Processual
Aspectos da mediação e da conciliação e os seus marcos regulatórios
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 por Ingrid CarvalhoMostra-se crescente o interesse das três esferas de poder em garantir a ordem pública por meio da solução pacífica de controvérsias. Todavia, antes de definir as características da mediação e da conciliação, é importante destacar que elas são políticas públicas, ou seja, consistem em ações governamentais que, através de medidas articuladas, têm por fim impulsionar a máquina pública a concretizar o direito. Sendo uma política pública, elas cumprem com seu principal objetivo que é tratar de maneira adequada os conflitos sociais pelos membros da própria sociedade.
Pode-se dizer que o principal impulsionador dessa nova visão foi o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão administrativo do Poder Judiciário, através das suas metas e resoluções. Em relação a essas, será melhor desenvolvida no presente artigo a Resolução 125/2010. Os outros dois marcos regulatórios a serem destacados são o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e a Lei da Mediação de Conflitos (Lei 13.140/2015).
Traz-se a definição de mediação estabelecida pelo próprio site do CNJ:
“A Mediação é uma forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema. Em regra, é utilizada em conflitos multidimensionais, ou complexos. A Mediação é um procedimento estruturado, não tem um prazo definido, e pode terminar ou não em acordo, pois as partes têm autonomia para buscar soluções que compatibilizem seus interesses e necessidades. ”
A lei 13.140/2015 também apresenta um conceito de mediação, em seu art. 1º, parágrafo único:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
É relevante evidenciar que a forma de autocomposição acima referida é frequentemente confundida com a conciliação, tanto pelo legislador quanto pelos doutrinadores.
Cumpre aqui apenas destacar que, de fato, ambas são semelhantes, mas suas diferenças cruciais estão em basicamente dois aspectos. O primeiro diz respeito ao fato de que, enquanto na mediação o vínculo entre as partes é tanto anterior quanto posterior ao conflito, ou seja, as partes possuem uma relação próxima; na conciliação essa relação entre os assistidos é apenas esporádica, sem relacionamento prévio ou posterior. Em segundo lugar, está o aspecto de que o mediador não deve sequer manifestar sua opinião sobre uma possível solução, ele busca apenas restabelecer a comunicação.
Já o conciliador pode sugerir soluções para o litígio, mas apenas propor, jamais impor um acordo. Tais diferenças são claramente apresentadas pelo NCPC, em seu art. 165. Pode-se falar, ainda, que a mediação busca um tratamento adequado ao conflito que gere comunicação e satisfação dos envolvidos.
Assim, o acordo pode ser uma consequência dessa dinâmica, contudo um procedimento de mediação que não tenha se encerrado em um acordo não foi frustrado se pelo menos possibilitou que os conflitantes voltassem a conversar. Já a conciliação tem por alvo principal alcançar o acordo.
Os marcos regulatórios
Dando início à breve análise dos marcos regulatórios, menciona-se, primeiramente, a Resolução 125/2010 no CNJ, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.
Tal órgão implantou, em agosto de 2006, o Movimento pela Conciliação, o qual teve por objetivo alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca de soluções para os conflitos mediante a construção de acordos. Diante dos resultados positivos desses projetos piloto e diante da patente necessidade de se estabelecer uma política pública nacional em resolução adequada de conflitos foi criada a dita Resolução.
Tal norma trata principalmente das atribuições do CNJ e dos Tribunais. Enquanto o primeiro organizará programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação (art. 4°), estes últimos implementarão tal programa, junto às entidades públicas e privadas (art. 5°). Regula-se também acerca dos mediadores e conciliadores, tratando tanto de aspectos da sua formação no curso quanto de sua submissão ao código de ética, aos princípios e às sanções.
Apresenta-se ainda mais valoroso esse regulamento por sua preocupação em apontar as garantias e os princípios norteadores desses métodos, não deixando essa atribuição à simples construção doutrinária. Destacam-se aqui os princípios da confidencialidade, da independência e autonomia e do empoderamento. Todos fazem referência à liberdade das partes, tanto no sentido de estarem participando daquela sessão de forma voluntária e de firmarem acordo apenas se assim desejarem, quanto no aspecto da segurança que podem sentir ao falarem de assuntos pessoais e saberem que o terceiro manterá o sigilo das informações, salvo casos excepcionais.
