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Administrativo

Chamamento público da lei 13.019/14 e a desburocratização das parcerias públicas com organizações da sociedade civil

Redação Direito Diário

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Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo estudar o novo processo licitatório, o chamamento público, trazido pela nova lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que trata do regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público, aqui chamado de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC. A lei entrará em vigor em meados de julho e os seus impactos serão importantes na práxis administrativa, uma vez que contribuirá para que parcerias público-privadas sejam facilitadas, além de trazer um regime jurídico compatível com o funcionamento das Organizações da Sociedade Civil. O método pesquisa utilizado foi analítico-dedutivo com base em leis, regulamentos e material doutrinário brasileiro de direito administrativo.

INTRODUÇÃO

Desde a redemocratização a sociedade civil organizada se expandiu. Proliferam-se as vulgarmente chamadas ONGs (Organizações Não-Governamentais) – que serão aqui denominadas OSCs (Organizações da Sociedade Civil) – que podem ser definidas como espaços institucionalizados de pessoas que se reúnem para realizar atividade de interesse público, sem fins lucrativos, que pode ter natureza cultural, esportiva, de saúde, assistencial etc. Incluído no Terceiro Setor², a sociedade civil organizada atua por meio de organizações da sociedade civil (OSCs), as quais prestam serviços de interesse público que constitucionalmente seriam da responsabilidade do Estado.

O presente artigo tem por objetivo estudar o novo processo licitatório, o chamamento público, trazido pela nova lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que trata do regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público, aqui chamado de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC. A lei entrará em vigor em meados de julho e os seus impactos serão importantes na práxis administrativa, uma vez que contribuirá para que parcerias público-privadas sejam facilitadas, além de trazer um regime jurídico compatível com o funcionamento das Organizações da Sociedade Civil.

O método pesquisa utilizado foi analítico-comparativo com base em leis, regulamentos e material doutrinário brasileiro de direito administrativo. Será realizado um estudo sobre a situação dos vínculos entre OSC e o Poder Público, comparando-se a situação atual com o regime que se iniciará com a entrada em vigor da nova legislação, em meados de 2015. Somado a isto, um juízo crítico sobre as novas previsões legais.

I. ESTADO DA ARTE: SITUAÇÃO ATUAL DA SELEÇÃO DE OSCS

Diante coincidência de objetos, tornou-se praxe o Poder Público e a sociedade civil organizada, por meio das OSCs, firmarem acordos de atuação conjunta a fim de executar políticas públicas de forma mais eficiente. Entretanto, por muito tempo não houve regulamentação específica deste vínculo institucional para repasse de verbas públicas às OSCs, o que fez com que fosse aplicado o regime dos convênios³ previsto no DL. 200/67, que disciplina o repasse de recursos financeiros da administração pública federal para entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal e para as entidades privadas sem fins lucrativos, aplicando-se ainda a lei 8.666/93, por força do art. 116 desta, no que couber. Na definição consagrada por Hely Lopes Meirelles, convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes.⁴ O convênio é tradado majoritariamente como acordo, e não como contrato, em razão de sua inerente precariedade.⁵ Há, aliás, julgados do STF neste sentido.⁶

Contudo, o modelo se mostrou inadequado à realidade do Terceiro Setor, pois o convênio foi estruturado tendo em vista convênios públicos entre entes da Administração Pública direta ou indireta, que, evidentemente, têm suas peculiaridades burocráticas e institucionais. Exemplos disso são a rigidez para execução do projeto e a complexidade na prestação de contas, incompatíveis com o funcionamento das organizações do Terceiro Setor.

Outro entrave é o processo de cadastramento para a realização de convênio. É necessário o cadastramento prévio das OSCs no Registro do Conselho de Assistência Social e a obtenção do Certificado de Fins Filantrópicos.⁷ Para que o registro seja concedido, as OSCs devem comprovar que aplica suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente no território nacional e na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais; que não percebem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalentes remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; que, em caso de dissolução ou extinção, destina o eventual patrimônio remanescente a entidade congênere registrada no CNAS ou a entidade pública. Por fim, ainda devem apresentar seus contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos inscritos junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o disposto no artigo 16 do Código Civil e devidamente aprovados pelo Ministério Público.⁸

Após o registro junto ao CNAS, as OSCs devem obter o Certificado de Fins Filantrópicos, conforme a Resolução MPAS/CNAS n° 177, de 10 de agosto de 2000, que exige a demonstração, nos três anos imediatamente anteriores ao requerimento, cumulativamente: estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento; estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do município de sua sede, se houver, ou no Conselho Estadual de Assistência Social, ou Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; estar previamente registrada no CNAS; seja declarada de utilidade pública federal, conforme o Decreto 3.504 / 2000; entre outros requisitos.

