesse público com um interesse privado, é aquele que tem que prevalecer. É a supremacia do interesse público sobre o privado, como princípio, que retrata um dos fundamentos da intervenção estatal na propriedade.

3.2.1.2 A Função Social da Propriedade

O Constituinte condicionou a propriedade ao atendimento da função social (art. 5.º, XXIII). Ao fazê-lo, veio a possibilitar que o Estado interviesse na propriedade sempre que esta não estivesse amoldada ao pressuposto exigido na Constituição.

O pressuposto constitucional, entretanto, não afasta nem suprime o direito em si. Ao contrário, o sistema vigente procura conciliar os interesses individuais e sociais e somente quando há o conflito é que o Estado dá primazia a estes últimos. A função social pretende erradicar algumas deformidades existentes na sociedade, nas quais o interesse egoístico do indivíduo põe em risco os interesses coletivos. Na verdade, a função social visa recolocar a propriedade na sua trilha normal.

O texto constitucional revela a existência de um direito contraposto a um dever jurídico. Dizendo que a propriedade deve atender à função social, assegura o direito do proprietário, de um lado, tornando inatacável sua propriedade se consoante com aquela função, e, de outro, impõe ao Estado o dever jurídico de respeitá-la nessas condições.

É evidente que a noção de função social traduz conceito jurídico aberto. A Constituição, no entanto, consignou certos parâmetros para dar alguma objetividade à citada noção. Para tanto, distinguiu a função social da propriedade urbana da propriedade rural. Em relação à primeira, vinculou-se a função social ao atendimento das exigências básicas de ordenação da cidade fixadas no plano diretor (art. 182, § 2º, CF). A função social rural está atrelada aos fatores de aproveitamento e uso racional e adequado da propriedade, de modo que a exploração venha a favorecer o bem-estar de proprietários e trabalhadores; da preservação do meio ambiente; e do respeito às relações de trabalho (art.186, da CRFB/88).

Vale ressaltar que o Código Civil em vigor expressou, em mais de uma passagem, o conteúdo social do direito de propriedade, reforçando seu caráter de direito subjetivo condicionado. Primeiramente, recomendou que esse direito deve ser exercido de forma compatível com suas finalidades econômicas e sociais e com a necessidade de preservação do meio ambiente e do patrimônio público (art. 1.228, §1º, CCB). Depois, alvitrando impedir o abuso no exercício do direito de propriedade, aduziu: São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem (art. 1.228, §2º, CCB). Por fim, admitiu a perda da propriedade pela desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, bem como sua privação temporária em hipótese de requisição do uso da coisa em virtude de perigo público iminente (art. 1.228, §3º, CCB).

4 DA DESAPROPRIAÇÃO

Foram analisados nos itens anteriores a propriedade na ordem jurídica vigente, bem como os fundamentos que rendem ensejo à intervenção do Estado na propriedade. Para que não voltemos a repetir o que já foi visto, fazemos remissão ao que lá expendemos sobre o tema, porque inteiramente consoante com o instituto que agora passaremos a analisar, a desapropriação.

Não obstante, convém relembrar, pela importância de que se reveste o assunto, que o direito de propriedade tem garantia constitucional (art. 5º, XXII,CF), mas a Constituição, como que em contraponto com a garantia desse direito, exige que a propriedade assuma a sua condição de atender à função social (art. 5º, XXIII, CF). Sendo assim, ao Estado será lícito intervir na propriedade toda vez em que esta não esteja cumprindo seu papel no seio social, e isso porque, com intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, qual seja, a de atuar conforme os reclamos de interesse público.

Essa intervenção, deve-se frisar, pode ser categorizada em dois grupos: de um lado, a intervenção restritiva, através da qual o Poder Público retira algumas das faculdades relativas ao domínio, embora salvaguarde a propriedade em favor do dono; de outro, a intervenção supressiva, que gera a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, por conseguinte, a perda da propriedade.

Dessa forma, incontestável delicadeza tem a temática da desapropriação. E não poderia ser diferente, tendo em vista que retrata o ponto máximo de eterno conflito entre o Estado e o particular, vale dizer, entre o interesse público e o privado.

4.1 Conceito

Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização.

O objetivo da desapropriação é a transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse fim só pode ser alcançado se houver os motivos mencionados no conceito, isto é, a utilidade pública ou o interesse social. E a indenização pela transferência constitui regra geral para as desapropriações, só por exceção se admitindo a ausência desse pagamento indenizatório.

4.2 Natureza Jurídica

A natureza da desapropriação é a de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. Procedimento é um conjunto de atos e atividades, devidamente formalizados e produzidos com sequência, com vistas a ser alcançado determinado objetivo.

O procedimento tem seu curso quase sempre em duas fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência do bem. Às vezes, a desapropriação se esgota nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Mas é raro. Normal é estender-se pela outra fase, a judicial, consubstanciada através da ação a ser movida pelo Estado contra o proprietário.

 

4.3 Pressupostos de Legitimidade

A desapropriação só pode ser considerada legítima se presentes estiverem seus pressupostos. São pressupostos da desapropriação, como já abordado anteriormente, a utilidade pública, nesta se incluindo a necessidade pública, e o interesse social.

