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O crime de porte de tóxicos e seu aspecto constitucional

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 por Ingrid Carvalho1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa perfilhar a constitucionalidade do crime comumente chamado de porte de drogas, previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06.
É relevante fazermos o estudo de que o Brasil já havia, no século passado, criminalizado o porte de tóxicos por meio da Lei nº 6386/76, a qual concedia uma pena privativa de liberdade ao usuário que portasse drogas.
Com o prosseguir do tempo e a evolução da sociedade, foi perceptível a concepção de que o tratamento criminal imposto por essa lei, com privação de liberdade, não se mostrava eficaz para que o usuário pudesse obter a ressocialização.
Com o advento da Lei nº 11.343/06, houve uma inovação para o tratamento do usuário, prevendo penas restritivas de direito que possibilitassem a integração com o meio social novamente. Essas são consideradas penas em seu aspecto de punição, conforme o pensamento de NUCCI:
“A evolução do Direito Penal já chegou a um patamar em que se verificou, o que é atestado pela quase totalidade da doutrina, nacional e estrangeira, a crise da pena privativa de liberdade como método exclusivo de coerção estatal para o combate à criminalidade. Afinal, existem as infrações de menor potencial ofensivo e muitas outras, igualmente insípidas, não gerando grande insatisfação social quando constatada a sua existência (ex.: vide o furto simples). Para estas infrações penais, desenvolveu-se um sistema de penas mais brandas, acompanhando tendência mundial, que pode significar punição, pois há o cerceamento de direitos, mas sem o ingresso no cárcere, fator de impulso ainda maior à criminalidade, muitas vezes. As penas restritivas de direitos e a multa inserem-se nesse cenário. O que houve, no caso do art. 28, foi fruto desse pensamento. Retirar o usuário de drogas do contexto da prisão pode contribuir para a sua melhor ressocialização.”
Visto isso, podemos perceber que o problema dos tóxicos é um tema amplamente debatido no Brasil, o qual necessita de efetivos meios de regulamentação que sirvam como auxílio para abrandar as consequências advindas.
Assim, o presente artigo visa defender a constitucionalidade do crime previsto na nova lei de tóxicos.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 – HISTÓRICO:
O uso de drogas se faz presente no cotidiano do homem desde o início das sociedades, conforme afirma LESSA:
“A partir de uma revisão histórica da civilização humana, pode-se observar que a droga se fez presente na cotidianeidade do homem desde as primeiras notícias de sua existência. Tanto nas civilizações antigas quanto nas indígenas as plantas psicoativas como o ópio, a coca, a maconha eram bastante utilizadas e estavam ligadas a rituais religiosos, culturais, sociais, estratégico militares entre outros. Buscava-se através da magia e religião a cura de doenças, o afastamento do mal espírito, obter sucesso nas caçadas e nas conquistas e atenuar a fome e o rigor do clima de determinadas regiões. Aqui já se pode constatar o enfrentamento do através do imaginário”.
O uso dessas substâncias começou a ser objeto de proteção estatal a partir do século XIX, devido ao fato de representar um problema social que poderia trazer sérios danos à população em geral. Com isso, os países começaram a discutir políticas que visassem à repressão do consumo e da disseminação da droga, para que não se tornasse um problema presente em toda a população.
A primeira tentativa ocorreu em Xangai, em 1909, com a participação de treze países, e tinha como desiderato limitar o uso do Ópio, que era altamente difundido no Velho Continente e na Ásia. Após isso, os controles da distribuição do Ópio ficaram mais efetivos, o que foi observado no fato de que, em 100 anos, a produção de ópio caiu 70% e o número de usuários também sofreu uma larga diminuição.
Após isso, com a criação das Nações Unidas, os países assinaram convenções para controlar a disseminação de novas drogas, a exemplo do LSD e das anfetaminas. Então, em 1961, houve a Convenção Única sobre Entorpecentes, cujo objetivo era tentar combater o uso de tóxicos por meio de políticas internacionais, conforme afirma o documento da UNODC:
“Esta convenção tem o objetivo de combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais coordenadas. Existem duas formas de intervenção e controle que trabalham juntas: a primeira é a limitação da posse, do uso, da troca, da distribuição, da importação, da exportação, da manufatura e da produção de drogas exclusivas para uso médico e científico; a segunda é combater o tráfico de drogas por meio da cooperação internacional para deter e desencorajar os traficantes.”
