Para que seja possível entender a obrigação de prestar assistência gratuita ao recém-nascido, é preciso esclarecer alguns pontos.
Primeiramente, mencione-se que os planos de saúde operados por pessoas jurídicas de direito privado estão regulamentados pelo Código de Defesa do Consumidor e, mais especificadamente, pela Lei nº 9.656/1998.
A referida Norma, conhecida como Lei dos Planos de Saúde, restringiu a liberdade das operadoras de planos de saúde privados, além de regular e ampliar a cobertura mínima a ser oferecida.
O artigo 12 do aludido Diploma Normativo prevê diversas modalidades de planos de saúde, estabelecendo os serviços obrigatórios para cada uma delas.
Em relação ao plano com atendimento obstétrico, a Lei exige que a operadora assegure assistência gratuita ao recém-nascido, bem como possibilite a inscrição do neonato como dependente, nos seguintes termos:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
[…]
III – quando incluir atendimento obstétrico:
a) cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto;
b) inscrição assegurada ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente, isento do cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento ou da adoção […] (Grifo nosso)
Infere-se, dessa forma, que o plano de saúde deve prestar assistência gratuita ao recém-nascido durante os primeiros 30 (trinta) dias após o parto, seja ele filho natural ou adotivo do contratante ou de seu dependente. Ademais, é imprescindível que seja oportunizada a inscrição do neonato com isenção dos períodos de carência, desde que realizada dentro do prazo já mencionado – 30 (trinta) dias.
No mesmo sentido, estabelece o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que o plano hospitalar com obstetrícia:
[…] inclui pré-natal e parto, após 10 meses de carência. Garante cobertura do recém-nascido nos primeiros 30 dias de vida e sua inscrição no plano de saúde, sem o cumprimento de carências. Para isso, porém, a inscrição deve ser feita em até 30 dias após o nascimento. Filhos adotivos menores de 12 anos têm o mesmo benefício, desde que a inscrição no plano seja feita até 30 dias após a adoção.
Assim, se a genitora de um recém-nascido for cliente de um plano de saúde que oferece cobertura para atendimento obstétrico e o neonato precisar de atendimento médico durante os primeiros 30 (trinta) dias após o nascimento, a operadora de saúde tem a obrigação de concedê-lo, gratuitamente. Em caso de recusa ou demora na autorização, os pais podem pagar o tratamento, com direito à indenização pelos custos despendidos.
O entendimento do STJ
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pelo reconhecimento da obrigação de assistência gratuita ao recém-nascido por parte das operadoras de planos de saúde privados, independentemente de o parto ter sido custeado pela empresa.
Conforme a mesma decisão, também não há qualquer vinculação entre o dever de prestar assistência gratuita ao recém-nascido durante os primeiros 30 (trinta) dias após o nascimento e a inscrição do neonato como dependente do beneficiário. Reitere-se que esta opção é mera liberalidade do cliente, que se optar por fazê-lo dentro do prazo supracitado, poderá ser isento do cumprimento do período de carência em relação ao filho.
A esse respeito, importa mencionar a informação publicada pela Agência Nacional de Saúde (ANS),
[…] se um dos responsáveis legais tiver cumprido o prazo de carência (máximo de 180 dias), o filho será isento do cumprimento de carências. Caso o responsável legal não tenha cumprido o prazo (máximo de 180 dias), o filho deverá cumprir a carência pelo período que ainda falta ser cumprido pelo representante legal.
Se o plano não possuir cobertura obstétrica, mas houver previsão contratual para inclusão de dependentes, o filho também poderá ser inscrito como dependente, mas precisará cumprir os prazos de carência até poder ser atendido pelo plano.
É imperioso destacar ainda que o Superior Tribunal de Justiça acompanhou a melhor doutrina em sua decisão, acatando o entendimento de que a assistência gratuita ao recém-nascido pode ultrapassar o prazo de 30 (trinta) dias. São os casos em que o tratamento se inicia nos primeiros 30 (trinta) dias após o parto, mas precisa ser prorrogado.
Assim, depreende-se que a cobertura assistencial estende-se ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto ou enquanto durar o tratamento, desde que este seja iniciado dentro do prazo estabelecido em lei.
Segue a mencionada decisão do Superior Tribunal de Justiça, na íntegra:
DIREITO DO CONSUMIDOR. DEVER DE ASSISTÊNCIA AO NEONATO DURANTE OS TRINTA PRIMEIROS DIAS APÓS O SEU NASCIMENTO.