Seguindo a ordem cronológica, o segundo marco regulatório é o Novo Código de Processo Civil (lei 13.105/2015). Vários dispositivos dessa lei controlam a matéria. Há uma seção destinada ao trabalho dos mediadores e conciliadores, como também um capítulo para falar especificamente da audiência de conciliação e mediação. A partir do art. 165, por exemplo, trata-se da criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, do cadastro de mediadores e conciliadores, da remuneração ou não desses profissionais, dos impedimentos e dos motivos de exclusão desses terceiros.
Uma novidade trazida por essa lei está no inciso VII do art. 319 que aponta como um dos requisitos da petição inicial a “opção do autor pela realização ou não da audiência de conciliação ou de mediação”. A doutrina entende que mesmo se o autor se manifestar contra a audiência ela poderá acontecer, caso o réu apresente que deseja a realização dessa sessão. O acusado só será citado e no mesmo ato intimado para contestar em 15 dias, se o direito versado no processo não admitir a autocomposição, o que é raro. A regra, portanto, será a citação e no mesmo ato a intimação do réu para comparecer à audiência de conciliação ou de mediação.
Por fim, fala-se da Lei 13.140, também conhecida como Lei da Mediação de Conflitos, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Sendo praticamente a primeira lei a regular especificamente esse tema, podem-se encontrar pontos de críticas e pontos de elogios. Dessa forma, é plausível afirmar que temos um texto provisório para proposta de interpretação em evolução.
Inicialmente, ela disciplina alguns pontos já citados na Resolução 125 do CNJ e no Código de processo Civil, especifica como se dará o procedimento da mediação e faz uma distinção entre mediação judicial e extrajudicial.
A solução pacífica de controvérsias na Administração Pública
Destaca-se como uma interessante abordagem da Lei de Mediação de Conflitos a aplicação de práticas compositivas nos conflitos em que for parte da administração pública. A Justiça Brasileira elaborou em 2012 o relatório “Os cem maiores litigantes” e nessa lista é possível perceber que os dez maiores litigantes do sistema de justiça no Brasil (envolvendo as esferas Estadual, Federal e Trabalhista) são, na sua grande maioria, pessoa jurídica de direito público.
Não obstante, muitos são os limites à resolução consensual de conflitos envolvendo a Administração Pública tais como: 1) indisponibilidade dos interesses públicos; 2) imposição de publicidade por força de norma constitucional; 3) impessoalidade; 4) poderes para realizar acordo e vantagem na sua realização.
Aparentemente tais pontos vão de encontro aos princípios da mediação, mas em uma análise mais aprofundada é possível perceber que, em determinados casos, eles podem coexistir. O interesse público, por exemplo, pode ser maior na resolução de forma mais célere e menor no próprio objeto da causa.
É crucial aqui destacar que a mediação deve ser vista como um método adequado de solução de conflitos e não um mero método alternativo, melhor dizendo, uma forma de o Poder Judiciário resolver seus gargalos. Como já mencionado, seu objetivo principal é trazer a pacificação social e restabelecer o diálogo, não é apenas reduzir o número de processos. Por certo, é uma forma bem mais eficiente e econômica, pois as partes resolvem seus problemas da forma que desejam e em menos tempo. Mas há casos em que esse método pode ser aplicado e há casos em que ele é não propício.
Encerrando nas palavras de Fabiana Spengler, em seu artigo “A mediação como prática comunicativa no tratamento consensuado dos conflitos sociais”:
É nesses termos que a mediação se dá como uma prática comunicativa que gera participação consensuada, possibilitando sair da estagnação para chegar à mudança, permitindo a passagem – na tomada de decisões – de uma forma de participação normatizada para uma forma consensual.