Ocorre a utilidade pública quando a transferência do bem se afigura conveniente para a Administração. Já a necessidade pública é aquela que decorre de situações de emergência, cuja solução exija a desapropriação do bem (MEIRELLES, 1992, p. 514). Embora o texto constitucional se refira a ambas as expressões, o certo é que a noção de necessidade pública já está inserida na de utilidade pública. Esta é mais abrangente que aquela, de modo que se pode dizer que tudo que for necessário será fatalmente útil (CARVALHO FILHO, 2014, p. 831). Entretanto, a recíproca não é verdadeira: haverá desapropriação somente úteis, embora não necessárias. Quando nos referimos, pois, à utilidade pública, devemos entender que os casos de necessidade pública estarão incluídos naquele conceito mais abrangente.

O interesse social consiste naquelas hipóteses em que mais se realça a função social da propriedade (ou da posse). O poder Público, nesses casos, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas.

 

4.4 Fontes Normativas

A fonte primeira da desapropriação está no art. 5º, XXIV, da CF. Eis os seus termos: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.”

Com caráter regulamentar da norma constitucional, devem ser destacadas duas leis reguladoras da desapropriação. A primeira é o Decreto-lei nº 3.365, de 21.06.1941, considerado a lei geral das desapropriações, que dispõe sobre os casos de desapropriação por utilidade pública. A enumeração desses casos consta no art. 5º, destacando-se, entre outros, os de segurança nacional e defesa do Estado; calamidade e salubridade pública; exploração de serviços públicos; abertura de vias e a execução de planos de urbanização; proteção de monumentos históricos e artísticos; construção de edifícios públicos etc.

O outro diploma regulamentador é a Lei nº 4.132, de 10.09.1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Entre as hipóteses consideradas em lei como casos de interesse social estão, dentro outros, o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros populacionais; a manutenção dos posseiros que, em terrenos urbanos, tenham construído residência, quando a posse tiver sido expressa ou tacitamente tolerada pelo proprietário; a instalação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola etc.

5 CASO PINHEIRINHO

Chega-se ao ponto fundamental da existência do presente trabalho: apresentação e análise do caso Pinheirinho.

A comunidade do Pinheirinho era uma ocupação irregular localizada no município de São José dos Campos, SP. O número de habitantes era estimado em 6 mil moradores, que ocupavam uma área abandonada desde 2004. A ocupação constituiu verdadeiro bairro dentro da cidade de São José dos Campos.

O bairro apresentava uma área de 1,3 milhões de metros quadrados. A quesito de exemplificação, essa área é três vezes maior que a Cidade do Vaticano. Contava com associações de moradores, sete igrejas, estabelecimentos comerciais, espaços de lazer e uma grande praça intitulada Zumbi dos Palmares.

A desocupação teve como objetivo a reintegração de posse realizada na comunidade em janeiro de 2012 e contou com conflitos entre moradores e autoridades, além de denúncias que tiveram repercussão nacional e internacional.

 

5.1 Análise Factual

Pinheirinho se situava na zona sul de São José dos Campos, próximo ao bairro Campos dos Alemães. Entre as décadas de 1950 e 1970, essa região era uma grande propriedade policultora. Em 1981, o terreno teria sido vendido a Naji Nahas, empresário notório por sua prisão em 2008, após acusações de lavagem de dinheiro. Existiu um projeto municipal de loteamento da região desde a década de 70, mas a prefeitura abandonou esse intento em 1983.

A empresa de Naji Nahas faliu em 1990, e o terreno, então de caráter industrial, ficou abandonado por mais de dez anos. A ocupação do loteamento chamado Pinheirinho teve início em 28 de fevereiro de 2004, por aproximadamente 300 famílias e, segundo lideranças do movimento, teria sido amparada por um acordo entre moradores e a prefeitura de Eduardo Cury (PSDB) no mesmo ano.

Já em 2004, a 18ª Vara Cível da Capital teria tomado uma decisão favorável à massa falida, pedindo a reintegração de posse do terreno. Os moradores, com auxílio do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, do Movimento Pró-Moradia e do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, conseguiram uma liminar suspendendo a reintegração de posse, primeiramente, na 6ª Vara Cível de São José dos Campos, e, posteriormente, no Tribunal de Justiça de São Paulo (STJ, 2004, online).

A prefeitura também teria participado ativamente da luta judicial em favor de uma ação demolitória. Nos anos seguintes, a massa falida explorou todas as formas possíveis de reverter a vitória judicial dos moradores. Os moradores do Pinheirinho, por sua vez, protocolaram uma ação popular contra a Prefeitura Municipal de São José dos Campos e alegaram que a administração municipal estaria se omitindo em resolver o problema dos moradores da área. Em 2005, o prefeito Eduardo Cury (PSDB), também conseguiu na Justiça uma liminar para cortar o fornecimento de água e energia elétrica da população do Pinheirinho, que só foi derrubada na última hora. Na época, o advogado dos moradores, Antonio Donizete Ferreira, declarou que “para o prefeito, não pode ter ocupação em São José dos Campos e se tiver eles vão atacar. É uma posição política do PSDB: se as pessoas não têm teto, têm que se virar”. (Sucupira, 2006, online).