Além de toda a burocracia existente para que a OSC esteja habilitada para firmar o convênio, a prestação de contas que a entidade deverá realizar – que hoje tem por base o Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007 – vem sendo há muito tempo alvo de críticas. Burocrática, inflexível e complexa, a legislação não foi pensada para atender as peculiaridades do Terceiro Setor, além de ser inadequada para a realidade operacional das OSCs e gerar obstáculos demasiadamente onerosos para o acerto entre Poder Público e sociedade civil organizada, desestimulando parcerias.

II. NOVO MARCO REGULATÓRIO

A mudança já pode ser fortemente sentida com o novo sistema de seleção de OSCs parceiras. O procedimento atual de seleção de OSC para a realização de parcerias é um desestimulante às parcerias públicas com a sociedade civil. Embora a obrigatoriedade ou não de licitação para que seja firmado convênio entre o Poder Público e organizações do Terceiro Setor seja matéria de muita discussão na doutrina⁹, é seguro afirmar que, havendo mais uma OSC interessada em acertar parceria com a Administração, será necessário seguir o rito estabelecido pela lei 8.666/93 para a escolha da parceira, a fim de assegurar a isonomia, a moralidade, a impessoalidade e a publicidade no processo de seleção.¹⁰

Ou seja, havendo possibilidade de concorrência entre OSCs para a celebração de parceria, a Administração Pública deverá seguir o rito de uma concorrência, de uma tomada de preços ou de um convite. Evidentemente, há um desajuste com a realidade, já que OSCs não deveriam ser tratadas com empresas, cujos fins são lucrativos, como as que disputam as licitações nos moldes da lei 8.666/93. As implicações negativas também se afiguram no cotidiano das parcerias públicas com OSCs, diante da demora do processo de seleção e do desajuste dos critérios de seleção com a implementação eficiente de políticas públicas.

Enfim superando as deficiências da legislação vigente, a lei 13.019/14 traz uma nova modalidade de licitação específica para a seleção de OSCs: o chamamento público. O próprio art. 2ª, inc. XII, da lei o define como procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

O procedimento do chamamento público é disciplinado nos arts. 23 a 32 do MRSOC. O art. 23 determina que a administração pública deverá adotar procedimentos claros, objetivos, simplificados e, sempre que possível, padronizados, que orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos órgãos da administração pública, independentemente da modalidade de parceria prevista nesta Lei. Em primeiro momento já se percebe o perfil diferenciado, em comparação à Lei Geral de Licitações. A preocupação da nova legislação é o acesso amplo e democrático da sociedade civil ao Estado, trazendo a sociedade civil organizada para o lado do Poder Público na implementação de políticas públicas e tratando-a distintamente de uma empresa, que vê nos contratos basicamente um meio de lucro.

Portanto, a inovação é muito bem-vinda, pois trata as Organizações da Sociedade Civil com o devido apreço. Diferentemente de uma empresa com fins lucrativos, os objetivos da sociedade civil são paralelos àqueles do Estado, quais sejam: justiça social, proteção ambiental, bem-estar social, redução de desigualdades etc. Enquanto uma empresa privada prima pelo lucro, face ao ambiente competitivo de que faz parte, uma OSC tem sua atividade muito mais próxima àquela típica do Estado, voltada à implementação de atividades de interesse público. Diante desta diferença, nada mais compatível do que um regime próprio de seleção que reconheça tais distinções e mitigue distorções no processo seletivo.

