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A evolução da Justiça Internacional e o conflito entre Tribunais Nacionais e Tribunais Internacionais
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 por Ingrid CarvalhoRESUMO
A presente obra visa analisar alguns apontamentos acerca dos conflitos de competência existente entre Tribunais Internacionais e Tribunais Internos. Inicialmente, analisou-se o que exatamente são os Tribunais Internacionais e como se deu a proliferação deles historicamente. Ao fim, verificou-se que, apesar dos avanços, ainda há alguns problemas específicos no que tange à aceitação dos Estados das decisões proferidas em âmbito internacional. As fontes de pesquisa foram, basicamente, bibliográficas: livros e artigos acadêmicos.
Palavras-chave: Tribunais Internacionais; Jurisdicionalização; Conflito de Competência; Direito Internacional.
ABSTRACT
This work aims to analyze some notes about the conflict of jurisdiction between International Courts and Domestic Courts. Initially, it was analyzed what exactly are the International Tribunals and how was the proliferation of them historically. At the end, it was found that, despite progress, there are still some specific problems regarding the acceptance of States of the decisions taken at the international level. Research sources were basically literature: books and academic articles.
Key-words: International Courts; Jurisdictionalization; Conflict of Jurisdiction; International Law.
1. INTRODUÇÃO
Para um órgão ser considerado um Tribunal Internacional deve obedecer alguns critérios. Porém, há polêmica doutrinária acerca de quais seriam os melhores.
Para o doutrinador britânico Ian Brownlie, basta que o órgão conheça questões jurídicas não susceptíveis de decisão pelas jurisdições nacionais, incluindo no conceito órgãos jurisdicionais provisórios ou administrativos[1].
Para Paulo Borba Casella, deve ser uma instituição permanente que julgue conflitos com base no Direito Internacional e em um processo estabelecido e com sentenças obrigatórias às partes[2].
Wagner Menezes estabelece ainda mais critérios, indicando que os Tribunais Internacionais devem ser “órgãos autônomos, dotados de poder jurisdicional conferido pelos Estados, com competência para dirimir sob a égide do Direito Internacional questões ligadas à sua aplicação, por meio de um rito processual e procedimental judiciário que tem seu fim em uma sentença que deve ser obrigatoriamente cumprida pelas partes”[3]. Não adotando o critério de permanência, o autor considera os Tribunais ad hoc como órgãos jurisdicionais internacionais, pois a previsibilidade deles é garantida pelas Resoluções do Conselho de Segurança da ONU que definem suas competências.
Qualquer que seja a definição, os Tribunais Internacionais são meios para tentar garantir maior efetividade ao Direito Internacional. Quanto mais este se torna complexo, maior a tendência à jurisdicionalização, ou seja, criação de novos Tribunais Internacionais. Busca-se o acesso à justiça no âmbito internacional.
Cumpre destacar que os órgãos judiciais internacionais nascem sem seguir um padrão. Não existem normas que indicam como essas cortes devem ser criadas, seguindo quais critérios. Isso significa que a jurisdicionalização é um processo desordenado, em que os Tribunais Internacionais são criados abarcando temas que podem invadir a competência de outros. Assim, os casos de conflito de competências entre cortes internacionais são cada vez mais comuns, sendo alvo de crescentes discussões doutrinárias.
Os Tribunais Internacionais possuem natureza jurídica de organizações internacionais. Porém, alguns órgãos como a União Europeia, o Mercosul, a OMC e o Nafta possuem seus próprios órgãos jurisdicionais (respectivamente, o Tribunal de justiça da União Europeia, o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC e o Órgão de Solução de Controvérsias do Nafta), criados justamente para resolver as controvérsias que surgem no âmbito dessas organizações.
Os Tribunais Internacionais estão intrinsecamente interligados à questão da soberania estatal. Afinal, a própria aceitação da jurisdição internacional em um país depende de um ato de vontade deste, em respeito ao princípio da soberania.
Cada Estado é soberano sobre seu próprio ordenamento jurídico, o que inclui as leis processuais. Afinal, a jurisdição é um instituto que diz respeito à própria capacidade de alterar, criar ou extinguir relações jurídicas. Ceder parte dela a um órgão internacional, tendência que cresce haja vista a jurisdicionalização do Direito Internacional, é relativizar a própria soberania, o que se agrava devido ao fato de muitas decisões dos Tribunais Internacionais acabarem contrastando com a vontade política dos países.