No dia 3 de novembro de 2009, a 1ª Turma de Direito Público do STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou por unanimidade o recurso especial impetrado pelos advogados das famílias de sem-teto, do Pinheirinho, contra a ação demolitória do governo de Eduardo Cury (PSDB). O clima de revolta foi similar ao que se instaurou em 2012, quando as famílias voltaram a ser ameaçadas de despejo. No entanto, os moradores voltaram a obter vitórias judiciais até 2011, quando o STJ anulou todo o processo de reintegração por incompetência da Vara responsável.

Em janeiro de 2012, por processo movido pela massa falida da Selecta SA (TJSP, 0335589-54.2007.8.26.0577, 6ª Vara Cível – Foro de São José dos Campos), a justiça estadual de São Paulo, por determinação da juíza Márcia Loureiro (6ª Vara Cível de São José), determinou que a região deveria ser desocupada e ordenou uma reintegração de posse.

No dia 14 de janeiro de 2012, os moradores do Pinheirinho declararam que resistiriam à desocupação e criaram uma força de resistência equipada com restos de tambores, coletes de compensado e caneleiras de tubos de PVC (FOLHA, 2012, online).

No dia 15 de janeiro, moradores do bairro vizinho ao Pinheirinho, Campo dos Alemães, ocuparam uma região improvisada de última hora que a prefeitura destinaria aos desalojados. Segundo os moradores solidários ao Pinheirinho, não havia estrutura básica nos alojamentos para a recepção das famílias. A área, doada à prefeitura há cerca de sete anos, deveria ter sido usada para a construção de algo em benefício dos moradores, o que não foi realizado. No dia 16 de janeiro, a Polícia Militar usou helicópteros para lançar panfletos sobre a comunidade. Nos panfletos, a PM pedia que os “cidadãos de bem” se retirassem pacificamente da região, embora não houvesse estrutura alguma para receber os moradores.

No dia 17 de janeiro, terça-feira, a Polícia Militar do Estado de São Paulo deslocou várias unidades para a região, visando operar uma reintegração de posse. Eram 1.500 Policiais Militares com bombas de efeito moral, gás pimenta, balas de borracha e cassetetes. Às 4h20 desse dia, temendo um confronto físico entre a PM e os moradores da região, a juíza federal de plantão Roberta Chiara concedeu uma liminar desautorizando a polícia a cumprir a reintegração de posse (FOLHA, 2012, online). A liminar, no entanto, foi cassada no mesmo dia pelo juiz federal titular Carlos Alberto Antônio Júnior, que alegou que a competência do caso não era federal.

No dia 19 de janeiro, quinta-feira, advogados dos moradores do Pinheirinho e advogados da massa falida Selecta SA realizaram um acordo, segundo o qual a reintegração deveria ser suspensa por 15 dias (FOLHA, 2012, online). No mesmo dia, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública contra a prefeitura de São José dos Campos por omissão no caso Pinheirinho. Proposta pelo procurador da República Ângelo Augusto Costa, que acompanha o caso por meio de um inquérito civil público desde 2005, a ação também continha quatro pedidos liminares para assegurar o direito à moradia dos ocupantes do terreno.

No dia 20 de janeiro, sexta-feira, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF) suspendeu a ordem de reintegração de posse da comunidade do Pinheirinho. O desembargador federal Antonio Cedenho, da 5ª Turma do TRF, alegou que a União passaria a integrar o processo, que interessava ao governo federal (TERRA, 2012, online). Contrariando o acordo realizado no dia 19 e a decisão da Justiça Federal (20 de janeiro), a justiça estadual autorizou a reintegração de posse no dia 22. O Tribunal de Justiça estadual considerou que sua decisão era soberana e alegou equivalência entre as instâncias deliberativas estadual e federal (NOTÍCIAS R7, 2012, online). Um agente da justiça federal foi pessoalmente ordenar o fim da reintegração de posse uma segunda vez, mas a PM continuou a ação. O oficial de Justiça foi até a ocupação por volta das 11 horas e entregou a decisão do juiz federal de plantão, Samuel de Castro Barbosa Melo, suspendendo a ação. A ordem foi direcionada aos comandos da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Guarda Municipal. O juiz estadual Rodrigo Capez, vinculado ao PSDB (partido do então prefeito e do governador de SP) foi o responsável por negar novamente a competência federal. Segundo ele, a ação já estava “em estado avançado” e não poderia ser interrompida.

5.2 Críticas à atuação estatal

Todos os tópicos abordados supra convergem para fazer coro à crítica que será esmiuçada a seguir. Iremos repeti-los por entendermos que não haverá qualquer prejuízo.

O primeiro aspecto a ser avaliado diz respeito aos direitos envolvidos nesse episódio. O primeiro deles é o direito de propriedade, elemento essencial a qualquer Estado Democrático de Direito, devidamente assegurado pelo art. 5º da Constituição Federal. O segundo direito relacionado aos fatos em apreço é o chamado direito à moradia, incluído na Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 26/00, a partir da qual foi agregado aos direitos sociais previstos no art. 6º de nossa Constituição.

Lembremos, inicialmente, que o direito de propriedade, por mais que seja assegurado, encontra inegáveis limites no texto constitucional. O inciso XXII, do art. 5º, da CF/88, volta-se a garantia desse direito individual. Porém, o inciso seguinte condiciona o seu exercício ao atendimento da função social da propriedade. Nessa esteira, não se pode afirmar que o direito de propriedade é absoluto.

