Primeiramente, faz-se necessário salientar que a doutrina conceitua a álea administrativa de forma diferenciada. Assim sendo, esse artigo está fundamentado nas disciplinas da posição doutrinária majoritária, as quais serão citados no decorrer do texto.
Os contratos administrativos são regidos pela Lei 8.666/93, que também os conceitua em seu art. 2°, parágrafo único:
Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
No Brasil, onde muitas são as responsabilidades do Estado na assistência à população, numeroso é o volume de licitações realizadas pelos entes administrativos. Em decorrência disso, diversos são os contratos firmados com pessoas jurídicas de direito privado, os quais nem sempre poderão ser concluídos da forma como as partes planejavam inicialmente.
É interessante lembrar que, da mesma forma como o direito civil busca a preservação do contrato, o direito administrativo também visa manter esses acordos. Todavia, a manutenção dos acordos nesse segundo ramo é ainda mais importante do que no primeiro, pois, em regra, a abrangência de seu objeto é bem maior e, quase sempre, fundamental para a sociedade.
A mutabilidade dos contratos administrativos é importante para a manutenção do equilíbrio financeiro existente à época da contratação. Consoante a doutrina de Maria Sylvia di Pietro, essa mutabilidade decorre tanto das cláusulas exorbitantes quanto de outras circunstâncias, como as teorias do fato do príncipe e da imprevisão.
A álea administrativa pode ser entendida como os riscos a serem tolerados pela Administração Pública. Assim sendo, ela responderá sozinha pela recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, uma vez que os acontecimentos não serão influenciados pelo contratado.
Na doutrina de Maria Sylvia di Pietro, identificamos três modalidades de álea administrativa, a saber: a alteração unilateral, o fato do príncipe e o fato da administração.
O primeiro diz respeito à possibilidade de a Administração alterar o contrato de forma unilateral, um privilégio que lhe é exclusivo. No entanto a própria Lei 8.666/93 confere limites a essa prerrogativa, sendo o primeiro a necessidade de a mudança ser a melhor para as finalidades de interesse público (art. 58) e o segundo a obrigatoriedade de a Administração restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial (art. 65).
O fato do príncipe acontece quando o equilíbrio do contrato é quebrado por força de ato ou medida instituída pelo próprio Estado e caracteriza-se como imprevisível, extracontratual e extraordinário, assim define José dos Santos. Nessa situação, uma autoridade pública, que não figure como parte no contrato, é autora de qualquer ato que incida reflexamente sobre o contrato ocasionando uma onerosidade excessiva ao particular.
Toma-se como exemplo a hipótese na qual uma medida de ordem geral dificulta a importação de matérias-primas fundamentais para a execução de uma obra já contratada pelo ente administrativo. Há divergência doutrinária quanto à possibilidade de sua aplicação quando a autoridade responsável pelo fato do príncipe for de outra esfera de governo, como um ato oriundo da União atingir um contrato realizado por um Estado-membro.
Por fim, o fato da administração se relaciona diretamente com o contrato, compreendendo qualquer conduta ou comportamento da Administração que, como parte contratual, pode tornar impossível a execução do contrato ou provocar seu desequilíbrio econômico. Dessa forma, devido à irregularidade do comportamento do Poder Público, o interesse público fica prejudicado, pois pode haver uma suspensão da execução do contrato ou uma paralisação definitiva por iniciativa do contratado, o qual não sofrerá sanções administrativas em decorrência disso.
Referências: PIETRO, Maria Zanella Sylvia di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2015. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2015.