Em 1971, ocorreu a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, que estabeleceu um sistema de controle internacional para tais substâncias. Por fim, em 1988, houve a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, que englobou as ordenações das duas outras convenções e deu uma maior efetividade no combate das drogas. Essa última forneceu medidas mais abrangentes contra o tráfico de drogas e instituiu medidas de controle dos precursores químicos.
No Brasil, o combate aos tóxicos está em pauta legislativa desde 1921, com o surgimento do Decreto nº 4.294, de 06 de julho de 1921, que instituía a internação compulsória dos usuários de substâncias entorpecentes, conforme seu artigo 6º:
Art. “6.” O Poder Executivo criará no Districto Federal um estabelecimento especial, com tratamento medico e regimen do trabalho, tendo duas secções: uma de internandos judiciários e outra de internandos voluntários.
1.* Da secção judiciaria farão parte: p.) os condemnados, na conformidade do art. 3o ; b) os impronunciados ou absolvidos em virtude da diriir.pntc ao art. 27, § 4o, do Código Penal, com fundamento em moléstia mental, resultante do abuso de bebida ou substancia inebriante, ou entorpecente das mencionadas no art. iv paragrapho único desta lei.
2.” Da outra secção farão parte: a) os intoxicados pelo álcool, ou por substancia venonosa, que tiver qualidade entorpecente das mencionadas no art. 1*. paragrapho único desta lei, que se apresentarem em juizo, solicitando a admissão, comprovando a necessidade do um tratamento adequado e os que, a requerimento de pessoa da família, forem considerados nas mesmas condições letlra aí, sendo evidente a urgência da internação, para evitar a pratica-do actos criminosos ou a completa perdição moral.
Após isso, uma real mudança nesse cenário só ocorreu em 1976, com o advento da Lei federal nº 6368/76. Essa lei deu ao usuário de drogas uma pena privativa de liberdade severa e previu formas válidas de combate ao vício que foram pouco eficazes, visto que a problemática das drogas continuava a prejudicar a sociedade.
Em 2002, o Congresso aprovou a Lei nº 10.049/2002. Essa lei, devido o fato de possuir várias incorreções, não substituiu a Lei nº 6368, mas passou a ser utilizada conjuntamente. Os operadores do Direito criticaram-na duramente, pois estava desatualizada antes mesmo de entrar em vigor e não representava os anseios da sociedade para o combate ao uso de drogas.
Já a Constituição de 1988 inovou na matéria de tóxicos. Em seu artigo 243, parágrafo único, dispôs que as terras destinadas ao plantio de culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão expropriadas pelo poder público e destinadas para a reforma agrária. A Lei Suprema também previu que os valores apreendidos em decorrência do tráfico de drogas e do trabalho escravo serão destinados a um fundo especial, que tem como desiderato o combate aos tóxicos, mas esta previsão consiste em uma norma penal em branco, pois depende de lei para regulamentar esse fundo específico.
Ainda assim, por meio dessa previsão constitucional, percebemos que o Estado não mediu esforços para barrar a disseminação das drogas, evitando até as plantações que dão origem aos tóxicos para cortar completamente o uso, o que comprova o fato de as mesmas representarem um problema que afeta a todos da sociedade.
Após todas as tentativas legislativas, ocorreu o advento da Lei nº 11.343/2006. Essa lei deu ao portador de drogas um tratamento distinto do que existia. A lei previu penas alternativas para que não houvesse uma privação de liberdade do usuário, visto que não era o caminho mais eficaz para combater o consumo e os danos à sociedade.
2.2 – O crime previsto no Artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 e a saúde pública
Com a Lei nº 6368/76, a posse de tóxicos foi considerada crime. Essa afirmava:
“Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de(vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.”
Com o advento do Artigo 28 da Lei nº 11.343/06, a Lei nº 6368/76 foi revogada e o crime de porte de drogas passou a ter uma pena mais branda, que consistia na restrição de direitos por meio de advertência, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento em curso, e não mais uma pena restritiva de liberdade. Ou seja, a nova lei trouxe um tratamento mais comedido ao crime, mas avolumou o rol de possibilidades de enquadramento da norma penal às situações concretas por meio da adição de mais condutas delituosas.Por isso, analisemos o artigo 28 da Lei nº 11.343/06, in verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
- 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
- 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
- 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
- 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
- 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
- 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I – admoestação verbal;
II – multa.