Nessa toada, podemos compreender que o Constituinte jamais pretendeu garantir o direito de propriedade como algo absoluto, passível de ser exercido de qualquer modo. Note-se que, ao inaugurar a Ordem Econômica, sujeita o exercício da livre iniciativa à observância de uma série de princípios, tornando plenamente aplicável a função social da propriedade ao exercício do direito de propriedade em relação aos chamados bens de produção e, por consequência, à atividade empresarial.

A CF/88 não parou por aí. Quando disciplina as questões relativas à política urbana e à política agrícola e fundiária, utiliza a mesma lógica ao prever, no primeiro caso, a chamada “desapropriação sanção” e, no segundo, a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Resguarda, quanto a este último ponto, a pequena e média propriedade rural (desde que o proprietário não seja dono de outra área assim definida), bem como a propriedade produtiva.

O Código Civil (CC/02) também tratou dessa questão. Conta com previsão a respeito da função social do direito de propriedade, instituindo a função socioambiental da propriedade no parágrafo 1º, do art. 1.228, e, nos parágrafos seguintes, disciplina o modo de exercício desse direito, criando, nos parágrafos 4º e 5º, a chamada “desapropriação judicial”, ou “alienação compulsória”, como preferem alguns, inegavelmente fundada na socialidade.

O direito à moradia, por seu turno, revela-se com enorme envergadura no ordenamento constitucional brasileiro. Trata-se de direito fundamental de segunda geração que viabiliza a promoção da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da Constituição Federal. Nesse contexto, assim como o direito à educação, direito à saúde etc., o direito à moradia deve ser objeto das chamadas prestações positivas do Estado, no sentido de promover a efetividade dos direitos fundamentais chamados direitos sociais, viabilizando existência digna a todos aqueles que não contem com moradia, para que possam desenvolver sua vida.

O caso concreto envolvendo o bairro do Pinheirinho na cidade de São José dos Campos revela um conflito entre esses dois direitos. Se voltarmos nossa atenção à forma através da qual a situação de fato daqueles moradores se estabilizou, verificaremos que houve a ocupação gradual da área por cidadãos desprovidos de moradia. Nesse instante, resta clara a violação ao direito de propriedade, uma vez que não é razoável supor como justa a invasão de terras pertencentes a terceiros.

Ocorre, porém, que o ordenamento jurídico ressalva em casos como esse a possibilidade de uso da força, pelo proprietário, para evitar o esbulho possessório. Tanto assim que o direito privado prevê o chamado “desforço imediato”, consubstanciado na legalidade do uso de meios moderados a evitar a invasão da propriedade privada, seja pelo real proprietário, seja pelo atual possuidor.

Em que pese essa previsão legal, o terreno no qual se estabeleceu o bairro do Pinheirinho, ao menos ao que parece, não contava com a vigilância necessária por parte de seu proprietário. Um terreno com as dimensões desse bairro jamais poderia ser abandonado como foi, uma vez que a ocupação, mais do que possível, mostrava-se extremamente provável.

Pois bem. Como se sabe, em 2004 houve a propositura de demanda possessória no intuito de reaver a área. A pretensão levada a juízo não recebeu a atenção necessária, tendo em vista que apenas em 2011 a ordem de reintegração foi concedida.

Podemos, pois, atribuir às partes envolvidas e ao próprio Poder Judiciário parcela da omissão que acabou por permitir a consolidação da situação de fato que viabilizou o estabelecimento de um bairro com milhares de famílias vivendo em terreno particular.

Ao lado desse primeiro indício de omissão estatal, não podemos esquecer a maior parcela de culpa em todo esse processo de ocupação e estabilização de moradias. O Poder Executivo municipal, ciente dos fatos, da ação judicial e das possíveis consequências de todos esses fatores, deveria ter providenciado um complexo de políticas públicas voltadas à promoção e efetividade do direito à moradia digna. Contudo, ao que parece, a municipalidade preferiu não se envolver nessa questão. Todavia, devemos lembrar que, se a ocupação em si de propriedade privada não é problema do Estado, mas sim do particular esbulhado em sua posse, o mesmo raciocínio não pode se aplicar quando o Estado nota uma ocupação que leva à consolidação de uma situação de fato que se traduz na criação de um verdadeiro bairro no Município. Esse problema ganha dimensões enormes e se apresenta uma questão de ordem pública.

Ora, não se pode negar a enorme parcela de culpa do Município de São José dos Campos, na medida em que, ciente da ocupação e da criação gradual de um novo bairro na cidade, sabedor do fato de se tratar de uma área invadida, nada fez para revertê-la. Observe-se que a ação do Estado não se justificaria em defesa da propriedade privada, mas, bem ao contrário, para evitar a catástrofe da desocupação e promover o direito à moradia em relação a todos aqueles que só ocuparam a área em busca de existência digna.

O problema em apreço se prolongou por quase uma década, sendo certo que o tempo corria em favor dos possuidores e não do proprietário. Afirma-se isso, pois a estabilização da situação de fato tornava cada vez mais improvável o que acompanhamos em jornais e revistas. Não se poderia imaginar que o Estado, ciente da situação de fato estabelecida, trataria os moradores como meros invasores, sobretudo se avaliarmos a criação de um verdadeiro bairro naquela propriedade.