Ainda no art. 23, o parágrafo único determina que, sempre que possível, a administração pública estabelecerá critérios e indicadores padronizados a serem seguidos, especialmente quanto aos objetos, às metas, aos métodos, aos custos, ao plano de trabalho e aos indicadores, quantitativos e qualitativos, de avaliação de resultados. A preocupação em estabelecer critérios claros de seleção brotou da própria sociedade civil organizada que durante a mais de uma década de tramitação lutou para que fossem estabelecidas normas mais seguras para evitar mal-entendidos nas prestações de contas ou na avaliação de resultados, em razão da frequente nebulosidade de editais de licitação e de contratos de convênio. O resultado da falta de clareza foram prestações de contas insuficientes e muita dificuldade na mensuração dos resultados. Além de facilitar a fiscalização da execução do serviço, a inovação legal também foi fruto de uma política preventiva contra corrupção, como a que ensejou a CPI das ONGs.¹¹

Outra grande preocupação da nova lei é a eficácia das intervenções ensejadas pela parceria, ou seja, a obtenção de resultados efetivos pela parceria entre OSC e Administração Pública. A própria topografia da lei deixa isto claro quando já no caput do art. 24, que defina que a Administração Pública deverá realizar chamamento público para selecionar organizações da sociedade civil que torne mais eficaz a execução do objeto. Convém deixar claro que no modelo de convênio a preocupação com resultados também existia, o que o distingue do novo modelo é a ênfase nos resultados e os meios pelos quais eles são atingidos e avaliados.

Antes a preocupação contábil e a boa gestão dos recursos eram os focos. Contudo, no modelo de convênio, o bom uso do dinheiro público, as regras rígidas e o regime de fiscalização provocava (e ainda provoca) um engessamento que não raro feria de morte da atuação das OSCs. Com a lei 13.019/14, o foco mudou para os resultados e para os meios de mensurá-los.

Avançando no estudo, o parágrafo primeiro do art. 24 traz as especificações

mínimas que deverão estar no edital do chamamento público, quais sejam: a programação orçamentária que autoriza e fundamenta a celebração da parceria; o tipo de parceria a ser celebrada; o objeto da parceria; as datas, os prazos, as condições, o local e a forma de apresentação das propostas; as datas e os critérios objetivos de seleção e julgamento das propostas, inclusive no que se refere à metodologia de pontuação e ao peso atribuído a cada um dos critérios estabelecidos, se for o caso; o valor previsto para a realização do objeto. Por fim, exigir-se-á que a OSC possua pelo menos três anos de existência, experiência para executar o objeto e capacidade técnica e operacional. Traçando-se um paralelo deste último tópico com as exigências legais para firmar um convênio, a simplificação fica evidente, além da dispensa de habilitação prévia que antes era necessária.

Acertadamente, a competitividade também é um valor apreciado pela nova legislação. O parágrafo segundo do mesmo artigo traz a vedação a atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos concorrentes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto da parceria. O caráter competitivo é fundamental para a moralidade e a impessoalidade na administração da coisa pública. Caso o Poder Público vislumbre uma parceria com a sociedade civil organizada para implementar políticas públicas, deverá ser realizado o processo licitatório idôneo, sob pena de ferir os princípios constitucionais da Administração Pública.

Em caso de ser inviável a competição entre as Organizações da Sociedade Civil, em razão da natureza singular do objeto do plano de trabalho ou quando as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica, o chamamento público será inexigível, conforme dispõe o art. 31. Ainda é facultado pelo art. 30 ao administrador público dispensar o procedimento de seleção nos seguintes casos: urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público realizadas no âmbito de parceria já celebrada; guerra ou grave perturbação da ordem pública; e quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança. Esta última hipótese se mostra deveras abrangente, exigindo uma interpretação restrita, a fim de preservar a transparência e a legalidade na gestão pública.

Portanto, quaisquer parcerias entre Poder Público e OSCs serão precedidas de chamamento público, salvo aquelas hipóteses previstas em lei, como nos casos de dispensa e de inexigibilidade, quando a ausência de realização de processo seletivo será detalhadamente justificada pelo administrador público. Vale observar que o legislador utilizou a expressão ‘detalhadamente’ no caput do art. 32 da lei 13.019/14.12 Examinando o art. 26 da lei 8.666/94,13 percebe-se que o legislador aqui não utilizou a mesma expressão, dizendo apenas “necessariamente justificadas”. Onde o legislador fez distinção, cabe ao intérprete também fazê-lo no momento de interpretar e aplicar o Direito. Portanto, a justificativa para dispensa ou inexigibilidade deverá se cabalmente fundamentada, até mesmo mencionando as circunstâncias de fato que a ensejaram, não bastando a mera menção da hipótese e sua subsunção.