REFERÊNCIAS BRAGA NETO, Adolfo; SALES, Lilia Maria de Moraes.Aspectos atuais sobre a mediação e outros métodos extra e judiciais de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: Gz Editora, 2012. PENGLER, Fabiana Marion.Mediação de conflitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 mar. 2015. Lei 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, 29 jun. 2015 Conselho Nacional de Justiça. Resolução n°125 de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Os 100 maiores litigantes. CNJ. 2012. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf Acesso em:11/09/16 Imagem disponível em: http://laconvivenciadanielpardo.blogspot.com.br/2015_04_01_archive.html Acesso em: 11/09/2016
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O que é a Prisão Temporária?
Publicado
2 meses atrásem
6 de outubro de 2024Por
Rafael NogueiraNo sistema jurídico brasileiro, a privação de liberdade pode ocorrer de diferentes formas, conforme previsto em lei. Existem diversos tipos de prisão, cada um aplicável a circunstâncias específicas.
Entre essas modalidades está a prisão temporária, um instrumento que visa garantir o andamento das investigações criminais em casos de extrema necessidade. Sua principal característica é a limitação temporal, sendo uma medida provisória, destinada a evitar que o suspeito de um crime interfira na apuração dos fatos.
A prisão temporária é uma das chamadas prisões cautelares, que são constrições de liberdade que ocorrem de forma não-definitiva, ou seja, não são resultados de uma decisão condenatória transitada em julgado.
Você pode descobrir mais sobre as outras modalidades das prisões cautelares aqui:
O que é a prisão preventiva?
O que é a Prisão em Flagrante?
Sobre a Prisão Temporária
A prisão temporária não tem previsão no Código de Processo Penal (Decreto Lei nº 3689/41), sendo regulamentada por lei própria, a Lei n. 7.960/1989.
Essa modalidade de prisão foi criada com o fim de assegurar uma eficaz investigação policial, quando o delito a ser apurado for grave. Dessa forma, ela pode ser aplicada durante a fase investigativa, antes do processo judicial, quando se verifica a necessidade de garantir a ordem pública ou a colheita de provas.
É importante destacar que, apesar de sua relevância para a investigação, a prisão temporária só pode ser decretada em situações específicas, listadas no artigo 1º da Lei n. 7.960/1989.
Além disso, existe entendimento doutrinário de que apenas um dos incisos não é o bastante para ensejar a prisão temporária, sendo necessário associar os incisos I ou II ao inciso III.
Vejamos:
Art. 1° Caberá prisão temporária:
I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Da mesma forma que a prisão preventiva, a temporária também necessita ser decretada em decisão fundamentada por um Juiz competente, e somente se a autoridade policial oferecer representação ou o Ministério Público apresentar requerimento, ou seja, não pode ser decretada de ofício.
O prazo da prisão temporária será de cinco dias, podendo ser prorrogado uma vez por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade, ou de trinta dias (podendo ser prorrogado uma vez por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade) em casos de crimes hediondos ou equiparados a hediondos. Ao fim desse prazo, como descreve o art. 2º, §7º, da Lei 7.960/89, “o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva”.
Por fim, caso a autoridade policial constate durante o prazo de prisão temporária que prendeu a pessoa errada ou que não há mais necessidade da custódia cautelar, pode-se soltar o suspeito.
Apesar de sua previsão legal, a prisão temporária levanta discussões no âmbito jurídico. Críticos argumentam que a medida pode ser utilizada de forma abusiva, sendo decretada com base em indícios frágeis ou como forma de coação para a obtenção de confissões.
Em alguns casos, há relatos de pessoas mantidas em prisão temporária por prazos superiores aos permitidos, sem que haja efetiva necessidade ou fundamentação para tal. Essa utilização excessiva da prisão temporária levanta preocupações sobre a violação de garantias constitucionais, como o direito à liberdade e à presunção de inocência.
Assim, embora a prisão temporária seja uma ferramenta importante para o avanço de investigações, seu uso precisa ser rigorosamente controlado para evitar abusos e garantir que os direitos fundamentais dos investigados sejam preservados.
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Referências
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
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Processual
Sentença com agravo de instrumento pendente de julgamento: o que fazer?