Quando o contrato de plano de saúde incluir atendimento obstétrico, a operadora tem o dever de prestar assistência ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto (art. 12, III, “a”, da Lei n. 9.656/1998), independentemente de a operadora ter autorizado a efetivação da cobertura, ter ou não custeado o parto, tampouco de inscrição do neonato como dependente nos trinta dias seguintes ao nascimento.
Inicialmente, o art. 12 da Lei n. 9.656/1998 prevê as modalidades de planos de saúde, na nomenclatura da lei, os segmentos, e, nessa extensão, os serviços mínimos compreendidos em cada uma das quatro modalidades estabelecidas. Na trilha do mecanismo desenvolvido pela citada lei, as operadoras de planos e seguros necessariamente oferecerão um serviço mínimo base, conforme descrito no art. 10 do citado diploma legal, e, a partir desse padrão (plano-referência), novos serviços poderão ser somados, agora tendo como referência as especificações das modalidades ou segmentações.
Conclui-se, portanto, que é facultativa a inclusão de atendimento obstétrico na contratação do plano-referência (art. 12, III, a, da Lei n. 9.656/1998), quando, então, deverá ser respeitada, dentre outras, a seguinte exigência mínima: “a) cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto;” Ainda, somada a essa cobertura, a lei assegura a possibilidade de inscrição do recém-nascido no plano ou seguro, como dependente, dispensado, inclusive o cumprimento dos períodos de carência e, aqui sim, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento (art. 12, III, b).
Como visto, a disposição da alínea a do inciso III do art.12 é absolutamente clara ao afirmar que a modalidade de plano que incluir atendimento obstétrico deve garantir, no mínimo, cobertura assistencial ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto, sem vincular essa prestação à prévia inscrição do recém-nascido no plano. Na verdade, a inscrição dentro dos trinta dias após o parto é condição, apenas, para que o filho se torne dependente do titular, pai ou mãe, sem a exigência das carências típicas, regulamentação, inclusive, a cargo da alínea b do mesmo inciso.
Com efeito, o sentido da norma sob análise pode ser alcançado a partir de sua própria literalidade. Ademais, é importante não perder de vista que as previsões da Lei n. 9.656/1998 devem ser interpretadas a partir dos princípios gerais e contratuais do CDC. Desse modo, o evento que garante e impõe a assistência ao recém-nascido – nos termos da lei – é a opção do filiado consumidor pela contratação de plano com atendimento obstétrico, e não o fato de o parto do recém-nascido ter sido custeado pela operadora do plano.
Inclusive, conforme entendimento doutrinário, há a necessidade de se compreender a cobertura ao recém-nascido em maior extensão e, nessa linha, defende que a lei merece reparos, apontando-os: “(…) pode ocorrer que o recém-nascido permaneça em tratamento por mais de trinta dias após o parto. Nos termos em que foi redigida, a norma permite que as operadoras transfiram a responsabilidade pelo custo do tratamento do recém-nascido para os pais ou responsável ultrapassado o prazo de trinta dias, quando não deve ser assim. Portanto, deve-se entender que a cobertura assistencial estende-se ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto ou enquanto durar o tratamento, se iniciado durante os primeiros trinta dias” (Grifo nosso) (REsp 1.269.757- MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/5/2016, DJe 31/5/2016).
Conclusão
Destarte, conclui-se que é indevida a recusa de prestar assistência gratuita ao recém-nascido nos primeiros trinta dias após seu nascimento. O mesmo se pode dizer quanto à continuidade do tratamento, desde que este tenha se iniciado dentro do referido prazo.
Para conhecer outras recusas indevidas, leia a dica “A abusividade presente nas negativas de cobertura pelos planos de saúde”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (ANS). Planos de Saúde: Guia Prático – dicas úteis para quem tem ou deseja ter um plano de saúde. 2013. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/20130308_guia_pratico_web.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2016. BRASIL. Lei n. 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9656.htm>. Acesso em: 12 ago. 2016. INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (IDEC). Planos de Saúde: Conheça seus direitos contra abusos e armadilhas. Disponível em: < http://www.idec.org.br/uploads/publicacoes/publicacoes/folheto-plano-saude.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2016. Superior Tribunal de Justiça. Informativo da Jurisprudência n. 584. Período: 27 de maio a 10 de junho de 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270584%27>. Acesso em: 12 ago. 2016. Imagem: Consultas de rotina do bebê: consultas com seu médico e o que esperar. Pampers. Disponível em: <http://www.pampers.com.br/recem-nascido/desenvolvimento/artigo/consultas-de-rotina-do-bebeconsultas-com-seu-medico-e-o-que-esperar>. Acesso em: 17 ago. 2016.