Outra inovação da lei 13.019/14, prevista no art. 25, é a atuação em rede por duas ou mais organizações da sociedade civil para a execução de iniciativas agregadoras de pequenos projetos, mantida a integral responsabilidade da organização celebrante do termo de fomento ou de colaboração. É interessantíssima a disposição por viabilizar uma atuação conjunta e coordenada entre diversas entidades, permitindo que o agregado de diversos projetos provoque um impacto difuso. Ressalte-se que apenas uma OSC será parceira da Administração Pública, devendo esta articular a aplicação das verbas liberadas e a execução das ações, respondendo pela prestação de contas e pelos resultados atingidos.

Quanto à publicidade, determina o art. 26 que o edital deverá ser amplamente divulgado em página do sítio oficial do órgão ou entidade na Internet. Além dos editais, as parcerias celebradas por pessoas jurídicas de direito público interno e as entidades personalizadas da Administração Pública poderão criar portal único na Internet que reúna as informações sobre todas as parcerias por elas celebradas. Sem dúvidas a disponibilização virtual de informações é instrumento de grande valia para a transparência do certame licitatório, da execução das parcerias e do uso dos recursos públicos.

Enfim chegando ao julgamento em si das propostas, o legislador tratou de destacar no art. 27 que o grau de adequação da proposta aos objetivos específicos do programa ou ação em que se insere o tipo de parceria e ao valor de referência constante do chamamento público é critério obrigatório de julgamento. As propostas serão julgadas por comissão de seleção previamente designada, nos termos do inciso X do art. 2º, composta por agentes públicos, designados por ato publicado em meio oficial de comunicação, sendo, pelo menos, 2/3 (dois terços) de seus membros servidores ocupantes de cargos permanentes do quadro de pessoal da administração pública realizadora do chamamento público.

Realizado o julgamento, o resultado será homologado e divulgado em sítio oficial. Somente depois de encerrada a etapa competitiva e ordenadas as propostas, a administração pública procederá à verificação dos documentos que comprovem que a OSC possui pelo menos três anos de existência, experiências para executar o objeto e capacidade técnica e operacional, conforme o inciso VII do § 1o do art. 24. Não atendidas as exigências do processo de seleção, determina o § 1º do art. 28 que a organização imediatamente mais bem classificada será chamada para firmar a parceria, devendo igualmente comprovar o atendimento às imposições supracitadas.

Previamente ao chamamento público, será possível ocorrer o Procedimento de Manifestação de Interesse Social, arts. 18 e ss., como instrumento por meio do qual as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos poderão apresentar propostas ao poder público para que este avalie a possibilidade de realização de um chamamento público objetivando a celebração de parceria. O instituto abre grande margem para a participação ativa da sociedade civil na construção de políticas públicas, viabilizando que áreas marginalizadas pelo Poder Público se tornem alvo de intervenções pelo Estado graças à iniciativa da própria sociedade. A proposta será encaminhada com a identificação do subscritor da proposta, a indicação do interesse público envolvido e o diagnóstico da realidade que se quer modificar, aprimorar ou desenvolver e, quando possível, indicação da viabilidade, dos custos, dos benefícios e dos prazos de execução da ação pretendida. A proposta deverá ser tornada pública em sítio eletrônico oficial, podendo ser realizadas audiências públicas sobre o tema. Com a proposta, será discricionário à Administração Pública a realização ou não do chamamento público.

Porém, surgem alguns questionamentos sobre o procedimento de chamamento público. Primeiro, em contrapartida a maior nitidez sobre o objeto, a seleção do parceiro estará sujeita a maior subjetividade do que em um procedimento licitatório comum.

Afinal, o novo modus operandi não poderá se basear em critérios tão claros como menor preço ou maior lance. Embora o fator financeiro deva ser evidentemente observado, a aptidão para a execução da política pública e a proximidade com o contexto social sob intervenção devem ser os fatores-chave.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do estudo realizado, conclui-se que a lei 13.019/14 surge como uma tentativa de solucionar um problema regulamentar de longa data. Desde a redemocratização, quando a atividade da sociedade civil organizada se intensificou, o legislador vem buscando formas de dar mais segurança jurídica, eficiência e transparência às parcerias firmadas entre a Administração Pública e o Terceiro Setor, desde as reformas administrativas dos anos 90 até o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, em 31 de julho de 2014, que aqui foi analisado.