2. A EVOLUÇÃO DA JUSTIÇA INTERNACIONAL
A Justiça Internacional, ou seja, o aparato jurídico instituído pelo Direito Internacional para a solução pacífica de controvérsias entre os povos, foi fruto de um longo processo histórico. É inegável que o homem primitivo já buscava meios para garantir uma coexistência pacífica mínima entre os povos para que cada um deles pudesse se desenvolver.
Foi assim que a autocomposição consagrou-se como a primeira forma de resolução pacífica de conflitos, consistindo no acordo das partes para o cumprimento integral da composição por intermédio de seus representantes ou nomeação de um mediador[4].
Ao longo dos séculos, foram surgindo as primeiras civilizações. Embora as guerras entre elas fossem frequentes, há casos emblemáticos de soluções pacíficas de controvérsias internacionais, como o que ocorreu por volta de 3.200 a.C, quando, na Mesopotâmia, o rei Entemena celebrou um tratado para regular fronteiras entre seu reino de Caldeas de Lagash e o reino vizinho de Umma, escolhendo-se como árbitro o rei Misilin de Kush. Após uma guerra, os grupos estabeleceram solenemente as fronteiras entre as duas cidades[5].
Com o desenvolvimento e expansão das diferentes culturas, os meios de solução pacífica de conflitos foram se tornando mais frequentes, à medida que se ampliava o número de documentos jurídicos que regulavam a relação que cada povo tinha com estrangeiros. Um grande impulso ocorreu através do Direito Romano, principalmente com a criação do ius festiale e do ius gentium e da figura do pretor peregrino, que solucionava controvérsias envolvendo estrangeiros.
O Direito Canônico também passou a ser aplicado para a relação entre Estados, aconselhando o cumprimento de acordo e das práticas bélicas. É interessante observar que, durante a Idade Média, o Papa detinha o poder supremo para ser mediador de conflitos entre reinos e impérios e decidir sobre os tratados celebrados entre os mesmos[6].
O primeiro grande passo para o início da jurisdicionalização internacional ocorreu em 1648, com a Paz de Westfália, devido à consagração da soberania dos Estados Modernos, que deveria ser respeitada com base na coexistência pacífica entre os Estados. Porém, na época, era inviável a ideia de um tribunal de jurisdição internacional. A própria noção de jurisdição era encarada como reflexo direto da soberania dos Estados, pois estes precisavam firmar o monopólio sobre o Direito e não estariam dispostos a ceder parte de seu poder a um órgão estrangeiro.
Como já foi referido anteriormente, a Paz de Westfália deu origem a um período em que cada Estado pretendia firmar sua hegemonia e não havia meios eficazes de intervir em sua soberania, que era quase absoluta. Isso acabou culminando nas guerras do final do século XVIII e início do século XIX, tendo como pivô Napoleão Bonaparte.
A paz, ao menos momentânea, firmou-se com o Congresso de Viena, em 1815, que, inclusive, contava com um mecanismo de solução de conflitos entre os Estados através de consultas e reuniões periódicas, grande passo para a institucionalização de um sistema de prevenção e resolução de controvérsias. Porém, ainda havia dificuldades em criar um órgão internacional que tivesse competência para processar e julgar os responsáveis por eventuais conflitos de forma que houvesse segurança jurídica.
Porém, o século XIX já começava a assistir a alterações que direcionavam a uma mudança de perspectiva. O avanço tecnológico, impulsionado pela Revolução Industrial, mostrava-se cada vez mais contundente, o que acabou refletindo no desenvolvimento de armamentos mais sofisticados e, portanto, mais destrutivos. Além disso, a disputa por mercados além da Europa, que resultou em um novo processo de colonização, fez com que os países europeus se armassem cada vez mais, já prevendo novos conflitos bélicos.
As Conferências de Paz de Haia, em 1899 e 1907, objetivando o entendimento entre os povos e um limite à corrida armamentista, não foram suficientes para evitar a Primeira Guerra Mundial, o conflito mais sangrento da Europa até então.