Ressalte-se que não se está defendendo a invasão da propriedade privada, por mais que não se possa concordar com a existência de proprietários que simplesmente descumpram a função social da propriedade. Para esses casos, apoiado na chamada função social da posse, e nos novos institutos de direito público e de direito privado, defendo a existência de meios legais de levar possuidores à condição de proprietários, sempre que estes simplesmente abandonem seus bens.

Note-se que descumprir a função social da propriedade é, na melhor hipótese, negar a destinação útil de parcela do solo urbano ou rural, impedindo a criação e circulação de utilidades e riquezas no seio da sociedade. Em outras palavras, propriedade que não cumpre sua função social representa prejuízo à coletividade.

Nesse sentido, ao contrário de corroborar com invasões, afirma-se a responsabilidade do Estado e dos proprietários em relação à situação de fato estabelecida no Pinheirinho. Foi por meio da cadeia de atos omissivos de particulares e do próprio Estado que a ocupação se tornou possível. Por isso mesmo, a complexidade da questão jamais poderia ter sido resolvida como uma ocupação qualquer. Observe-se que a maior parte, senão a totalidade, dos possuidores da área do Pinheirinho, apenas invadiu o terreno na busca de moradia para desenvolvimento de uma vida digna.

Quando o caso ganhou repercussão nacional, Município, Estado e União passaram a se manifestar a respeito. Políticos se dirigiram ao Pinheirinho para evitar a catástrofe anunciada, mas foram sumariamente impedidos de agir e sequer ouvidos. Do mesmo modo, o Poder Judiciário se mostrou insensível à situação de fato estabelecida e determinou a desocupação através de meio evidentemente desproporcional.

Não há dúvida de que a retomada da área até pudesse, sob o ponto de vista legal, demonstrar-se medida viável. Porém, cumprir a lei sem a devida apreciação dos fatos pode ensejar a prática de injustiças. Ainda que se defenda, e há argumento para isso, a reintegração de posse, mostrando-se medida razoável, não se pode concordar com os meios adotados. A razoabilidade até pode ter sido atendida, porém, a proporcionalidade restou claramente desrespeitada.

A desobediência ao princípio da proporcionalidade decorre da insensibilidade das autoridades envolvidas. Uma situação de fato devidamente estabelecida, a ponto de criar um novo bairro, jamais poderia ser tratada da forma como foi. Os poderes públicos deveriam ter agido de maneira sinérgica para, antes de efetivamente desocuparem a área através de força policial, garantir locais adequados para realocação de todos que ocupavam o Pinheirinho, permitindo, sobretudo, que cada cidadão levasse para sua nova morada todos os pertences que guarneciam a moradia desocupada. Não se diga, a esse respeito, que o prazo concedido teria sido hábil à desocupação. Esse argumento só pode partir de alguém que não tem a menor ideia da repercussão criada por uma desocupação.

Entretanto, o Estado preferiu tratar a matéria da forma mais atroz. Determinou a desocupação e sequer tomou o cuidado de criar, por meio de políticas públicas de habitação, locais adequados para transferência das milhares de famílias envolvidas. Preferiu devolver a propriedade a um proprietário, muito provavelmente descumpridor da função social, a promover de sorte equilibrada o direito à moradia de toda a população afetada pela desocupação. Pior do que isso, agiu de maneira atroz no instante em que não deu sequer o tempo necessário para que os habitantes do Pinheirinho retirassem seus pertences, adquiridos ao longo dos anos.

Não há dúvida, também, que o Estado poderia ter declarado a área como de interesse social, a fim de desapropriá-la em prol dos possuidores, indenizando o proprietário. Porém, e aí reside um certo “estranhamento”, o Estado preferiu ignorar todas essas alternativas, agindo de forma veemente contra população de baixa renda que reside em um bairro criado por meio de ocupação e segue para uma situação de incerteza. O Estado agiu de modo a garantir a tutela do direito de propriedade, ignorando a situação de fato estabelecida, olvidando-se do dever de promover prestações positivas, consubstanciadas em políticas públicas para concreção do direito à moradia.

O pior de todo esse cenário foi a manipulação político-partidária que tem sido feita com o sofrimento alheio. Ao invés de as autoridades públicas se preocuparem em amenizar o desastre advindo da reintegração promovida de maneira desmedida, preferem apontar o dedo aos responsáveis tentando capitalizar politicamente o fato. Trata-se de um comportamento que infelizmente não surpreende, mas nem por isso deixa de demonstrar a imoralidade e a desumanidade de diversas autoridades públicas nacionais.

Em suma, para aqueles que defendem a reintegração como uma conduta razoável, espera-se que reflitam acerca dos meios e compreendam a particularidade do caso, em vista da omissão dos poderes públicos que permitiu a estabilização da situação de fato. Não parece correto desocupar a área sem se preocupar com o destino de milhares de famílias, sobretudo quando o direito à moradia está previsto como direito social em nossa Constituição Federal e deve ser objeto de políticas públicas eficazes.