7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
O chamado “crime de porte de tóxicos para consumo pessoal”, que consiste na conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar, ou trazer consigo para o consumo pessoal drogas, permanece no ordenamento jurídico, pois representa um risco a saúde pública e não a saúde individual.
Devemos ressaltar que o consumo de drogas pode trazer sérios riscos à sociedade e não só ao individuo que a detém. Isso tem se confirmado por meio de decisões do Tribunal de Minas Gerais e também pelo Tribunal do Maranhão:
TJ-MG – Apelação Criminal APR 10105120117574001 MG (TJ-MG)
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL – POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO – CONDUTA LESIVA À SAÚDE PÚBLICA – CRIME DEPERIGO ABSTRATO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE. 01. A pequena ou ínfima quantidade de droga apreendida com o agente para consumo pessoal não enseja o reconhecimento da atipicidade da conduta, nem a aplicação do princípio da insignificância, pois em se tratando de crime de perigo abstrato ou presumido, a punição do agente se justifica no perigo social que a conduta representa para a saúde e incolumidade públicas.
TJ-MA – Apelação APL 0554852014 MA 0000150-36.2013.8.10.0045 (TJ-MA)
Ementa: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE PORTEDE DROGA PARA USO PRÓPRIO.ART. 28 DA LEI N.º 11343 /2006. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA DIANTE DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA INCRIMINADORA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONDUTA TÍPICA E ILÍCITA. LESIVIDADE AO BEM JURÍDICO COLETIVO (SAÚDE PÚBLICA). PROVIMENTO DO RECURSO. 1. O art. 28 da Lei n.º 11.343 /2006 (porte de drogas para uso próprio) não tem foco na quantidade de droga apreendida, mas sim no risco social decorrente da posse e do uso da substância entorpecente, cuidando-se de delito de perigo presumido cujas penas são de natureza terapêutica e pedagógica. 2. A conduta é formal e materialmente ilícita, uma vez que, nenhuma excludente da ilicitude vem justificar o comportamento de “trazer consigo, para uso próprio”, de modo que permanece fato típico e punível a conduta descrita na norma do art. 28 da Lei Antidrogas. 3. Sobre a discussão acerca da constitucionalidade da norma o art. 28 da Lei n.º 11.343 /2006, não obstante a controvérsia encontrar-se pendente de solução no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a existência de Repercussão Geral no RE-635.659-SP, fato é que o próprio STF já se manifestou acerca da matéria no RE 430105 QO/RJ, reconhecendo a constitucionalidade da norma legal sob comento, no sentido de que a Lei nº 11.343 /06 não implicou abolitio criminis. 4. Apelo provido. Unanimidade
A posição afirmada encontra ainda firmamento no posicionamento de RODRIGUES:
“O uso de drogas não atinge somente o usuário, ao contrário do propagado. Na área da saúde, há o uso ocasional (no qual não há prejuízos ao usuário ou a terceiros); uso abusivo (já há certos danos); dependência química (consumo e prejuízos mais graves). São notórios os prejuízos a terceiros e à sociedade, causados pelo usuário abusivo e pelo dependente, tamanhos os impactos no sistema de saúde, na segurança pública, nas mortes e acidentes no trânsito, na violência cotidiana. O desespero e a angústia tomam seus familiares, que não sabem como e a quem recorrer.”
Portanto, podemos perceber que o risco do porte de drogas está completamente ligado à saúde pública e ao perigo que pode ser gerado à sociedade. Por isso, não há relevância na tese afirmadora de que esse crime constitui ofensa à saúde individual, ou seja, não há a possibilidade de afirmar a configuração de uma autolesão. Se assim fosse, não haveria possibilidade dessa conduta ser enquadrada como crime, pois o direito penal não pode punir a autolesão, devido ao fato de o indivíduo poder dispor do seu próprio corpo até certo limite fixado em lei.
É oportuno também afirmar que o Direito Penal segue o princípio da fragmentariedade, ou seja, esse ramo do Direito só protege os bens jurídicos mais importantes à sociedade, conforme afirma NUCCI:
“Significa que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.”