A nova legislação atende uma série de demandas do próprio setor da sociedade civil organizada, como a desburocratização da celebração de parcerias com a Administração Pública, a maior segurança jurídica sobre o acordo firmado e a ampliação das vias de participação popular na implementação de políticas públicas. A forte preocupação com a obtenção das metas vislumbradas é outro ponto relevante na nova legislação.

Sem sombra de dúvidas, o novo MROSC traz uma grande contribuição para viabilizar novas parcerias e permitir que os serviços sejam prestados com maior eficácia e efetividade. A participação da sociedade na implementação de políticas públicas é certamente muito bem-vinda não só por viabilizar mais participação social na implementação de políticas públicas, como também por contribuir para que as normas programáticas da Constituição sejam cumpridas da forma mais satisfatória possível.


Notas

2 O Primeiro Setor é o Estado, enquanto o mercado é o Segundo Setor. Por varias entidades não se encaixaram em nenhum dos dois primeiros, criou-se a classificação “Terceiro Setor”. Na definição de Gustavo Justino de Oliveira, Terceiro Setor “é o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por organizações privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e privados).” OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Gestão privada de recursos públicos para fins públicos: o modelo das OSCIP. In: _____. Terceiro setor, empresas e Estado: novas fronteiras entre o público e o privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 217.

3 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Convênios e outros repasses. Brasília: TCU, 2009, p. 15: É o acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros dos Orçamentos da União visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação, e tenha como partícipes, de um lado, órgão da administração pública federal direta, autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e, de outro, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos.

4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 407.

5 VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 240 e ss.

6 Vale analisar o RE nº 119.256-9/SP, de 14 de abril de 1992, Rel. Min. Moreira Alves.

7 Instruções Normativas da  Secretaria do Tesouro Nacional  nº 1/97.

8 Resolução MPAS/CNAS nº 31, de 24 de fevereiro de 1999.

9 VIOLIN, Tarso Cabral. Op. Cit., 2010, pp. 244-5.

10 VIOLIN, Tarso Cabral. Op. Cit., 2010, pp. 245-6.

11 BRASIL. Relatório final da CPI “das ONGs”. Disponível: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194594/CPIongs.pdf?sequence=6>. Acesso em: 23 de dezembro de 2014.

12 Lei 13.019/14: Art. 32. Nas hipóteses dos arts. 30 e 31 desta Lei, a ausência de realização de processo seletivo será detalhadamente justificada pelo administrador público.

13 Lei 8.666/93: Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.


Referencias

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Convênios e outros repasses. Brasília: TCU, 2009.

________. Relatório final da CPI “das ONGs”. Disponível: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194594/CPIongs.pdf?sequence=6>. Acesso em: 23 de dezembro de 2014.

FERRAREZI, Elisabete. Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP: a lei 9.790 como alternativa para o terceiro setor. Brasília: Comunidade Solidária, 2001.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2012.

OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Gestão privada de recursos públicos para fins públicos: o modelo das OSCIP. In: _____. Terceiro setor, empresas e Estado: novas fronteiras entre o público e o privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

 

Administrativo

Peculato: você sabe o que é isso?

Redação Direito Diário

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peculato

Atualmente, é comum a mídia fazer referência ao crime de peculato, tendo em vista, infelizmente, os frequentes casos de desvio de dinheiro no país. Dessa forma, torna-se necessário entender melhor esse tipo penal, a fim de que não existam dúvidas sobre o que é incriminado por ele.

Inicialmente, cabe explicar o significado da palavra peculato: ela encontra sua origem no Direito Romano, época em que a subtração de bens pertencentes ao Estado era chamada de peculatus ou depeculatus.

Como anteriormente ainda não havia a moeda como símbolo de comercialização, o patrimônio estatal era composto, assim, por bois e carneiros (pecus), representando a riqueza pública por excelência.

O tipo em epígrafe localiza-se dentro do Título XI – Dos crimes contra a Administração Pública e do Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral.