Para os que defendem a ilegalidade da desocupação, não se apeguem aos discursos emocionais que apenas retiram a legitimidade de seus argumentos, embora sejamos obrigados a reconhecer que a desumanidade do ato atinge nossa inteligência emocional. Existiam caminhos legalmente fundamentados para evitar a desocupação atroz que foi praticada. Lembre-se, por oportuno, a possibilidade de desapropriação da área, saída que consideramos a mais adequada, bem como a concessão de prazo mais alongado para a desocupação, desde que existente local digno e propício para remanejamento da população envolvida

6 CONCLUSÃO

O certo em toda essa questão é que, uma vez mais, o Estado agiu por meio de uma cadeia de atos omissivos que estabilizou essa situação de fato. Da mesma forma, a manipulação político-partidária de episódio tão triste demonstra a imoralidade e a desumanidade de nossos homens públicos, uma vez que não cessam em capitalizar politicamente, mas não ousam traçar uma solução às famílias que ainda padecem sem moradia adequada, não apenas em São José dos Campos, mas por todo o território nacional.

Infelizmente, o Pinheirinho é uma pequena demonstração da atual situação de descalabro em que se encontra nosso país. Espera-se que o dia de amanhã seja mais tenro e belo.

REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Ribeiro dos Santos, 1908.

BIELSA, Rafael. Derecho Admnistrativo. Buenos Aires, 1964.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994.

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei no. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 16 abr. 2014.

Carvalho FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27ed. Editora Atlas, São Paulo, 2014.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, 32ed., São Paulo, Saraiva, 2013.

FRAGA, Gabino. Derecho Administrativo. 40 ed., Argentina, Editora Porrúa, 2000.

FOLHA UOL. Acordo suspende reintegração em São José dos Campos. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/20862-acordo-suspende-reintegracao-em-sao-jose-dos-campos.shtml>. Acesso em: 20 abr. 2014.

FOLHA UOL. Invasores montam 'tropa' para impedir reintegração de terreno. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/19978-invasores-montam-tropa-para-impedir-reintegracao-de-terreno.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2014.

FOLHA UOL. De frente pro choque. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/20702-de-frente-pro-choque.shtml>. Acesso em 19 abr. 2014.

GONÇALVES, Luis da Cunha. Da propriedade e da posse. Lisboa: Edições Ática, 1952.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18 ed. Editora Malheiros, São Paulo, 1992.

NOTÍCIAS R7. Justiça Federal manda parar reintegração de posse do Pinheirinho e Justiça Estadual nega.  Disponível em: <http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/justica-federal-manda-para-parar-reintegracao-posse-do-pinheirinho-e-justica-estadual-nega-20120122.html>. Acesso: em 20 abr. 2014.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, Tomo XI. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 2. ed. Campinas, SP, 2001.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2010.

SUCUPIRA, Fernanda. Comissão tenta evitar que “tragédia de Goiânia” se repita em SP. Carta Maior, 10/02/2006. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Comissao-tenta-evitar-que-%27tragedia-de-Goiania%27-se-repita-em-SP/5/9030>. Acesso em: 26 out. 2018

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Extinto mandado de segurança contra sem-teto de São Paulo. 2004.  Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=368&tmp.texto=77210>. Acesso em: 18 abr. 2014.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Editora Método, 2014.

TERRA NOTÍCIAS. Justiça suspende ordem de reintegração do Pinheirinho. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/sp-justica-suspende-ordem-de-reintegracao-do-pinheirinho,4de94cb8511da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 20 abr. 2014.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Consulta de Processos. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=577&processo.codigo=G1Z105UOZ0000&processo.foro=577>. Acesso em: 19 abr. 2014.

Imagem disponível em: <http://www.aquariuslife.com.br/familias-retiradas-de-pinheirinho-pedem-na-justica-anulacao-de-leilao-terreno/>. Acesso em: 26 dez. 2018.

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O Vilipêndio ao Cadáver na Era Digital

Redação Direito Diário

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vilipêndio ao cadáver

Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.

Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.

Veja mais: Direito Digital e LGPD: livros para ficar por dentro em 2024

Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver

O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.

É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.

Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.

É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.

O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.

Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.

Vilipêndio ao cadáver e o Direito

No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.

O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.

O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.

Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:

É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).

Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.

Vilipêndio ao cadáver no mundo digital

O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.

Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.

Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.

Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.

Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.

Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.

O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.

Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.

A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.

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Referências:

BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de.  A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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Civil

Indenização por dano material e moral

Redação Direito Diário

Publicado

em

dano material e moral

Muito se fala sobre dano material e moral. Mas o que é passível de indenização e o que configura ou não esse tipo de dano? Para início de conversa, vale esclarecer que quando há alguma situação em que uma ação ou omissão causou prejuízo a quem quer que seja, esse é o caso de ser requerida indenização por dano moral ou material.

No contexto jurídico, a reparação de danos é um princípio fundamental que visa restabelecer o equilíbrio nas relações sociais quando alguém sofre algum tipo de prejuízo. Entre os diversos tipos de danos reconhecidos pelo ordenamento jurídico, destacam-se o dano material e o dano moral, ambos representando importantes formas de proteção aos direitos dos indivíduos.

Vejamos o que diz o Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[…]

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

Dano Material

O dano material refere-se à perda financeira concreta que uma pessoa sofre em razão de um ato ilícito ou negligente, abrangendo tanto os danos emergentes (aquilo que a vítima efetivamente perdeu) quanto os lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar).

O dano material é facilmente calculado justamente por se tratar das perdas materiais em decorrência de algum prejuízo causado a outrem, sendo possível, de maneira geral, quantificar os danos que gerados pela perda de algum bem, pela falta de algum dinheiro, por horas sem trabalho, dentre outros.