Observa-se, assim, que toda a tensão gerada por esse período de animosidade, marcado por massacres e violações aos direitos humanos e pelo temor de que mais eventos bélicos ocorressem, fez com que o Direito Internacional ganhasse força e deixasse de ser um mero mecanismo de defesa da soberania dos Estados. Afinal, esta passou a ser questionada. A sociedade internacional conscientizava-se da necessidade de normas internacionais fortes, que tornasse a relação entre os povos mais ordenada, previsível e segura, de forma que legitimasse o equilíbrio de poder, de direitos e limitador do exercício de hegemonia por uma potência sobre outra, adquirindo um caráter mais racional, ético e anti-hegemônico.
Foi assim que, após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, nasceu a Liga das Nações como um instrumento que visava garantir a paz e a segurança entre as potências europeias. Através dela nasceu, em 1922, o primeiro Tribunal Internacional universal e permanente, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), precursora da Corte Internacional de Justiça (CIJ).
A CPJI atendia ao art. 14 do Pacto da Sociedade das Nações[7]e chegou a analisar 29 casos e emitir 27 opiniões consultivas, mas fracassou junto à Liga das Nações. Esta não se mostrou eficaz em seus objetivos, pois ela se mostrou institucionalmente frágil e os países signatários preferiram alimentar os acontecimentos que culminaram com o evento mais sangrento da história: a Segunda Guerra Mundial.
Até aqui, cabe destacar dois detalhes: os acontecimentos descritos dizem respeito apenas à Europa e excluem a prática arbitral. No século XIX, o continente americano vivia um contexto diferente. Lá, o Direito Internacional já era mais debatido e bem visto, tendo inclusive ocorrido um número considerável de congressos internacionais em países variados, tais quais Panamá (em 1826, liderado por Símon Bolívar), México, Peru e Estados Unidos, dando origens a inúmeros tratados.
Consequentemente, lá ocorreu, em 1907, um feito histórico para o Direito Internacional: a criação do primeiro Tribunal Internacional permanente, a Corte de Justiça Centro-americana[8]. Como se infere do nome, era um tribunal regional. Apesar de sua ampla jurisdição, de ter julgado casos importantes e de também ter sido pioneira na capacidade postulatória de indivíduos, teve validade apenas de 1908 até 1918.
Além disso, é válido afirmar que a arbitragem já era um método bastante utilizado para solução de controvérsias antes mesmo da jurisdição internacional, principalmente no final do século XIX[9]. O instituto foi normatizado na Primeira Conferência de Paz de Haia, em 1899, e no mesmo ano foi criada a Corte Permanente de Arbitragem.
O término da Segunda Guerra Mundial representou um grande marco para as transformações pelas quais estavam passando o Direito Internacional Público. Este ampliou seu campo temático, e o mundo assistiu a um período em que o número de documentos internacionais, incluindo tratados, e de organizações internacionais, incluindo tribunais, ampliou-se em demasia. Afinal, diante dos horrores da guerra, a sociedade internacional mudou sua percepção e passou a dar maior importância ao Direito Internacional.
Assim, logo nos primeiros anos após o conflito nasceram documentos como a Carta das Nações Unidas, em 1945, que passou a orientar o Direito Internacional em busca de uma coexistência pacífica entre os povos, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, um verdadeiro marco para a positivação dos direitos humanos.
No que tange à jurisdicionalização internacional, a Carta das Nações Unidas, em seu art. 2º, positivou importantes princípios para reger as relações internacionais, com destaque ao princípio da solução pacífica de controvérsias. Esta norma determina que nenhum país signatário da Carta (ou seja, nenhum dos 193 membros da ONU) deverá usar de meios violentos e que comprometam a paz e a segurança para resolver suas controvérsias internacionais.
Interessante observar a dupla face desse princípio, pois ele inclui tanto um dever quanto um direito. O dever de solucionar pacificamente os conflitos e o direito de escolher qualquer mecanismo para tal. O ideal é que se resolva os litígios sem ameaças, qualquer que seja o meio escolhido, o que faz cada vez mais sentido, haja vista a quantidade de tribunais internacionais e de outros mecanismos disponíveis à opção dos atores internacionais[10].