Assim, o sujeito ativo do crime é próprio, só podendo ser praticado por funcionário público, porém a participação ou coautoria de outro agente o qual não seja funcionário, mas que conheça a condição do autor possibilita a comunicação da elementar do crime.

Destacam-se, nessa oportunidade, os tipos dos artigos 312 e 313 do Código Penal:

Peculato

Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato culposo

2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Peculato mediante erro de outrem

Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O artigo 312 em seu caput descreve, primeiramente, o peculato na modalidade apropriação o qual se relaciona com o tipo do artigo 168 do Código Penal (apropriação indébita). O agente passa a se comportar como proprietário do dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, que antes era apenas possuidor. Ressalta-se que esta posse deve estar relacionada ao cargo do agente, faz, assim, uso do cargo para obter a posse.

Ainda no caput é previsto o peculato-desvio. O sujeito desse crime confere à coisa destinação diversa da inicialmente prevista, tendo como finalidade algum proveito próprio ou de terceiro. Essa modalidade de peculato é o exemplo clássico, sendo o caso, por exemplo, de dar destinação diversa as verbas públicas, beneficiando-se de alguma forma.

Já o parágrafo primeiro é a modalidade do crime em questão a qual a doutrina nomeia como peculato-furto. O agente não tem a posse do bem, mas a sua posição de funcionário público lhe proporciona uma situação mais favorável para a subtração dela.

A segunda parte da modalidade, peculato-furto, exige o concurso necessário, haja vista que a atuação do funcionário restringe-se à concorrência dolosa para a subtração efetuada por terceira pessoa.

Há também o peculato-culposo, o qual é uma exceção a teoria monista, uma vez que estão, necessariamente, presente pelo menos dois agentes: o funcionário que responde pela modalidade culposa e a pessoa que está cometendo delito dolosamente.

Neste caso, o funcionário infringe o dever de cuidado objetivo, inerente aos crimes culposos, deixando de vigiar, como deveria, os bens da Administração que estão sob sua tutela.

Ainda sobre o tema, cabe destacar o artigo 313 do Código Penal mais conhecido como peculato-estelionato. O funcionário público apropria-se, indevidamente, de dinheiro ou qualquer outra utilidade, prevalecendo-se de sua função, mediante o aproveitamento ou manutenção do erro de outrem. O erro é a falsa percepção da realidade pela vítima.

O peculato segundo o entendimento dos tribunais superiores

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça não entende como possível a aplicação do princípio da insignificância nos casos de crimes contra a Administração Pública, incluindo-se o peculato, havendo, inclusive, entendimento sumulado sobre o assunto.

O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. (SÚMULA 599, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017)

Além disso, veja-se julgamento recente:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PECULATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 599/STJ.

Apesar de o bem subtraído ser avaliado em R$ 35,00, o delito foi praticado contra Administração Pública, em que houve o valoração negativa dos maus antecedentes e ainda o reconhecimento da reincidência, o que obsta o reconhecimento da atipicidade material, consoante a Súmula 599/STJ (“O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.”) 2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp n. 2.067.513/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)

    Já o Supremo Tribunal Federal reconhece a aplicação desse princípio, como causa de exclusão da tipicidade, havendo, contudo, necessidade de identificar no caso concreto os vetores que legitimam o reconhecimento do fato insignificante.

    E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA – RELAÇÕES DESSA CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SUA DIMENSÃO MATERIAL COM OS PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO EM MATÉRIA PENAL – NECESSIDADE DE CONCRETA IDENTIFICAÇÃO, EM CADA SITUAÇÃO OCORRENTE, DOS VETORES QUE LEGITIMAM O RECONHECIMENTO DO FATO INSIGNIFICANTE (HC 84.412/SP, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) – DOUTRINA – PRECEDENTES – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ART. 68 DA LEI N. 9.605/98) – INOCORRÊNCIA, NO CASO, DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

    (HC 150147 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12-04-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 23-04-2019 PUBLIC 24-04-2019)

    EMENTA: AÇÃO PENAL. Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.


    (HC 112388, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21-08-2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 13-09-2012 PUBLIC 14-09-2012)

    Veja aqui um pouco mais sobre a (In)Aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos Crimes Contra a Administração Pública.

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    Artigos

    O que é o poder de polícia?