Publicado
4 meses atrásem
14 de agosto de 2024* Escrito por Alan Victor Neres Paixão.
Quem lida com a prática processual está habituado com incidentes que podem tumultuar o curso do julgamento de uma causa, gerando morosidade ainda maior em um processo cujo desfecho já se espera pacientemente, em razão da complexidade da demanda ou de suas condições de prosseguimento.
Diante desses incidentes, cabe ao operador do processo adotar uma postura estratégica, visando o melhor resultado no menor tempo possível, fazendo uso coerente daquilo que dispõe o Código de Processo Civil e os regimentos internos de cada tribunal.
É o que acontece nos casos em que, na espera do julgamento de um agravo de instrumento cuja matéria seja de importância salutar para uma das partes, sobrevém sentença desfavorável a ela.
Isso ocorre pois, via de regra, o Agravo de Instrumento não possui efeito suspensivo – salvo exceção do atr. 1.019, I do CPC -, de modo que o procedimento do processo principal, incluindo o julgamento, não será suspenso.
No caso mais comum de agravo de instrumento contra decisão acerca da concessão de tutela antecipada, o STJ entende que a superveniência de sentença no processo principal prejudica o objeto do respectivo agravo, pois o que interessa é a decisão de cognição exauriente – de provimento ou não da tutela definitiva – substituindo a decisão de cognição sumária.
Tratando a decisão interlocutória de outra matéria que não a tutela de urgência, não há dúvidas na doutrina de que, com a superveniência de sentença, e contra esta sobrevier apelação, o agravo de instrumento ainda pendente de julgamento em nada será afetado.
Em adendo, vale ressaltar que após o recente julgamento dos repetitivos (REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520) que tratam do cabimento do recurso de agravo de instrumento, sustentando a Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, a mitigação da taxatividade do art. 1.015, o cabimento do referido recurso terá uma abrangência bem maior que antes.
Retomando o raciocínio, essa certeza doutrinária decorre da análise conjunta de alguns dispositivos do Código de Processo Civil, que montaram um sistema capaz de manter os dois recursos, cada um com sua matéria, para processamento e julgamento ordenados.
Tal sistema verifica-se, inicialmente, da leitura do art. 1.018, §1º do CPC. Vejamos:
Art. 1.018. O agravante poderá requerer a juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso.
§1o Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo de instrumento.
Ora, se verificarmos em dado processo que o juiz de primeira instância não reformou a decisão objeto de agravo, é dedutível que o agravo de instrumento pendente de julgamento não poderá ser considerado prejudicado, conservando a relevância e a necessidade de seu julgamento.
Harmônico com o dispositivo mencionado acima, o sistema processual civil determina que, quando referentes a um mesmo processo principal, o agravo de instrumento tenha precedência de julgamento ante a apelação. Senão vejamos o teor do parágrafo único do artigo 946 do CPC:
Art. 946. O agravo de instrumento será julgado antes da apelação interposta no mesmo processo.
Parágrafo único. Se ambos os recursos de que trata o caput houverem de ser julgados na mesma sessão, terá precedência o agravo de instrumento.
Seguindo o mesmo rumo de ideias, a fim de garantir a segurança jurídica que deve revestir as decisões judiciais, o CPC adota ainda mecanismos que preveem a distribuição de processos que guardem alguma relação, de modo a evitar decisões conflitantes a dois processos que versam sobre um mesmo pedido ou causa de pedir, enfim, sobre a mesma realidade fática.
Nesse sentido, preveem os artigos 54 e 55 do Código de Ritos:
Art. 54. A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção.
Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
No que atine à distribuição, o artigo 286 do CPC é claro em seu comando:
Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:
I – quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
Os tribunais de justiça do País, a rigor, seguem as determinações legais mencionadas acima, em respeito à segurança jurídica anteriormente mencionada. A título de exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará possui em Regimento Interno próprio, que no artigo 68, §4º, consta os seguintes dizeres:
Art. 68. A distribuição firmará a competência da respectiva seção ou câmara.
[…]
§4º. Os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles, serão distribuídos por dependência.