Em um contexto de globalização, as relações políticas, econômicas e jurídicas intensificam-se, causando transformações relevantes ao Direito Internacional, o que acaba repercutindo no próprio processo de jurisdicionalização internacional, ou seja, no aumento do número de Tribunais Internacionais. O regionalismo[11], a maior internacionalização e regulamentação do comércio, a evolução e a fragmentação do Direito Internacional: todos são fatores que contribuem para o processo.
O atual contexto de mitigação do princípio da soberania está tornando a sociedade internacional mais aberta a aceitar a jurisdição internacional. Entretanto, ainda há resistência de alguns países, além de que há casos em que algumas decisões de Tribunais Internacionais são ignoradas por Estados signatários.
3. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS E TRIBUNAIS NACIONAIS
Apesar dos avanços da jurisdição internacional, ainda há muito que se resolver. Tanto no que concerne a antigos quanto a novos problemas. Por exemplo, a proliferação de Tribunais Internacionais pode ser encarada como uma vantagem por abarcar meios de acesso à justiça em temas cada vez mais amplos, acompanhando a evolução do Direito Internacional. Porém, observa-se que muitas dessas matérias entram em conflito com a competência dos Tribunais Nacionais.
Tanto os objetivos da jurisdição interna e da jurisdição internacional dizem respeito à pacificação de conflitos, de modo que se atinja ao resultado mais justo. Porém, o crescente número de normas internacionais faz com que muitas destas acabem se assimilando às normas internas e que tenham efeito direto sobre os indivíduos de um país, o que, no âmbito da jurisdição, acaba gerando conflitos de competências entre Tribunais Nacionais e Tribunais Internacionais. Há, também, uma tendência de ocorrer o inverso: o Direito Interno abarcar cada vez mais temáticas internacionais, invocando jurisdição para casos familiares ao Direito Internacional[12].
Isso tudo quer dizer que a tradicional resistência dos Estados para aceitar integralmente ou ao menos em parte a jurisdição internacional encontra-se diante de novas questões, resultantes da própria tendência de mais países serem signatários e aceitarem as decisões de Tribunais Internacionais.
Além disso, ainda há o problema da falta de instrumentos de internalização (ou de recusa) das decisões tomadas internacionalmente[13]. Os Tribunais Internacionais, conforme sua definição, devem ter suas decisões cumpridas, pois existem justamente para dar maior efetividade ao Direito Internacional[14]. Portanto, é importante que um Estado signatário tenha meios previstos em seu ordenamento jurídico interno para efetivar as decisões das cortes internacionais. Porém, nem todos os países possuem mecanismos específicos e seguros para recepcioná-las, de forma a gerar decisões imprevisíveis por parte dos Tribunais Nacionais.
O Brasil é um exemplo. Não obstante seja signatário da maioria dos Tribunais Internacionais, não demonstra disposição em para suprir as lacunas sobre o tema, mesmo no que diz respeito à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual já demandou o país diversas vezes, e ao Tribunal Penal Internacional, cujo reconhecimento está expresso no art. 5º da Constituição Federal[15].
Há situações em que um determinado país possui mecanismos específicos para recepcionar uma decisão de um Tribunal Internacional, mas mesmo isso a ignora. Um exemplo é o contencioso La Grand, entre Estados Unidos e Alemanha, perante a Corte Internacional de Justiça.
Karl e Walter La Grand, dois irmãos alemães, mudaram-se para os Estados Unidos ainda crianças. Quando cresceram, assaltaram um banco no Estado do Arizona e, durante a fuga, mataram policiais. As autoridades policiais e judiciárias norte-americanas não notificaram o Consulado da Alemanha, para que promovesse a assistência consular durante o processo, conforme determina a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares. Ao final do procedimento judiciário, os dois foram condenados à pena de morte e Karl La Grand foi executado.
No entanto, movimentos contrários à pena de morte na Alemanha exigiram a manifestação de seu governo para impedir as execuções. A Alemanha pediu a suspensão da pena de execução, mas não foi atendida pelo governo americano. Ingressou, então, na Corte Internacional de Justiça, que determinou a suspensão da execução, enquanto o mérito do processo fosse julgado. No entanto, os Estados Unidos alegaram que as decisões da CIJ não eram obrigatórias, porque o Estatuto da CIJ previa expressões vagas para determinar o cumprimento e executou o segundo irmão[16].