Por conta disso, não seria correto afirmar que a criminalização do porte de entorpecentes tem como desiderato interferir na seara individual da vida do portador e nem prejudicar a sua liberdade em portar ou consumir tóxicos. Entretanto, visa à proteção da sociedade em seu aspecto coletivo, que se demonstra pela tutela da saúde pública. O direito posto em pauta é preceituado no artigo 196 da Constituição Federal.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Convém argumentar ainda que, a lei de tóxicos não tem como objetivo punir o usuário de drogas, pois não inclui entre as condutas típicas a de usar ou consumir, mostrando que o propósito da norma não foi, em nenhuma hipótese, punir o usuário pela autolesão, conforme verbera NUCCI:
“Outro ponto a ser analisado diz respeito ao uso do entorpecente, que não consta no tipo, logo, não é incriminado. A despeito de se ter editado uma nova lei antitóxicos, se alguém for surpreendido usando a droga (ex.: cocaína injetada na veia), sem possibilidade de se encontrar a substância entorpecente em seu poder, não poderá ser punido.”
Dessarte, com base em fundamentados argumentos, é confirmado que o Artigo 28 da Lei nº 11.343/06 tem como principal desiderato a proteção à saúde pública.
2.3 – A descriminalização e o aumento do consumo de drogas
O Direito Penal tem como uma de suas missões a coibição das condutas tipificadas. Nesse diapasão, é importante ressaltar a citação de SIDI:
“A doutrina costuma apontar três funções legítimas exercidas pelo Direito Penal, quais sejam:
1 – Coibir condutas que ofendam ou exponham a perigo, de forma grave, intolerante e transcendental bens jurídicos relevantes.
2 – Proteger o indivíduo das reações sociais que o crime desencadeia.
3 – Proteger o indivíduo do Poder do Estado.”
Por conseguinte, a manutenção do crime de porte de drogas para consumo próprio implica na coação do agente em não portar tóxicos, resultando na diminuição do uso dos entorpecentes.
A possível descriminalização do porte de tóxicos traria à sociedade devastadores problemas, gerando um aumento no consumo que, por consequência, resultaria na exacerbação do tráfico ilícito de drogas e atingiria, por fim, a saúde da coletividade. Isso se daria devido aos efeitos que as drogas ilícitas trazem, como, no caso da maconha, a possibilidade de acidentes de trânsito, em virtude da perda da capacidade de dirigir pelo usuário. Analisando isso, o Conselho Federal de Medicina, tendo o condão de dar favorabilidade à manutenção do crime, disponibilizou a determinada nota que embasa por completo o argumento utilizado:
“Entendemos que a descriminalização do uso de drogas ilícitas vai ter como resultado prático o aumento deste consumo e a multiplicação de usuários. Aumentando o número de usuários, aumentarão também as pessoas que se tornarão dependentes químicos. E a dependência química é uma doença crônica que afetará seus portadores para o resto de suas vidas e devastará suas famílias.
O aumento do consumo de drogas também elevará ao, já trágico, recorde mundial de acidentes de trânsito, homicídios e suicídios.
A descriminalização, ao aumentar o consumo, também ampliará o poder e o tamanho do tráfico clandestino, que vai fornecer as drogas ilícitas. E a violência recrudescerá!
Não existe experiência histórica, ou evidência científica que mostre melhoria com a descriminalização. Ao contrário, são justamente os países com maior rigor no enfrentamento às drogas que diminuem a proporção de dependentes e mortes violentas.”
Portanto, mais uma vez, percebemos que a descriminalização traria um completo caos à saúde pública e à sociedade como um todo.
2.4 – Dos princípios constitucionais não violados.
2.4.1 – Liberdade, intimidade e vida privada na Constituição:
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X preceitua:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Conforme BULOS e RODRIGUES, esses direitos consistem:
“A vida privada e a intimidade são os outros nomes do direito de estar só, porque salvaguardam a esfera de reserva do ser humano, insuscerível de intromissões externas (aquilo que os italianos chamam de rizervatezza e os americanos, privacy).”
“É assim que podemos conceituar a privacidade como uma faculdade inerente a todo e qualquer indivíduo de manter fora do alcance de terceiros o conhecimento sobre fatos inerentes a sua própria pessoa ou atividades particulares.”
Os direitos à privacidade e intimidade garantem ao individuo viver longe das intromissões alheias, possibilitando a escolha de um estilo de vida próprio. Essa garantia concede a todos o poder de impedir que outras pessoas possam obter informações sobre sua vida privada.
