O princípio do livre convencimento motivado no Novo Código de Processo Civil

A realidade do Poder Judiciário passa por grandes problemas: muita demanda e pouco controle para conseguir conduzir os processos. Inúmeras iniciais são distribuídas por dia para criar mais litígios, e nenhum incentivo real para os institutos da mediação, conciliação e arbitragem.

Passando por tais, e não únicos problemas, a reforma do processo civil brasileiro vem para mudar isso.

O Novo Código de Processo Civil propõe facilitar o andamento processual, deixando-o mais célere e prático. É um ponto interessante e urgente, já que é extremamente perceptível que o poder judiciário brasileiro está defasado.

Mas será que a busca para facilitar demais os problemas não traz riscos?

Atualmente, a justiça está se inclinando para o que alguns chamam de “padronização das decisões”. Ela consiste em observar de forma sistemática os processos existentes, selecionar aqueles que são semelhantes e decidir de forma igual, em prol do princípio da economia processual.

A adoção do instituto da súmula vinculante em vários assuntos tem suas vantagens, mas o seu apelo pode causar grandes danos à prestação jurisdicional e às partes que a solicitam.

Um dos problemas é o risco de estagnação ou engessamento do Direito, impedindo que certos assuntos sejam apreciados pelas instâncias superiores. A previsibilidade das decisões, que começou a ocorrer no final da década passada, pode atingir níveis exorbitantes e ignorar completamente a subjetividade que cada caso traz.

Vamos ler o que o seguinte dispositivo da Constituição Federal consagra:

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. (BRASIL, 1973, online)

Consagrada tal diretriz, o magistrado está vinculado a fundamentar suas decisões. Ele tem a liberdade em analisar o litígio e decidir da maneira que for correta, desde que sendo motivada.

Acontece que na prática é impossível o Douto Julgador analisar cada caso, uma vez que são inúmeros processos de diferentes assuntos para serem decididos. Então, qual a melhor alternativa para facilitar o andamento? Firmando entendimentos sobre determinadas discussões!

Percebemos que houve grande evolução nessa questão. Hoje podemos prever ou ao menos vislumbrar o que o juiz irá decidir. Enquanto há quem pense que trará segurança jurídica, o risco de comprometer a segurança é alto. Cada processo tem sua particularidade e, se for ignorada em detrimento da padronização, prejuízos às partes irão ocorrer, além de ofensas à economia processual, já que recursos serão instaurados.

Nesta linha de raciocínio, o NCPC dissertou no seguinte artigo:

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

(…)

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(…)

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.(BRASIL, 2015, online)

Interessante notar que a Constituição não diz, em seu Artigo 93, inciso IX, que o juiz deve seguir o que foi estabelecido pelo inciso VI do NCPC. Tampouco diz o que é ou não é fundamentação. A polêmica está estabelecida sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do Artigo 489, §1º, inciso VI.

É neste ponto em que o livre convencimento motivado é ameaçado em prol da padronização dos entendimentos. Se o magistrado tem o dever constitucional em fundamentar suas decisões, é óbvio que ele deve usar da persuasão racional, ainda que esteja divergente de entendimentos firmados em súmulas, por exemplo.

Ao mesmo tempo é compreensível a busca dessa vinculação, ao passo que ocorreriam gastos recursais desnecessários sobre um tema de entendimento já pacificado em súmula.

O que se deve observar é a cautela para que esse método não acabe por prejudicar tanto as partes com suas particularidades, quanto o papel verdadeiro do juiz para com a verdade real.

O Novo Código de Processo Civil, diz em seu Artigo 927 o seguinte:

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. (BRASIL, 2015, online)

Em primeiro momento, há quem entenda a inconstitucionalidade desse artigo. Em segundo momento, tal dispositivo nos leva a pensar que os juízes e tribunais estão vinculados ao que os incisos sustentam. Lenza (2015) manifestou interpretação nesse sentido, v.g.

Por outro lado, David (2015) se contrapõe: o Douto Julgado não está vinculado, uma vez que o artigo supracitado deu o sentido de “direcionamento” à palavra “observarão”. Em outras palavras, o juiz deve ter em vista, ainda que objetive divergir.

Pois bem, tendo como base todos os fundamentos elencados neste texto, afirmamos que o magistrado não está adstrito ao que é invocado pelas partes para firmar seu convencimento, no entanto, deve apreciar toda a prova e comparar com as fontes de estudo, quais sejam: a legislação, a jurisprudência, a doutrina, e as demais, para proferir sua decisão.

Assim, conforme Amaral (2015), fica entendido que o juiz pode dispensar a aplicação da súmula invocada, se entender diversamente, desde que o faça de maneira fundamentada e observando o que está no Artigo 927 do NCPC. Dessa forma, ele estará exercendo seu controle difuso de constitucionalidade.

Nas mesmas condições, isso acontece quando o magistrado deixa de seguir algum dispositivo de lei ao declarar sua inconstitucionalidade “incidenter tantum”.

Vejamos a seguinte manifestação de Daidone (2006, p. 79):

Importante ser dito que a aplicação obrigatória da súmula não impedirá que o magistrado faça constar em sua fundamentação entendimento contrário, expondo as razões do seu convencimento, que poderá servir de base para novos argumentos a serem encaminhados aos Tribunais Superiores, para que, se for o caso, promova a alteração ou reversão do precedente vinculante.

Em síntese, é compreensível a finalidade que o NCPC busca atingir por intermédio dos meios tratados neste artigo. Por outro lado, a missão em trazer mais celeridade e decidir vários processos semelhantes em apenas um ato pode causar um grande problema às partes dos pólos processuais, uma vez que o princípio do livre convencimento motivado corre o risco de ser ameaçado na sua aplicação prática.

 


 

Referências



BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 08 ago. 2015.
______. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 08 ago. 2015.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 08 ago. 2015.
DAIDONE, Décio Sebastião. A súmula vinculante e impeditiva. São Paulo:  DAVID, Tiago Bitencourt De. Novo CPC não obriga juízes a se vincularem a entendimentos de STF e STJ. São Paulo, Consultor jurídico, 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-11/tiago-david-cpc-nao-vincula-juizes-sumulas-stf-stj>. Acesso em: 08 ago. 2015. Ed. Ltr, 2006.
LENZA, Pedro. Reclamação constitucional: inconstitucionalidades no Novo CPC/2015. São Paulo, Consultor jurídico, 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-13/pedro-lenza-inconstitucionalidades-reclamacao-cpc>. Acesso em: 08 ago. 2015.
AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Livre convencimento do juiz e inconstitucionalidade do Art. 489, §1º, VI, do NCPC/2015. Belo Horizonte, JurisWay, 2015. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14702>. Acesso em 08 ago. 2015.
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