A aceitação das decisões internacionais muitas vezes depende de mera vontade política, principalmente quando dizem respeito a questões centrais na política de um país. Um exemplo são as reações israelenses à decisão da CIJ sobre a construção do Muro da Palestina[17]. Mas às vezes uma decisão não é aceita devido a uma antinomia entre o regulamento do Tribunal Internacional e o Direito Constitucional de um país.
Entretanto, deve-se frisar que há muitos casos em que a jurisdição internacional efetivamente complementa a jurisdição interna (e vice-versa), seja suprindo lacunas, seja reforçando seus dispositivos ou até mesmo trazendo decisões que melhor atendem ao Direito Interno. Um exemplo claro foram as condenações do Estado peruano pela Corte Interamericana de Direitos Humanos devido a graves violações aos direitos humanos na época do governo de Alberto Fujimori.
Subsequentemente, ocorreram, de 2007 a 2010, os julgamentos do ex-presidente na própria Corte Suprema do Peru, a Sala Penal Especial. Inclusive nesses julgamentos foram citadas condenações pela CIDH do regime fujimorista, como no caso dos massacres de Barrios Alto e de La Cantuta. Assim, a jurisdição internacional não só complementou a nacional, como também a precedeu[18].
Por fim, uma das principais razões para todos esses questionamentos é o fato de não haver qualquer tipo de hierarquia entre Tribunais Internacionais e Tribunais Nacionais. Entretanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia é uma exceção. Além dele, a Corte Europeia de Direitos Humanos, o Tribunal Internacional de Direito do Mar, o Tribunal Penal Internacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos também são considerados órgãos de jurisdição internacional obrigatória, mas possuem o mesmo patamar hierárquico das cortes internas.
O Tribunal de Justiça da União Europeia segue o princípio da primazia da ordem comunitária, significando que, assim como o Direito Comunitário é superior hierarquicamente ao Direito Interno dos países signatários da União Europeia, as decisões do TJUE vinculam as decisões judiciais internas. Além disso, há o instituto do reenvio judicial, pois sempre que uma questão que possa envolver matéria de direito comunitário seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode pedir ao TJUE que sobre ela se pronuncie[19], gerando uma suspensão prejudicial do processo.
Porém, a primazia do Direito Comunitário possui limites. Tanto o princípio da subsidiariedade quanto as decisões internas de alguns países demonstram que a superioridade hierárquica das normas comunitárias não é absoluta. A Corte Constitucional alemã e o Conselho Constitucional estabelecem que as normas comunitárias só devem ter aplicabilidade imediata se não violarem os direitos fundamentais nas Constituições alemã e francesa, respectivamente.
Referências:
[1] BROWNLIE, Ian. PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. Tradução de Maria Manuela Farrajota, Maria João Santos, Victor Richard Stockinger, Patrícia Galvão Teles. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 603.
[2] CASELLA, Paulo Borba. MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 813.
[3] MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 151.
[4] MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 39.
[5] MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 39.
[6] MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 44.
[7] WATSON, Adam. THE EVOLUTION OF INTERNATIONAL SOCIETY: A COMPARATIVE HISTORICAL ANALYSIS. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 2004, p. 286.
[8] A CPJI não foi o primeiro Tribunal Internacional de caráter permanente a existir, mas sim o primeiro de vocação universal, enquanto a Corte de Justiça Centro-americana tinha caráter regional.
[9] Após o surgimento dos primeiros Tribunais Internacionais, o números de arbitragens caiu consideravelmente, mas continua um número expressivo.
[10] Existem também meios diplomáticos, como os bons ofícios, a mediação e a conciliação, e meios políticos, realizados normalmente no âmbito de uma organização internacional, para resolução de controvérsias.
[11] “O regionalismo pode ser definido como a ação internacional de Estados que, dada a proximidade geográfica, além de sua identidade histórica e cultural, pactuam acordo internacional no sentido de coordenarem estrategicamente suas ações em busca da solução de problemas que lhes são próprios e na consecução de objetivos comuns previamente estabelecidos no tratado”. MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 165-166.
