Análise da Relação Trabalhista Existente entre Motoristas da Uber e a Empresa.
Alan Victor Neres Paixão1
1. Resumo
O aumento no uso e prestação de serviços de transporte de pessoas por meio do aplicativo Uber ensejou a um intenso debate acerta do seu funcionamento no País. Como se sabe, a empresa começou em São Francisco, Califórnia, EUA, em março de 2009, e hoje é uma das maiores multinacionais do mundo, com valor de mercado superior a 50 bilhões de dólares. Ao vir para o Brasil, em 2014, a Empresa foi bem recepcionada pelos usuários, ao contrário dos taxistas, que viram uma situação de concorrência desleal destes com os motoristas da Uber. Hoje, o serviço tem se espalhado pelo País, bem como a sua regulamentação, embora algumas cidades ainda optem por não discutir essa questão, tratando o serviço como marginal à legalidade. Não raro, são noticiados tumultos e agressões verbais ou físicas evolvendo taxistas e motoristas da Uber, o que torna o debate sobre a regulamentação destes ainda mais necessário.
Em vista disso, o presente escrito vem esclarecer algumas características concernentes à relação trabalhista entre os motoristas da Uber e a empresa, suas diferenças em relação aos taxistas, bem como seus pontos de semelhança. A importância de tal análise reside na necessidade de introdução dessa nova categoria ao ordenamento jurídico pátrio, com sua regulamentação, e na clareza e lisura dessa introdução, de modo a evitar controvérsias ainda maiores sobre o tema.
Por fim, o estudo conclui que o crescimento dos novos negócios como a Uber, e a garantia de condições que permitam que os negócios tradicionais, como o táxi, concorram igualmente com aqueles, demandam uma regulamentação mínima dos primeiros e uma “desregulamentação” dos segundos, buscando um equilíbrio entre ambos.
Palavras-chave: Uber. Táxi. Relação trabalhista. Regulamentação mínima. Desregulamentação
2. Introdução
Ao vertiginoso crescimento no mercado de economia compartilhada é atribuído um conjunto de fatores, como sua operação, que se dá pelas tecnologias recentemente desenvolvidas, que permitiram um acesso simples e facilitado pelos consumidores aos produtos ou serviços (já existentes no mercado ou novos) a baixo custo. É indubitável que este fator assumiu a vanguarda no modo de operacionalização de prestação de serviços, contudo, alguns de seus serviços não são novidades no mercado, mas já consolidado há tempos. É possível tomar como exemplo os serviços de hotelarias e os de transporte de pessoas e mercadorias. O problema parte da desestabilização de negócios tradicionais pelos novos negócios, intitulados, por esta razão, de negócios disruptivos. Nas palavras de Clayton M. Christensen, negócios disruptivos podem ser definidos como o processo no qual uma pequena empresa, com menos recursos é capaz de desafiar o negocio de empresas existentes e bem estabelecidas.2
Os efeitos práticos para este tipo de negócio são incontáveis, porém, esta exposição ater-se-á a discutir um efeito em específico, relacionado à empresa Uber de prestação de serviços de transporte e às questões trabalhistas ligadas a ela.
3. Relação Motorista da Uber/Empresa
A discussão orbita as seguintes perguntas: o que é o motorista da Uber? Que tipo de relação ele mantém com a empresa? Até onde, do ponto de vista jurídico, essas relações se estendem?
Apesar de serem várias questões, ab initio, tomaremos as duas últimas perguntas como derivações da primeira, pois nada pode ser feito com algo (seja uma matéria-prima ou uma ideia, um conceito) sem antes conhecer sua natureza.
À primeira vista, é fácil responder, ao menos, o que o motorista da Uber não é – não é empregado, dada a eventualidade do trabalho, como exemplo (vide art. 3º da CLT). Mas o que ele é exatamente?
Esta resposta, como será corroborado mais adiante, não é simples de ser visualizada sob a ótica da legislação brasileira.
Para ficar mais fácil de compreender as peculiaridades da relação entre motorista e a Uber, cabe fazer algumas comparações com a relação entre taxistas e os institutos que viabilizam o serviço de transportes de passageiros.