Pelos dispositivos mencionados acima, reforça-se a conclusão de que a superveniência de sentença no processo principal não conduz, necessariamente, à perda do objeto do Agravo de Instrumento contra decisão interlocutória do mesmo processo, até nos casos em que não há apelação.
A última afirmação destacada acima ainda não é unânime por parte da doutrina, que divide-se entre quem entenda que, em tais casos, o agravo pendente de julgamento perde o objeto, pois sem o ingresso de apelação a sentença transita em julgado, e quem defende que a pendência de providências na demanda (como o julgamento de agravo de instrumento) constitua uma causa suspensiva do trânsito em julgado, fenômeno processual similar ao reexame necessário, previsto no art. 496 do CPC e compreendido de forma unânime pela doutrina como causa suspensiva do trânsito em julgado.
Em verdade, a prejudicialidade do agravo de instrumento pendente de julgamento com a superveniência de sentença merece um cotejo particular a cada caso, que deve considerar, sobretudo, o teor da decisão interlocutória agravada e o conteúdo da sentença superveniente.
A melhor doutrina recomenda que em cada caso haja uma análise conjunta de dois critérios para solucionar o impasse relativo à prejudicialidade mencionada acima. São eles: a) o da hierarquia, que pressupõe a prevalência da decisão de segundo grau sobre a decisão de primeiro grau – quando o julgamento do agravo logicamente se impõe; e b) o da cognição, segundo o qual o conhecimento exauriente da sentença absorve a cognição sumária da interlocutória.
Sobre o critério da hierarquia, Fredie Didier, em seu Curso de Direito Processual Civil, elucida bem o tema:
Há quem diga que, admitido o agravo de instrumento, a decisão do tribunal, seja a que o acolhe ou a que o rejeita, substitui a decisão interlocutória, de modo que a sentença, por ter sido proferida por juízo singular, não poderia ser incompatível com a decisão tomada pelo órgão colegiado nos autos do agravo de instrumento. Este é o chamado critério da hierarquia e com base nele se entende que, justamente porque há possibilidade de as decisões serem incompatíveis (acórdão do agravo e sentença), o agravo de instrumento não fica prejudicado por conta da superveniência de sentença. Os efeitos desta decisão final, portanto, ficariam condicionados ao desprovimento do agravo – isto é, à confirmação da decisão interlocutória.
Em relação ao critério da cognição, há de se aferir se a Sentença analisou de forma exauriente o tema objeto do agravo de instrumento pendente de julgamento, de modo a absorver o dissídio gerado a partir da decisão interlocutória objejto de agravo, bem como tornar a discussão da mesma controvérsia no juízo de segundo grau desnecessária.
É o que se verifica, por exemplo, no caso em que há sentença de improcedência do pedido, quando há pendência de julgamento de agravo de instrumento contra decisão de indeferiu a produção de provas da parte prejudicada pela sentença superveniente.
Partindo da premissa do critério da cognição, é possível verificar que uma sentença pode não ter abrangido o conteúdo da decisão objeto de agravo, ou não ter considerado o resultado processual do seu julgamento.
Por essa razão, o agravo não deve ser considerado prejudicado, sobretudo se uma das partes considerar essencial para o mérito do processo principal o julgamento da matéria objeto do agravo, de modo que a interposição de apelação com a mesma matéria seria redundante e dispendioso.
Agravo de instrumento pendente de julgamento: jurisprudência
A esse respeito, a jurisprudência do STJ pode ser ilustrada no aresto colacionado abaixo:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE DEFERE OU INDEFERE A PRODUÇÃO DE PROVAS. SUPERVENIENTE PROLAÇÃO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. AFERIÇÃO. DESNECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PERÍCIA ECONÔMICO-CONTÁBIL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. INCIDÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVAS. JUIZ COMO DESTINATÁRIO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, §4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. I
I – Não acarreta a carência superveniente de interesse processual, o julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão que defere ou indefere pedido de realização de provas, quando proferida sentença em desfavor da parte que a requereu. Hipótese em que a própria validade da sentença ficará condicionada ao que nele for decidido.
III – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material.
(STJ – AgInt no REsp: 1708154 SP 2017/0249734-0, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 26/06/2018, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/08/2018). (Grifei).
Analisando conjuntamente os dois critérios expostos acima, é possível verificar e demonstrar com maior clareza a não prejudicialidade do agravo de instrumento quando sobrevém sentença no processo principal.
Vale repisar que, considerando a decisão recente do STJ pela taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do CPC¹, a situação processual exposta acima poderá ser muito mais recorrente, com várias hipóteses não previstas expressamente no dispositivo supramencionado.
Desse modo, caberá ao operador do Diploma Processual utilizá-lo de modo a melhor atender ao interesse da parte, dentro de regras que propõem, se utilizadas correta e oportunamente, um sistema processual hermético que garante a efetiva tutela judicial pretendida, bem como a segurança jurídica, ao direcionar o julgamento de recursos que versem sobre uma mesma pretensão de modo a evitar decisões contraditórias.
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Referências:
¹https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/stj-agravo-e-taxatividade-mitigada-07082018
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Dicas
A certidão de intimação em agravo de instrumento é obrigatória?
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4 meses atrásem
12 de agosto de 2024É obrigatória a certidão de intimação para fins de agravo de instrumento? Esta é uma dúvida que, apesar de pacífica, ainda assombra alguns operadores do Direito. Sendo assim, vamos esclarecer neste rápido texto comparando o assunto no antigo CPC com o atual CPC.
Quando o Magistrado decide em caráter liminar, o próximo passo é meramente ordinatório, para que a parte contrária seja citada e intimada de todos os termos do processo. Em outras palavras, o réu tomará conhecimento desde o conteúdo da petição inicial até a decisão interlocutória, restando contestar e, se for o caso, apresentar recurso.
Ocorre que, por vezes, o réu visa derrubar os termos da decisão inicial interpondo o Agravo de Instrumento. Para sua aplicação, é necessário seguir os seguintes requisitos, segundo o Código de Processo Civil de 1973:
Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída:
I – obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;
Diante dessa dissertação, era comum encontrar situações em que o agravante não anexava a certidão de intimação para fins de agravo, mas a cópia da publicação da decisão que seria discutida, por exemplo. Com esse hábito, muitos recursos foram recusados.
Um dos grandes problemas da prática forense é o excesso de formalismo que ignora princípios constitucionais e diminui a visão sistemática necessária para resolver os conflitos. O artigo supracitado deve ser interpretado de maneira teleológica. Qual a finalidade dessa certidão? Simplesmente provar que o réu foi devidamente citado e intimado de todo o conteúdo do processo, além de que, o recurso interposto está dentro do prazo!
Então, com base no princípio da instrumentalidade das formas, podemos concluir seguramente que: se houver outro meio ou documento capaz de comprovar a tempestividade do recurso, ele deve ser aceito. Se a finalidade for atingida, não tem sentindo o agravo ser negado.
Entendimento dos Tribunais sobre a Certidão de intimação em agravo de instrumento
Vamos dar uma olhada no seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça (grifo nosso):
Incumbe ao agravante instruir o agravo, obrigatoriamente, com as peças arroladas no Art.525, I, CPC. Todavia, em homenagem à instrumentalidade, a falta de certidão de intimação da decisão pode ser suprida por outro instrumento que comprove a tempestividade do recurso.[…].” (STJ, AgRg nos EDcl nos EDcl no Resp 460.056/MT, T-3, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 26.10.2006, DJ de 18.12.2006, p. 360
Tal entendimento foi consolidado brilhantemente no Código de Processo Civil, vejamos:
Art. 1.017. A petição de agravo de instrumento será instruída:
I – obrigatoriamente, com cópias da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;
Em suma, podemos concluir que a certidão de intimação para fins de agravo não é obrigatória, desde que haja outro meio ou prova inequívoca, certificando a tempestividade do agravo de instrumento.
Se quiser saber um pouco mais, veja o que fazer quando há sentença em processo com agravo de instrumento pendente de julgamento.
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