    Redação Direito Diário

    Publicado

    em

    Poder de polícia

    Apesar do nome, o poder de polícia não está diretamente relacionado à atividade dos policiais. Em vez disso, trata-se de um conceito fundamental no direito administrativo, ligado à capacidade do Estado de limitar ou condicionar a liberdade e a propriedade privadas para proteger o interesse público.

    A administração pública tem como um de seus princípios basilares a supremacia do interesse público sobre o particular. Isso garante a observância da ordem das relações sociais, assegurando que a coletividade e o bem comum não sejam prejudicados pelo interesse individual.

    Nesse sentido, os poderes administrativos são os instrumentos pelos quais a Administração Pública exerce suas funções e atinge seus objetivos. Dentre esses poderes, destacam-se o poder hierárquico, o poder disciplinar, o poder regulamentar e, finalmente, o poder de polícia.

    Poderes Administrativos

    O poder hierárquico se refere à estrutura organizacional da Administração Pública, estabelecendo uma relação de subordinação entre os diversos níveis da hierarquia administrativa. Por meio dele, a autoridade superior pode dar ordens, fiscalizar, coordenar e corrigir as atividades dos subordinados, garantindo a eficácia e eficiência na prestação dos serviços públicos.

    Já o poder disciplinar permite à Administração Pública aplicar sanções aos servidores públicos que cometam infrações funcionais. O objetivo é manter a ordem, a disciplina e a ética no serviço público, assegurando que os servidores cumpram suas obrigações e ajam de acordo com os princípios da administração.

    Enquanto isso, o poder regulamentar poder autoriza a Administração Pública a elaborar normas complementares às leis, de modo a facilitar sua execução e garantir seu cumprimento. Através de decretos, portarias e instruções normativas, a Administração pode detalhar as disposições legais, adaptando-as às necessidades práticas da gestão pública.

    Por fim, o poder de polícia é a capacidade da Administração Pública de intervir na esfera privada para proteger o interesse público. Esse poder se manifesta através de atos administrativos que impõem restrições, condições ou proibições ao exercício de direitos individuais, visando à preservação da ordem pública, da saúde, da segurança, da moralidade, do meio ambiente e de outros valores coletivos.

    Veja aqui um pouco sobre os atos administrativos.

    O Poder de Polícia

    Esse poder consiste em uma ferramenta para frear ou reprimir abuso dos direitos individuais. Ele é aplicado, por exemplo, quando o indivíduo recebe uma multa de trânsito, tem sua atividade comercial interditada, sua obra paralisada. Tudo isso para que o bem estar, a saúde, os direitos e bens coletivos não sejam prejudicados. O seu fundamento está na Constituição Federal e nas normas de ordem pública.

    Pode ser preventivo, quando é usado de forma a evitar ações particulares que prejudiquem a coletividade, ou repressivo, se pune ações que já foram concretizadas. Também pode ser utilizado tanto na esfera administrativa quanto na judiciária. Na primeira esfera o objetivo é a manutenção da ordem pública geral, impedindo a violação de leis. Já na segunda esfera o objetivo concentra-se em reprimir a violação de leis, através de órgãos especializados como a polícia civil e militar.

    A administração pública pode pôr em prática as suas decisões sem precisar recorrer ao Poder Judiciário. É o que se chama de autoexecutoriedade. Todavia, a Lei impõe limites quando à competência, forma, fins e objeto, que devem ser respeitados. O poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público, respeitando o princípio da proporcionalidade. Isso significa que não se pode ir além do que é necessário para que o fim seja alcançado.

    O ato de polícia deve ser justo e necessário, sem se tornar arbitrário. É justo quando há uma proporção entre o dano coletivo a ser evitado e o direito individual. Se o indivíduo acredita que o ato foi arbitrário e desarrazoado, pode pleitear em juízo o reconhecimento disso com a consequente reparação necessária, seja moral ou material.

    Poder de Polícia na Jurisprudência

    O Superior Tribunal de Justiça publicou súmula sobre a fiscalização dos Conselhos Regionais de Farmácia que mostra o exercício do poder de polícia. Vejamos:

    Enunciado: Os Conselhos Regionais de Farmácia possuem atribuição para fiscalizar e autuar as farmácias e drogarias quanto ao cumprimento da exigência de manter profissional legalmente habilitado (farmacêutico) durante todo o período de funcionamento dos respectivos estabelecimentos. (SÚMULA 561, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2015, DJe 15/12/2015)

    Podemos ver também o que diz o Supremo Tribunal Federal quando julga temas que envolvem o poder de polícia:

    Súmula 397

    Aprovação: 03/04/1964

    Ramo do Direito: Processual Penal

    Enunciado

    poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.