Falando inicialmente dos taxistas, a Lei nº 12.468/11 regulamentou a profissão, trazendo uma série de deveres e garantias aos trabalhadores, sejam autônomos ou que mantenham algum vínculo empregatício, como ocorre entre o motorista e o dono da placa do táxi, por exemplo.
Especial atenção seja dada aos taxistas autônomos, pois é este o caso ao qual o motorista da Uber mais se aproxima, quanto à natureza do modo como o serviço é prestado. No entanto, no que diz respeito a direitos como à previdência ou à representação sindical, há um lapso enorme entre as duas categorias.
Quanto aos provedores de serviço que utilizam a Uber, o que temos é um contrato de prestação de serviço, onde o contratado deve atender a alguns requisitos para garantir a qualidade do serviço, fazer alguns testes, e depois é só começar. A contratante fica com uma taxa que incide sobre cada corrida realizada, variando de acordo com o padrão do serviço (no UberBlack, 20% do valor de cada serviço vai para o aplicativo, e no UberX, 25%).3
Então está resolvido, como a relação é por contrato de prestação de serviço, é indiscutível a natureza civil do mesmo. Não há uma relação de trabalho aqui, tampouco vínculo empregatício, certo?
Nesse caso, ainda não.
4. Caracterizações do vínculo empregatício: entendimento das instituições brasileiras e da Uber.
O entendimento da Previdência Social e da Justiça Trabalhista é de que existe vínculo empregatício quando: a) o serviço prestado tem relação direta ou indireta com a atividade principal da empresa, e b) quando for prestado de forma continuada, o que elimina a eventualidade.4 No caso da Uber, podemos eliminar o segundo requisito, dada a eventualidade do serviço. Mas e o primeiro requisito? Os motoristas não são parte essencial na prestação do serviço da empresa?
É aqui que o problema começa a tomar forma.
Nos Termos de Uso e Acesso do aplicativo, a Uber faz questão de ligar a função caps lock para deixar claro o seguinte:
“A UBER NÃO PRESTA SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA, NEM FUNCIONA COMO TRANSPORTADORA, E QUE TODOS ESSES SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA SÃO PRESTADOS POR PRESTADORES TERCEIROS INDEPENDENTES QUE NÃO SÃO EMPREGADOS(AS) E NEM REPRESENTANTES DA UBER, NEM DE QUALQUER DE SUAS AFILIADAS.”5
Então, a Uber possui a característica – comum às empresas de prestação de serviços e, embora insuficiente, ao vínculo empregatício – de depender dos motoristas para prover o tipo de serviço que ela nega, expressamente, prestar?5
Sei que o ponto a que se chega foge à questão suscitada no início, mas é necessário para entender a penumbra que ainda encobre a resposta. Como vamos saber definir o motorista da Uber, se a própria definição desta gera controvérsias?
E é isso que há de mais interessante nos negócios disruptivos; a busca por entender uma lógica totalmente inovadora de fornecer um produto ou serviço já existente, ou até que nem existia antes das novas tecnologias.
Até o momento, o que se pode concluir preliminarmente é que: a Uber depende diretamente dos motoristas para prestar indiretamente um serviço de transportes em geral, embora ela negue em seus termos. Outra conclusão é de que, dentre os serviços de transporte em geral, o transporte particular de pessoas – como o UberBlack – coincide com o serviço dos taxistas, sendo o ponto comum entre ambos.
Só para ficar claro, o mérito da questão aqui é a natureza do serviço em si, e não a qualidade ou o modo como é prestado. No primeiro quesito, táxi e Uber se encontram.
5. Classificação dos motoristas da Uber e a importância de sua definição.
Voltando aos taxistas e aos motoristas da Uber, é visto que a precisa classificação destes encontra-se de forma imprecisa em um “degradê”, que vai de EMPREGADO até AUTÔNOMO. Essa gradação vai se acentuando conforme o grau de dependência entre o contratante e o contratado para o serviço. Para os taxistas, claro, todas as classificações estão bem demarcadas neste campo, mas para os motoristas da Uber ainda é, como vem sendo demonstrado, um mistério, pois é verificável características de trabalhador empregado e autônomo nesse caso.
Certamente, a importância de definir essa questão traduz-se na própria regulamentação do serviço prestado pelo aplicativo, naquilo que coincidir com o serviço dos taxistas.
