A terminologia jurídica por vezes assusta. E outras vezes, os termos utilizados não são bem conhecidos ou bem empregados no cotidiano. A falta de conhecimento da legislação ou mesmo dos direitos individuais pode ter sérias consequências, desde o não entendimento adequado em um debate ou a não utilização correta no meio jurídico, causando a perda do direito.
No meio político, a situação é semelhante, visto que muitos não compreendem perfeitamente como se dá o processo de eleição para o legislativo ou como funciona a coalizão partidária. Também muitos conhecem o impeachment, embora não entendam bem como empregá-lo corretamente.
O impeachment é um processo que objetiva apurar e punir condutas antiéticas consideradas graves, e é instaurado processado e julgado pelo órgão legislativo, tendo como requerido um agente público, visando impedir que este continue no exercício de sua função.
A expressão impeachment é oriunda do inglês e significa impedimento, tendo raízes na Inglaterra do século XIII. Foi utilizado como forma de acusar, delatar crime ou violação de responsabilidade de funcionário do Estado. Era uma forma de o povo denunciar figuras de altos cargos por improbidade, atingindo também os súditos, autoridades e cidadãos comuns. Os casos eram investigados e decididos pelo Parlamento, não podendo o rei interferir. É um instituto que se consolidou nessa época, e foi aos poucos evoluindo para a concepção atual.
Esse instituto também existe de forma semelhante no sistema jurídico francês desde 1875, implantado na Constituição da França de 1946, sendo, todavia, um tribunal misto o responsável por julgar os acusados por crime de responsabilidade, formado por membros da Assembleia e por pessoas comuns, geralmente juízes membros do Judiciário.
Nos Estados Unidos, também foi inserido o instituto, herdado do sistema inglês, sendo que, enquanto na Inglaterra é um impeachment criminal, no modelo americano, tornou-se político. É considerado como instrumento de freios e contrapesos entre os Poderes, em especial entre o Legislativo e o Executivo.
No Brasil, a questão da responsabilidade já existia na própria Constituição de 1824, podendo os Ministros de Estado ser responsabilizados por seus atos. Foi-se evoluindo o instituto, tendo natureza jurídica política no período republicano.
Na legislação brasileira, a Lei 1.079/50 é a que define os crimes de responsabilidade e regula o processo de julgamento de tais crimes. Foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que inclusive referencia os crimes de responsabilidade e competência para processar e julgar tais crimes. Como exemplo, consta no texto constitucional:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
(…)
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
(…)
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
São diversas as situações em que se pode aferir o crime de responsabilidade, e é a Lei 1.079/50 que melhor estabelece essas questões. Ainda que simplesmente tentados, os crimes são passíveis da perda do cargo, com inabilitação de até cinco anos para exercício de função pública, conforme previsto em Lei.
O Presidente da República pode cometer crime de responsabilidade, ficando suscetível a processo de impeachment iniciado no Congresso, caso um de seus atos atentarem contra: a existência da União; o livre exercício do poder Legislativo, do poder Judiciário e dos poderes constitucionais estaduais; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária; a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, e o cumprimento das leis e decisões judiciárias, conforme o artigo 85, CRFB/88 e do artigo 4º, Lei 1.079/50. Pode qualquer cidadão ajuizar o pedido de impeachment do Presidente da República ou dos Ministros de Estado na Câmara.
Apenas os crimes de responsabilidade devem ser denunciados ao Congresso. Nos casos de crime comum, o Legislativo não tem competência para dar início à tramitação de processos de impeachment, tarefa que cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF).
É criada, a partir da denúncia, uma comissão especial para investigar o caso. Atendidas as exigências formais, um processo de impeachment requerido no Congresso tem início na Câmara, onde consultores analisam sua admissibilidade jurídica. Estando em conformidade, a demanda é então submetida ao presidente da Casa, que analisa o pedido.
A tramitação, para o acolhimento ou não da denúncia, depende inteiramente da Câmara. Se o voto de no mínimo, dois terços da Câmara dos Deputados, decidir pela instauração do impedimento, passa-se então para a fase de processo e julgamento do Presidente no Senado Federal.
Nesse caso, o presidente será suspenso e seu salário baixado à metade, mesmo que o julgamento não tenha sido iniciado. Caso tenham decorrido 180 dias e o julgamento não tenha sido concluído, o presidente retornará ao cargo, dando prosseguimento ao processo.
O que ocorre com a condenação é a confirmação do afastamento do Presidente, já sancionada pela Câmara dos Deputados, mais a aplicação da pena de inabilitação. Seria dar efeito permanente àquilo que era provisório.
Como visto, não somente o presidente pode ser acusado de crimes de responsabilidade, mas também, Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República, Governantes e Secretários dos Estados, cada um seguindo os conformes da Lei 1.079/50.
O impeachment é um modo de controle por parte da população de seus agentes públicos, sendo importante, porém, que se conheça o instituto para melhor aplicá-lo. Poder utilizar esse instituto é sinal de que se vive um sistema democrático de fato, em que todo cidadão tem voz, e que, sendo vontade da maioria, representada pela Câmara dos Deputados, seguir-se-á com o processo, conforme previsão legal.
REFERÊNCIAS: BRASIL, lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/cidadaos-pecam-ao-desconhecer-legislacao-do-impeachment/ http://jus.com.br/artigos/9653/impeachment-aplicavel-ao-presidente-da-republica/ http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/esclarecimento-tecnico-lei-1-079-a-do-impeachment-nao-tem-nada-a-ver-com-a-lista-de-janot-na-1-079-ate-voce-leitor-pode-ser-o-janot-ou-melhor-o-anti-janot/