Conforme citação de Robert Alexy, por Andréa Neves, o direito de intimidade deve ser analisado por meio da Teoria das Esferas, que institui três classes de proteção, desenvolvendo-se de maneira decrescente. Essas são: a esfera mais interna, que compreende o âmbito mais intimo da vida privada e tem proteção absoluta, visto que, deve ser resguardado da coletividade por se tratar de assuntos secretos; a esfera privada ampla, que compreende os assuntos que o individuo informa à outrem, devido a confiança que é depositada nele, mas que não se difunde a sociedade em geral; e a esfera social, que compreende todas as informações que a pessoa quer excluir do conhecimento de terceiros e que não estão englobadas nas duas outras esferas.
Já o direito à liberdade compreende o conjunto de garantias que possibilitam o individuo viver de maneira livre, sem que seja forçado a praticar determinado ato. Torna-se mister ressaltar as sábias palavras de SILVA:
Que liberdade é essa? A liberdade física, civil, relativa a fatores extrínsecos ou à coação, permite a você viajar, trabalhar, estudar, sem qualquer constrangimento físico ou moral. A liberdade psicológica ou de arbítrio, relativa a fatores intrínsecos, significa autodeterminação: a pessoa não é coagida por taras ou paixões. É a liberdade de exercício (você pode agir ou não agir) ou liberdade de especificação (caso aja, pode agir deste ou daquele modo).
Porém, não há nenhum direito fundamental preceituado na Constituição Federal que seja absoluto. Portanto, esses direitos sofrem limitações em decorrência da ponderação dos direitos individuais frente aos coletivos. Nesta linha de pensamento, vejamos a jurisprudência:
TJ-MG – Apelação Criminal APR 10016120002239001 MG (TJ-MG)
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL – USO DE DROGAS – TESE DE INCONSTITUCIONALIDADE – IMPROCEDÊNCIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I – A criminalização das condutas descritas no art. 28 da Lei nº 11.343 /06 visa a coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública e, sendo norma de interesse social, não afronta a garantia constitucional da liberdade individual, não havendo que se falar em inconstitucionalidade do aludido dispositivo. II – O princípio da insignificância não é aplicável ao delito que versa sobre o porte de drogas para uso.
Visto isso, não se pode permitir que a existência dos direitos individuais de liberdade e de vida privada funcionem como escudo para a prática de uma conduta delituosa que traz riscos à coletividade. Deve-se analisar que a aceitação desses argumentos, como extirpadores da ilicitude do porte de drogas, gera uma sensação de impunidade ao portador que irá praticar o ato ilícito constantemente. Nesse diapasão, verbera SOUZA e BERSAN:
“Os princípios garantidores da intimidade e da vida privada não podem servir de salvo-conduto para a prática de infrações penais, evitando, com isso, a sensação de impunidade, bem como conferindo um caráter de prevenção geral, no sentido de compreender a punição do agente que, porta substância entorpecente, para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, como um instrumento de intimidação geral dos indivíduos que, diante da ameaça abstrata e concreta da imposição de pena, malgrado não seja privativa de liberdade, ficariam motivados a não transgredir a norma penal”.
2.4.2 – Principio da Insignificância:
O delito de porte de drogas é classificado como um crime de perigo abstrato, conforme NUCCI:
“de perigo abstrato (não depende de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado)”
Por isso, o crime em questão não exige uma efetiva lesão e nem colocação a perigo de um bem jurídico em concreto, ou seja, não exige um resultado especifico para que seja tipificado, sendo utilizado em sua essência para coibir uma conduta que, no caso, é o porte de drogas. Nesse diapasão, não se pode falar em aplicação do principio da insignificância frente a um crime de perigo abstrato, conforme posição majoritária dos Tribunais Superiores:
STJ – RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS RHC 34466 DF 2012/0247691-9 (STJ)
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE DEDROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (ART. 28 DA LEI 11.343 /06). PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343 /06) é de perigo presumido ou abstrato e a pequena quantidade de droga faz parte da própria essência do delito em questão, não lhe sendo aplicável o princípio da insignificância. 2. Recurso desprovido.
Além disso, o legislador não prevê uma quantidade para que o crime seja configurado, com a finalidade de afastar a aplicação do princípio da insignificância.
Infelizmente, a tese do emprego do princípio anteriormente analisado é bem sedutora, porém a jurisprudência e a doutrina têm refutado em sua maioria, devido ao objetivo da criminalização ser a prevenção da difusão e a exacerbação no consumo dos entorpecentes.