6. Desburocratização dos serviços dos taxistas.
Por outro lado, por qual razão o serviço de táxi não poderia ser mais desburocratizado? O MPF, em nota, posicionou-se nesse sentido ao defender a regulamentação mínima do Uber e a desregulamentação do serviço de táxi.6
Em relação aos taxistas, a nota técnica orienta a desregulamentação progressiva do serviço de táxis, com a definição de critérios para o aumento gradativo do número do número de licenças, até atingir a livre entrada e saída de ofertantes do serviço no país e alcançar a livre concorrência na modalidade.7 Sobre a Uber, o MPF sugeriu ainda que a modalidade seria caracterizada como serviço remunerado de transporte de passageiros pré-agendados, por intermédio de veículos de aluguel para viagens individualizadas.8
7. Conclusão
Se esta parte da nota dá a tal resposta da pergunta inicial, entende-se que não. Os efeitos da atuação da Empresa no tempo, os decretos de regulamentação expedidos nos municípios e as decisões judiciais das lides envolvendo os motoristas que usam o aplicativo é que irão amadurecer a resposta, revelando o tratamento justo a ser dado a essa categoria e, claro, aos taxistas. Em suma, um estudo casuístico da questão mostrará o caminho.
Que seja dada a cada uma das categorias um par de luvas da mesma qualidade, para que possam lutar no ringue do livre mercado competitivo, onde o monopólio não decorra da excessiva regulamentação, tampouco da falta desta nos serviços. Que o êxito delas seja obtido pela inovação e pela qualidade dos serviços, mas sem deixar de reconhecer os direitos e deveres que garantem a segurança nas relações entre quem contrata, quem é contratado e quem faz uso do serviço prestado.
REFERÊNCIAS: RABAY, Dario; MARTINEZ, Aldo. Motoristas do Uber: Empregados ou Autônomos? Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/motoristas-do-uber-empregados-ou-autonomos/>. Acesso em: 10 set. 2016. BELLO, Sara; FORMIGAL, Margarida. O Serviço prestado pelos condutores da Uber: prestação de serviços ou contrato de trabalho? Disponível em: <http://www.sbadvogados.pt/uber-prestacao-de-servicos-ou-contrato-de-trabalho/>. Acesso em: 14 set. 2016.
FEOLA, Silvia. Uber X taxistas: o que a esquerda não vê. Disponível em: <http://brasil.estadao.com.br/blogs/cotidiano-transitivo/uber-x-taxistas-o-que-a-esquerda-nao-ve/>. Acesso em: 14 set. 2016 UBER. Termos e Condições. Disponível em: <https://www.uber.com/pt/legal/terms/br/>. Acesso em: 12 set. 2016. SEBRAE. Diferença entre Trabalhador Autônomo, Avulso e Temporário. Disponível em: <http://www.sebrae-sc.com.br/leis/default.asp?vcdtexto=758&%5E%5E>. Acesso em: 15 set. 2016. CRISTALDO, Heloisa. Em nota técnica, MPF defende regulamentação do Uber. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-08/em-nota-tecnica-mpf-defende-regulamentacao-do-uber>. Acesso em: 12 set. 2016. PINHO, Márcio. Haddad autoriza Uber em São Paulo. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/haddad-assina-decreto-e-libera-uber-em-sao-paulo.html>. Acesso em: 14 set. 2016. 1 Graduando do 3º semestre do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará 2 TORRAS, Paco. 6 – Três negócios disruptivos que resumem tudo. Panorama, 06 jan. 2016. Disponível em: https://panorama.com.br/2016/06/7-tres-negocios-disruptivos-que-resumem-tudo/ 3 GLOBO. Uber X Táxi. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/sao-paulo/2015/uber-x-taxi/ 4 SEBRAE. Diferença entre Trabalhador Autônomo, Avulso e Temporário. Disponível em: http://www.sebrae-sc.com.br/leis/default.asp?vcdtexto=758&%5E%5E 55 UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LDTA. Termos e Condições. Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/legal/terms/br/ 6 HELOISA CRISTALDO. Em nota técnica, MPF defende regulamentação do Uber. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-08/em-nota-tecnica-mpf-defende-regulamentacao-do-uber 7 Idem 8 Ibidem