[12] MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 285.
[13] VARELLA, Marcelo Dias. INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO: DIREITO INTERNACIONAL, GLOBALIZAÇÃO E COMPLEXIDADE. Brasília: Uniceub, 2013. Disponível em: <http://www.marcelodvarella.org/marcelodvarella.org/Teoria_do_Direito_Internacional_files/Internacionalizacao_do_direito_PDF_final (1)_2.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2016.
[14] Wagner Menezes vai mais além, afirmando que “quando o Estado adere a um Tribunal ele naturalmente considera a submissão ao tribunal das regras internas, e, se faz isso previamente, não tem porque questionar os atos processuais derivados do Tribunal, pois foi expressão da vontade do Estado”. MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 287.
[15] O Projeto de Lei nº 4.038, de 2008, ainda está em tramitação no Congresso, o que faz com que se permaneçam as lacunas concernentes à recepção de atos processuais vindos do TPI. Além disso, para Valério de Oliveira Mazzuoli, o procedimento é dificultado devido à incompatibilidade da Constituição Federal e do Estatuto de Roma em basicamente cinco pontos: a entrega de nacionais ao Tribunal, a instituição da pena de prisão perpétua, a questão das imunidades em geral e as relativas ao foro por prerrogativa de função, a questão da reserva legal e a questão do respeito à coisa julgada. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O DIREITO BRASILEIRO. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 83-97.
[16] VARELLA, Marcelo Dias. INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO: DIREITO INTERNACIONAL, GLOBALIZAÇÃO E COMPLEXIDADE. Brasília: Uniceub, 2013. Disponível em: <http://www.marcelodvarella.org/marcelodvarella.org/Teoria_do_Direito_Internacional_files/Internacionalizacao_do_direito_PDF_final (1)_2.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2016.
[17] VARELLA, Marcelo Dias. INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO: DIREITO INTERNACIONAL, GLOBALIZAÇÃO E COMPLEXIDADE. Brasília: Uniceub, 2013. Disponível em: <http://www.marcelodvarella.org/marcelodvarella.org/Teoria_do_Direito_Internacional_files/Internacionalizacao_do_direito_PDF_final (1)_2.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2016.
[18] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEOS. Brasília: Funag, 2013. Disponível em: <http://funag.gov.br/loja/download/1018-tribunais-internacionais-contemporaneos.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
[19] MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 294.
BROWNLIE, Ian. PRINCÍPIOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. Tradução de Maria Manuela Farrajota, Maria João Santos, Victor Richard Stockinger, Patrícia Galvão Teles. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
CASELLA, Paulo Borba. MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O DIREITO BRASILEIRO. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MENEZES, Wagner. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. São Paulo: Saraiva, 2013.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEOS. Brasília: Funag, 2013. Disponível em: <http://funag.gov.br/loja/download/1018-tribunais-internacionais-contemporaneos.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
VARELLA, Marcelo Dias. INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO: DIREITO INTERNACIONAL, GLOBALIZAÇÃO E COMPLEXIDADE. Brasília: Uniceub, 2013. Disponível em: <http://www.marcelodvarella.org/marcelodvarella.org/Teoria_do_Direito_Internacional_files/Internacionalizacao_do_direito_PDF_final (1)_2.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
WATSON, Adam. THE EVOLUTION OF INTERNATIONAL SOCIETY: A COMPARATIVE HISTORICAL ANALYSIS. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 2004.
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Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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Artigos
A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações
Publicado
5 meses atrásem
1 de setembro de 2024A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016;
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf> Acesso em: 10 abril. 2016;
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;
Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024
Publicado
5 meses atrásem
27 de agosto de 2024A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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Organizações e Associações Criminosas
REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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FERNANDO NHANQUE
13 de janeiro de 2019 at 02:01
DEUS OBRIGADO POR TER ENCONTRADO ESTE SITE PARA ME AUXILIAR NOS MEUS ESTUDOS.
MUITO BOM ESTE SITE.
Ingrid Carvalho
16 de janeiro de 2019 at 18:53
Ficamos muito felizes em saber disso, faz todo nosso trabalho valer a pena.