Por fim, a não aplicação do princípio da insignificância pode simbolizar que o porte ilegal de pequenas quantidades pode ser um indício da localização de abundante número de tóxicos, conforme o pensamento de SOUZA e BERSAN:
“Talvez à vista da certeza de que porções ínfimas de droga eventualmente encontradas (o suficiente para configurar o corpo de delito) são apenas parte de quantidades maiores, escondidas ou já consumidas, talvez por falta de um critério objetivo para mensurar a quantidade de droga necessária para atingir o bem jurídico tutelado, mas certamente à vista do caráter difuso de tal bem (não se considerando, portanto, o dano específico que aquela droga causou à saúde do usuário, mas o dano que o consumo de drogas causa à saúde pública), consolidou-se o entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância quando se trata de porte de substância entorpecente para consumo próprio.”
3. CONCLUSÃO
Analisando todos os argumentos já expostos, faz-se mister o reconhecimento da constitucionalidade do crime de porte de tóxicos, devido ao não reconhecimento do princípio da insignificância, da primazia dos direitos individuais frente aos coletivos e pelo aumento do consumo dos tóxicos gerados pela descriminalização.
O crime de porte de drogas tem como objetivo tutelar um bem jurídico previsto na Constituição Federal, que é a saúde publica, conforme já exposto.
Por fim, a manutenção da criminalização do porte de drogas é fundamental para que seja preservado o direito da coletividade, que é a saúde pública, frente aos direitos de liberdade e de vida privada, pois se houver a primazia na tutela desses direitos individuais, a sociedade ficará prejudicada pelos malefícios, como já vistos, trazidos pelo porte e uso de entorpecentes.
Referências: NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas – 8. Edição revista, atualizada e ampliada. – Rio de Janeiro: Forense, 2014. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional - 8. Edição, revista e atualizada de acordo com a Emenda Constitucional n. 76/2013 - São Paulo: Saraiva, 2014. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: Parte geral e especial – 7º edição revista, atualizada e ampliada - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. Rodrigues, F. F. L. e Guimarães, F.F. - Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2015, 7h55. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-19/debate-droga-exige-nem-descriminalizar-nem-punir-integrar> RODRIGUES, Alexandre. A privacidade na “ICP-Brasil”. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=8233> Acesso em: 25 de agosto de 2015. SOUZA, Jonathas Baia Andolphi de; BERSAN, Ricardo Resende. A constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06: a imputabilidade do usuário de drogas pela nova lei de tóxicos. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12949&revista_caderno=9> Acesso em: 22 de Agosto de 2015. LESSA, Maria Bernadete Medeiros Fernandes. Os Paradoxos da Existência na História do Uso das Drogas. Disponível em: <http://www.ifen.com.br/site/23-informativos-ifen/94-os-paradoxos-da-existencia-na-historia-do-uso-das-drogas> Acesso em: 22 de Agosto de 2015. UNODC, United Nations Office on Drugs and Crime. Drogas: marco legal. Disponível em: <http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/drogas/marco-legal.html> Acesso em: 22 de Agosto de 2015. Henrique, Saulo. A ineficaz política legislativa e estatal de combate ao tráfico de drogas no Brasil. Disponível em: <http://drsauloadvuolcombr.jusbrasil.com.br/artigos/111988254/a-ineficaz-politica-legislativa-e-estatal-de-combate-ao-trafico-de-drogas-no-brasil> Acesso em: 25 de Agosto de 2015. Sidi, Pedro: Função simbólica do direito penal. Disponível em: <http://pedrosidi.jusbrasil.com.br/artigos/121942588/funcao-simbolica-do-direito-penal> Acesso em: 28 de Agosto de 2015. Marques, Andréa Neves Gonzaga. Direito à intimidade e a privacidade. Disponível em:<http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2010/direito-a-intimidade-e-privacidade-andrea-neves-gonzaga-marques> Acesso em: 29 de Agosto de 2015. Lima, Máriton Silva. Direito de liberdade. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9343/direito-de-liberdade> Acesso em: 29 de Agosto de 2015.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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Artigos
A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações

Publicado
5 meses atrásem
1 de setembro de 2024
A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016;
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf> Acesso em: 10 abril. 2016;
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;
Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024

Publicado
6 meses atrásem
27 de agosto de 2024
A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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