Dano Moral

Por outro lado, o dano moral está relacionado a lesões que afetam os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a privacidade e o bem-estar psicológico, reconhecendo que certos prejuízos, mesmo que intangíveis, exigem compensação.

Veja aqui um entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 403DIREITO CIVIL – DANO MORAL

Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.(SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 24/11/2009)

Assim, o dano moral está mais relacionado à dor psicológica (emocional) que a ação, a omissão, a negligência ou a imprudência praticadas causaram a uma pessoa, a um grupo de pessoas ou mesmo a alguma empresa.

Dessa forma, não pode ser medido de maneira objetiva, mas pode ser atribuído de acordo com a gravidade do caso e a qualidade ou intensidade da emoção sentida por quem sofreu o dano.

Aproveite para fazer a leitura do seguinte artigo: A perda do tempo livre gera indenização por dano moral?

A distinção e a análise desses tipos de danos são fundamentais para compreender o alcance da responsabilidade civil e a busca pela justiça e equidade na reparação dos prejuízos sofridos pelos indivíduos.

Exemplos que ensejam indenização por dano material ou moral

Exemplos de situações que podem ensejar indenização por dano material ou moral são variados, abrangendo desde acidentes de trânsito e falhas na prestação de serviços até ofensas verbais e discriminação. Analisar esses casos concretos é essencial para compreender como a justiça busca equilibrar os interesses das partes e proteger os direitos dos cidadãos.

Vejamos aqui outro entendimento sumulado pelo STJ:

Súmula 37DIREITO CIVIL – DANO MORAL

São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.(CORTE ESPECIAL, julgado em 12/03/1992, REPDJ 19/03/1992, p. 3201, DJ 17/03/1992, p. 3172)

Em casos fortuitos ou de força maior é mais difícil exigir indenização por dano material ou moral. Por exemplo, se houver um terremoto no Rio de Janeiro e a rede elétrica parar de funcionar porque as torres que distribuem a eletricidade foram derrubadas, isso é algo inesperado, e de acordo com a lei a distribuidora de luz não tinha como prevenir essa violência da natureza, assim, provavelmente não será obrigada a indenizar.

Entretanto, se essa mesma distribuidora de energias deixar uma casa sem luz por alguns dias porque não tem funcionários suficientes para atender àquele bairro, essa possibilidade é algo previsível e essa empresa deveria saber a quantidade de trabalhadores que precisa para seu serviço funcionar.

Nesse caso valeria o pedido de indenização pelos equipamentos estragados, ou alimentos perdidos – dano material, ou pelos aborrecimentos causados devido a essa situação – dano moral.

No âmbito do dano moral são várias as determinações da lei que possibilitam o pedido de indenização, tais quais: a utilização da imagem de uma pessoa sem seu consentimento; a venda de produtos defeituosos; o ferimento grave causado; a ofensa à honra; a condenação judicial de uma pessoa por erro; a prisão de algum criminoso além do tempo fixado para cumprir a sentença; etc…

Em se tratando do Governo brasileiro, sabendo que, apesar de recolhermos muitos impostos, falta estrutura, ocasionando um Judiciário estagnado, escolas sem professores, hospitais sem remédios, as estradas sem livre movimentação de pessoas e mercadorias, etc, ora, por esses motivos ele (Estado) deve arcar com condenações em valores indenizatórios, oriundos de danos materiais e morais que tiver causado aos seus cidadãos.

O Governo tem obrigações tais como a segurança pública, o fornecimento de serviços adequados, eficientes, seguros aos cidadãos e, caso deixe de cuidar do que é de sua responsabilidade, deve então reparar o dano material causado.

Por exemplo, à conta da omissão do Estado ao deixar de reforçar o policiamento em área perigosa, pode ser requerida indenização pelos danos que esse desserviço pode ter causado a algum cidadão.

Para as empresas também vale essa regra. Assaltos em estacionamentos de supermercados, nas dependências de agência bancária, quando essas instituições deixam de cuidar da segurança de seus clientes, nesses casos também é possível pedir indenização por dano material ou moral.

Entre as empresas, os bancos são campeões de reclamações por danos causados aos seus clientes. Eles empurram o serviço de cheque especial sem explicar a forma absurda como os juros serão cobrados do cliente. Os bancos dificultam a abertura de conta corrente sem pagamento de tarifa bancária mensal apesar de haver lei determinando essa possibilidade.

Também cobram taxas com nomes desconhecidos e por serviços que não haviam sido pedidos pelo cliente – o seguro do cartão de crédito ou débito é um exemplo, também os bancos forçam vendas casadas e dizem que só emprestam dinheiro se o cliente se comprometer em pagar por um seguro qualquer ou adquirir um título de capitalização.

Em todos esses casos, se o banco não voltar atrás de acordo com o que havia combinado com o cliente, este, se sentindo lesado pode pedir indenização por dano material ou moral.

Vale ressaltar, existem leis protegendo os direitos dos cidadãos – a Constituição Federal, o Código Civil, o Código do Consumidor, dentre outras, leis atualizadas de acordo com as mudanças na nossa sociedade.