    Veja ainda esse julgado, em que a Corte Suprema decidiu pela possibilidade de delegação do poder de polícia por meio de lei a entidades administrativas de direito privado. :

    EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 532. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA E DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AFASTADAS. PODER DE POLÍCIA. TEORIA DO CICLO DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ATUAÇÃO PRÓPRIA DO ESTADO. CAPITAL MAJORITARIAMENTE PÚBLICO. REGIME NÃO CONCORRENCIAL. CONSTITUCIONALIDADE. NECESSIDADE DE LEI FORMAL ESPECÍFICA PARA DELEGAÇÃO. CONTROLE DE ABUSOS E DESVIOS POR MEIO DO DEVIDO PROCESSO. CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO IRREGULAR. INDELEGABILIDADE DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.

    1. O Plenário deste Supremo Tribunal reconheceu repercussão geral ao thema decidendum, veiculado nos autos destes recursos extraordinários, referente à definição da compatibilidade constitucional da delegação do poder de polícia administrativa a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta prestadoras de serviço público.

    2. poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Em sentido estrito, poder de polícia caracteriza uma atividade administrativa, que consubstancia verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de delimitar a liberdade e a propriedade.

    3. A teoria do ciclo de polícia demonstra que o poder de polícia se desenvolve em quatro fases, cada uma correspondendo a um modo de atuação estatal: (i) a ordem de polícia, (ii) o consentimento de polícia, (iii) a fiscalização de polícia e (iv) a sanção de polícia. […]

    13. Repercussão geral constitucional que assenta a seguinte tese objetiva: “É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.
    (RE 633782. Órgão julgador: Tribunal Pleno Relator(a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 26/10/2020 Publicação: 25/11/2020)

    O poder de polícia, em suma, é necessário para manter a boa ordem da sociedade, além de preservar o interesse público, devendo cada questão ser tratada com a particularidade que lhe for condizente. Contudo, não pode o ato público invadir a esfera do direito particular, prejudicando o indivíduo sob o argumento da proteção da sociedade. A linha é tênue, vista apenas caso a caso, mas, se ultrapassada, gera reparação de danos.

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    BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
    Direito Administrativo Brasileiro. 40ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
    Imagem: pixabay

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    Administrativo

    Diferenças entre Motivo e Motivação dos Atos Administrativos

    Redação Direito Diário

    Publicado

    em

    motivação dos atos administrativos

    Por serem palavras comuns na linguagem diária, assumindo, em alguns contextos, até mesmo significados idênticos, motivo e motivação, quando estudados na doutrina administrativista podem confundir algumas pessoas.

    Ocorre que a diferença é bem simples e aqui vão algumas dicas para não fazer confusão:

    Motivo é pressuposto, elemento, requisito do ato administrativo. Sua existência, portanto, é intrinsecamente ligada à existência da própria manifestação unilateral regida pelas normas do Direito Público que caracteriza o ato administrativo. Em dados momentos, o motivo é vinculado por lei e em outros ele é discricionário, assim como o objeto do ato. Assim, o motivo é o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo.

    Já a motivação dos atos administrativos diz respeito à exteriorização ou não dos motivos do ato. Sua razão de ser está mais ligada ao elemento forma que ao elemento motivo, uma vez que a exteriorização, por escrito, dos motivos do ato condiz com a maneira com a qual ele se apresenta aos administrados e ao mundo jurídico: ou seja, com exposição de motivos ou não. É em por conta disso que a falta de motivação em atos para os quais ela é exigida configura vício de forma. A lei 9784, que versa sobre o Processo Administrativo na esfera federal elenca alguns dos atos para os quais é exigida a motivação. Veja-se:

    Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

    I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

    II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

    III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

    IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

    V – decidam recursos administrativos;

    VI – decorram de reexame de ofício;

    VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

    VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

    1oA motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

    2oNa solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

    3oA motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

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