Portanto, é uma pena que os cidadãos sejam desinformados quanto aos direitos porque, conhecendo seus direitos, cobrariam produtos de qualidade e boa prestação de serviços das empresas e especialmente do Governo, para quem sabe, esse procedimento viesse facilitar a mudança para melhor da nossa nação

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Artigos

A emancipação do filho adolescente no Brasil em 2024

Redação Direito Diário

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emancipação

A emancipação é um instituto do Direito Civil e consiste em liberar o filho menor de 18 anos da submissão do poder familiar. Ao emancipado é conferido o direito de, sozinho, gerir seus bens, contratar, distratar e praticar outros atos referentes a sua vida civil que só lhe seriam garantidos ao completar a idade de dezoito anos.

Segundo versa o Código Civil de 2002:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5 , parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Para que seja concretizada a emancipação, contudo, é necessário seguir certos procedimentos a depender da forma como se pretende realizá-la.

Assim sendo, a emancipação pode se dar de forma voluntária, judicial ou legal.

Emancipação Voluntária

A voluntária ocorre quando os dois pais concordam com a emancipação e a fazem através de instrumento público, que não necessita de homologação judicial. Possui caráter irrevogável e é necessário que o adolescente esteja com, no mínimo, dezesseis anos completos. Se um dos pais discordar acerca da medida, será necessária a homologação judicial.

Art. 5 A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; […]

Cumpre esclarecer que nesse tipo de emancipação os pais continuam a ser responsáveis pelos danos causados pelos seus filhos. Isso decorre do fato de que, além da emancipação não garantir a maturidade necessária para que o adolescente possa gerir seus atos da vida civil sem causar danos, ainda existem casos em que os pais emancipam o filho com o intuito de ficarem livres da responsabilidade pelos atos deles, o que é reprimido pelo ordenamento jurídico pátrio.

Emancipação Judicial

A emancipação judicial se dá quando o adolescente de dezesseis anos completos e sob tutela é emancipado pelo juiz, e não pelo o seu tutor.

Art. 5º, Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; […]

Essa forma se dará apenas através da via judicial, já que, por ser tutelado, o juiz teve resguardar os interesses do menor, haja vista a sua situação de pessoa em desenvolvimento sob tutela e, por si só, mais vulnerável.

Nesse contexto, é válido dizer que existe uma diferença entre a tutela e a curatela no Direito brasileiro, que é interessante você verificar.

Emancipação Legal

Já a emancipação legal acontece com o advento de algumas das hipóteses previstas pelo Código Civil. Vejamos mais uma vez o Código Civil:

Art. 5º, Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

[…]

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Assim, o diploma legal reconhece que, em determinadas circunstâncias, menores de 18 anos podem demonstrar maturidade e autonomia suficientes para gerir seus próprios interesses.

A emancipação pelo casamento, pela conquista de um emprego público, pela conclusão de um curso superior ou pela capacidade de gerir uma atividade econômica própria funcionam como forma de verificação da capacidade do jovem menor de idade assumir responsabilidades civis antes da maioridade formal.

O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que em um concurso público que estabeleça a idade mínima de 18 anos, apesar da constitucionalidade dos limites etários estabelecidos em razão da natureza e das atribuições do cargo, no caso dos autos, a obrigatoriedade de idade mínima deveria ser flexibilizada se o cargo analisado não tiver exigências que impliquem a observância rigorosa de uma idade mínima.

Vedações ao emancipado

Entretanto, apesar da emancipação permitir que o menor de idade possa estar apto para gerir as relações da sua vida civil, ela não antecipa a maioridade. Assim, ele continua sendo detentor das garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e também permanece sem poder realizar os atos que, por lei, são destinados às pessoas maiores de dezoito anos.

Assim, muito embora o adolescente emancipado possa viajar, tanto dentro do país como para fora dele, sem precisar de autorização dos pais ou tutores, não pode hospedar-se em motel, que é destinado para as pessoas com dezoito anos completos. Também não pode tirar a carteira de habilitação e nem dirigir veículo automotor, por exemplo.

Da mesma forma, o emancipado também não se submete a esfera penal, sendo as suas infrações apuradas de acordo com o previsto do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A título de curiosidade, vejamos aqui uma análise sobre a diminuição da maioridade penal.

Se a prática de algum ilícito civil ou descumprimento contratual for feito pelo adolescente emancipado resultar em alguma infração que normalmente seria julgada na esfera penal, caberá ao juiz da Infância e Juventude promover a sua apuração.

A emancipação, apesar de liberar o jovem da submissão ao poder familiar, não promove a sua imediata maturidade para todos os atos da vida. A proteção que deve ser dada pelo Estado às crianças e adolescentes abrange também os que foram emancipados, bem como não significa na total falta de responsabilidade dos pais pelos atos praticados pelos seus filhos.

Assim, antes de se optar pela concretização dessa medida, é recomendável obter a maior quantidade de esclarecimentos possível como forma de evitar arrependimentos e transtornos.

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Release Date 2024-04-12T00:00:00.000Z
Edition 1
Language Português
Number Of Pages 330
Publication Date 2024-04-12T00:00:00.000Z
Format eBook Kindle

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
STJ. Maioridade civil, emancipação e o entendimento do STJ. Notícias, 18 ago. 2019. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2019/Maioridade-civil–emancipacao-e-o-entendimento-do-STJ.aspx>. Acesso em 18 ago 2024.
Imagem: Mircea Iancu from Pixabay

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